Capitulo 1
“Mel...” eu sacudia minha amiga. “Mel, acorda!” cochichei desesperada e a empurrava.
“Ah
Lua, o que foi?” ela resmungou, colocando o travesseiro sobre seu
rosto. Lancei um olhar impaciente a Flávia, que estava roendo as unhas
de nervosismo ao meu lado.
Estávamos na casa de minha avó, e não
eram menos do que uma e meia da manhã. Eu e Flávia estávamos nadando e
reclamando da preguiça de Mel, quando escutamos uma buzina vinda do lado
de fora dos muros da casa.
Eu e Flávia nos entreolhamos assustadas, sabíamos quem era. Eles haviam nos ligado à umas duas horas atrás.
“Os meninos estão lá fora, Mel!” falei impaciente e a vi levantar imediatamente da cama, toda descabelada. Previsível.
“O
que?? Eles estão lá fora??” Melzinha dizia afobada, enquanto andava de
um lado para o outro naquele quarto de paredes amarelas.
“Sim Mel, e
se você falar mais alto, minha avó irá acordar e nós não iremos sair!”
falei entre dentes, e minha amiga começou a trocar seu pijama pela roupa
que usava antes de dormir. “Vamos...” cochichei e peguei a mão de
Flávia, que enroscou seu braço no de Melzinha.
Havia uma gigante
janela no quarto, era mais uma porta de vido, que dava para uma sacada
de pedra. Lá de cima era possível ver o Pontiac do Suede, e quatro
garotos ao seu redor. É claro que meus olhos se prenderam em cima de
apenas um. O sorriso brotou imediatamente em meu rosto.
“Hey garotas, desçam!” Chay, escandaloso como sempre, gritou, me fazendo fechar a janela atrás de nós imediatamente.
“Cala
essa boca, Suede! Quantas vezes eu tenho que dizer pra não gritar
quando vir aqui?” eu estava cansada de avisá-lo, mas acho que ele estava
bêbado demais para lembrar. Os outros garotos pararam de fazer barulho
imediatamente.
“Vamos logo!” Melzinha disse impacientemente feliz, e passou para o outro lado da grade da sacada.
Logo
ao lado haviam outras grades com trepadeiras que enfeitavam a casa da
minha avó. Melzinha já descia por elas, e Micael já estava a ajudando
logo embaixo.
Depois foi a vez de Flávia, e era óbvio que Borges
estava animadinho para ajudá-la. Assim que ela chegou ao chão, os dois
foram em direção ao carro juntos.
“Hey amigos, obrigada por quererem
me ajudar!” protestei a quantidade de pessoas que me ajudariam a descer
as trepadeiras. Chay estava ocupado demais cochichando algo para Mel, e
Micael e Flávia estavam fora do meu campo de visão.
Pude escutar a risada de alguém conhecido, e vi os cabelos castanhos de Fernando virem em minha direção.
“Venha,
gordinha mimada...” ele fez uma careta e eu soltei uma risada cínica.
Pulei a grade da sacada em direção às trepadeiras e as desci, com muita
fobia, já que alem de alergia por aquelas plantas horríveis (na minha
opinião elas deixavam a casa dez vezes mais rústica, mas vovó insistia
que aquilo será a nova tendência), eu tinha um incrível medo de altura. O
fato de que aquilo tinha apenas dois metros de altura não fazia
diferença. Podia ser um degrau com 1 metro que ainda sim eu teria medo.
Quando eu estava a alguns palmos do chão, Fernando colocou as mãos na minha cintura e me ajudou a pular.
“Fique
sabendo que eu ficarei dois dias sem comer por sua causa, Roncato...”
dei um tapa em suas costas enquanto íamos em direção aos outros, que
conversavam escandalosamente. Não sei qual a parte do ‘não façam
escândalos’ ou ‘calem a boca’ eles não entenderam. Meus amigos sofrem de
algum grave problema mental, isso é obvio.
“Você sabe que suas gorduras são seu charme, Lu...” ele já disse encolhido, sabia que vinha mais tapas.
“Por
isso você não namora ninguém, Roncato, você é um grosso!” dei um murro
em seu braço. Os garotos começaram a rir e zoar o idiota, que me lançou
um olhar totalmente assassino. “Um a um, Fernando. Estamos empatados...”
falei rindo, dando um abraço em meu amigo.
“Deixa você comigo, Blanco...” ele fez uma cara má e me soltou.
“Vamos logo, Arthur está nos esperando...” aquela voz me fez arrepiar.
Literalmente.
Olhei para trás, e só ai vi que ele estava sentado no capo do Pontiac,
com os braços cruzados e aquele olhar inexplicável, que só ELE tinha.
Ben
me encarava na mesma intensidade, e o mundo sumiu a minha volta. Aquele
par de olhos verdes e aquelas sardas quase invisíveis eram a combinação
perfeita. Seu cabelo raspado na maquina 2 tinha um tom loiro escuro e
um pequeno topete aumentava o charme. Ele usava uma jaqueta de couro
preta por cima de uma regata branca, sempre soube muito bem como
escolher as roupas que o deixam perfeito.
O irmão de Suede
normalmente era nosso motorista, mas agora ele definitivamente era mais
do que isso. Meu coração sempre esquecia de bater toda vez que ele
chegava perto de mim, quando eu digo sempre, significa desde quando eu
brincava de bonecas com Flávia (prima dos Suede) em seu quintal. E toda
aquela história de eu ser apenas a amiguinha de seus irmãos mais novos.
Mas de uns tempos para cá, vejo que seu pensamento sobre isso vem
mudando.
“Vamos entrando no carro, porque definitivamente o clima
pesou aqui...” escutei vagamente a voz de Roncato de fundo dos meus
pensamentos, seguido por ecos que eu adivinhei como sendo risadas. Vi
vultos passarem por mim, eram apenas borrões, já que a única imagem
concreta era a de Ben a minha frente.
“Oi Lu...” sua voz, grave e grossa, soou como poesia. Eu provavelmente estava patética. Não, eu absolutamente estava patética.
“O-oi Ben...” para completar a situação, eu gaguejei.
Não
suportava mais olhá-lo, pois já estava tonta. Encarei minhas unhas com
esmalte descascado, e o vi se aproximar. Claro que não ousei mudar a
direção de meus olhos. Suas mãos tocaram meus cabelos, colocando minha
franja atrás da orelha, e logo em seguida senti seus lábios quentes
tocarem minha testa. Minhas pernas bobearam, e não sei aonde arranjei
forças para continuar de pé.
“Vamos antes que esses animais destruam
meu carro...” ele disse divertido. Sorri e o vi abrir a porta do carona
para mim. “Saia daí Fernando, esse é o lugar da Lu.” Ben deu um tapa na
cabeça do garoto (o que fez seu boné amarelo voar longe) e Roncato
passou por entre os bancos da frente em direção à parte de trás do
carro.
Flávia estava no colo de Micael (os dois sempre foram os mais
avançados nesse sentido), Melzinha fazia um escândalo dizendo que não
iria no colo de Chay, obrigando Fernando a sentar em seu colo.
“Lu,
eu não namoro ninguém porque provavelmente as garotas pensam que eu sou
gay” Fernando disse entre dentes, totalmente desconfortável no colo do
Suede. Gargalhei.
“Eu acho que vocês são um casal magnífico!” falei
divertida, escutando a risada escandalosa de todos a fundo. Ben ligou o
carro e engatamos em direção à casa de Arthur.
Normalmente nossos
finais de semana eram assim. Eu, Melzinha e Flávia dormíamos na minha
avó (já que ela era, com todo o respeito, mais lerda que meu meus pais,
pois nunca percebia nossa ausência nas madrugadas), enquanto esperávamos
os pais do Aguiar saírem para algum baile, ou viajarem para Londres e
deixarem a casa às traças. Em dias de sábado era inevitável sua virar o
point da cidade, já que Arthur espalhava propositalmente o local da
festa. Lá virava um verdadeiro palco para bailes.
De madrugada,
os garotos pediam a Ben pelo carro, conseqüentemente ele ia junto, já
que o Pontiac era sua namorada. Roncato sempre ficava no carona e eu
ficava de vela no banco de trás.
Mas de uns tempos para cá, Ben
vinha exigindo minha presença ao seu lado. Me sinto ilustre, obviamente.
Isso soa clichê, mas Benjamin Suede não era um garoto qualquer. Além
dos seus vinte e três anos (enquanto eu e os outros tínhamos dezessete),
um carro e um rosto indefectível, todas as garotas de Bolton sonhavam
em um dia entrar naquele carro. Afinal, tudo o que elas queriam eram ser
vistas com alguém de reputação tão impecável.
Eu me sentia
incomodada com esse fato, já que isso geraria uma inveja sem tamanho
para cima de mim, e eu não gosto nem de ser notada pelas crianças em
festas de aniversário, imagina por um bando de promiscuas enraivecidas.
Despertei-me de meus pensamentos quando os Beatles invadiram o carro com Can’t Buy Me Love.
“I
DON’T CARE TOO MUCH FOR MONEEEEEY, MONEY CAN’T BUY ME LOOOVE” Micael e
Ben se juntaram à cantoria e em mais a voz de nenhum dos Beatles era
ouvida.
Depois de quatro músicas, muita gritara e tapas, chegamos na casa do Arthur.
Ele morava em um dos condomínios mais nobres da cidade, e por coincidência era meu vizinho.
A
música estava altíssima, os vizinhos o odiavam por isso. Os Aguiars
sabiam das festas que acabavam com sua casa, mas como Arthur tem um
incrível poder persuasivo, sempre se dava bem.
Todos nós saímos do
carro preto reluzente em um pulo, e eu particularmente fui saltitante em
direção àquele amontoado de pessoas. Melzinha e Chay apareceram do meu
lado, e nós três fomos em direção à cozinha.
Jailhouse Rock explodia
nas caixas de som espalhadas pela casa, e as garotas todas balançavam
suas enormes saias coloridas, com os garotos as observando de longe.
Chay pegou a garrafa de Martini Rose que Arthur havia escondido para nós no faqueiro, enquanto eu pegava os copos.
“Acharam o Martini?” Arthur entrou gritando na cozinha.
“Sim
senhor, chame os outros e peça Ben para trazer a tequila...” Chay disse
empurrando Arthur porta afora. Ele a fechou logo após, para evitar que
estranhos entrassem ali. Sim, éramos um grupo de pessoas autista e
supostamente drogadas, de acordo com os desocupados de Bolton.
Ben
adentrou a cozinha com uma garrafa de tequila na mão, sendo seguido por
Flávia, Micael, Fernando, Arthur e uma desconhecida.
Provavelmente alguma garota que Roncato achou pelo caminho para passar a noite.
“Vamos logo!” falei impaciente, me levantei e abri a porta dos fundos da cozinha, que dava para a área de lazer.
Além
de uma festa geral para ganhar dinheiro extra para nossas bebidas (sim,
Arthur cobrava umas cinco libras de cada pessoa que entrava em sua
casa), gostávamos da nossa festa particular.
A área era gigantesca.
Um gramado gigante onde o senhor Aguiar chamava os amigos para uma
partida de futebol, uma churrasqueira com um imenso balcão em um
quiosque, e a piscina imensa.
Me sentei em uma espreguiçadeira com
Melzinha, Chay, Arthur sentou-se no chão com Ben, e Micael se isolou na
beirada da piscina com Flávia.
Roncato estava em outra
espreguiçadeira com a desconhecida em seu colo. Devo frisar que ela era
muito bonita. Usava uma saia rodada preta com bolinhas brancas até a
canela, uma blusa branca colada em seu corpo seguida por uma faixa preta
na cintura. Seus cabelos pretos estavam presos por uma fita de cetim, e
sua maquiagem era de se invejar.
Parei de reparar na garota quando Micael pediu por copos, fui entregar a cada um, e depois decidimos tomar a tequila primeiro.
Peguei
um limão e um pouco de sal, coloquei uma dose, enquanto esperava os
outros se servirem. O primeiro brinde era rotineiro e indispensável para
nós.
“Que seja eterno enquanto dure!” falamos em coro antes de
cada um morder o limão e jogar a tequila para dentro. Uma careta
involuntária apareceu em meu rosto assim que senti minha garganta
queimar. Era esse o nosso lema. Não acreditávamos no para sempre mas
acreditávamos que cada momento que vivíamos era eterno. E vivíamos cada
segundo de nossas vidas intensamente. E sempre juntos.
A musica de
dentro da casa era escutada também por nós, e depois da quinta dose de
tequila, Melzinha e eu dançávamos My Generation em cima das cadeiras.
Levantei
a barra da minha longa saia amarela com as mãos e a balançava de acordo
com o ritmo da música. Melzinha fazia gestos engraçados enquanto
dançava, arrancando risadas de todos ali.
“PEOPLE TRY TO PUT US
DOWN, JUST BECAUSE WE GET AROUND, THINGS THEY DO LOOK AWFUL C C COLD,
HOPE I DIE BEFORE I GET OOOOLD” Roger Daltrey encarnou literalmente em
nossos corpos.
Pude perceber o olhar de Ben sobre mim, hipnotizado. Até Roncato pareceu parar de alisar sua garota.
Continuei dançando e inventando passos para a musica, sem me importar com os olhares, afinal o álcool me deixava desinibida.
“Lu, desde quando você tem bunda?” escutei Fernando gritar e eu apenas lancei-o um olhar mortal.
Quando a musica acabou, não animei a dançar Can’t Explain com Mel.
Deixei minha amiga dançando sozinha com uma colher como microfone, e fui até o balcão do quiosque pegar um copo d’água.
“Não
sei como você até hoje não se inscreveu para nenhum dos Dancing Days da
cidade...” aquela voz me fez arrepiar, e só por esse fato, sabia que
era Benjamin, afinal, que outro garoto tinha esse poder controlador
apenas com a voz? Explicando, Dancing Days eram os bailes dançantes
anuais e um dos mais tradicionais da cidade, onde haviam varias
modalidades de danças, tango, blues, salsa, bolero, rock.
Gargalhei e me virei de frente para o garoto.
“Tenho certeza que você ganharia de todas essas garotas aqui...” ele continuou.
“Bondade
sua, Suede...” mesmo com álcool em excesso no meu cérebro, esse garoto
ainda conseguia fazer minhas bochechas corarem. Ele havia tirado sua
jaqueta, e agora a regata branca marcava perfeitamente seus músculos.
Vi seus braços fortes envolverem minha cintura, e meu coração palpitou fortemente contra meu peito.
Ben afundou seu rosto em meu pescoço, e tive a impressão de que ele aspirava meu perfume.
“Seu
cheiro é bom...” ele disse delicadamente enquanto voltava a me encarar.
Sorri tímida e vi sua mão sair da minha cintura em direção ao meu
rosto. Ele acariciou minha bochecha carinhosamente com o polegar, me
fazendo fechar os olhos automaticamente.
O senti aproximar do meu rosto, e tempo depois sua respiração bateu em minha boca.
“Se
importa?” Ben perguntou fracamente, e eu ainda com os olhos fechados,
neguei com a cabeça. Foi ai que senti seus lábios quentes e macios
tocarem os meus, e esqueci o que era respirar. O cheiro dele me
intoxicou, e eu precisei me apoiar em seus ombros para não cair.
Me senti desnorteada, tonta e... apaixonada.
Continua...
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