sábado, 27 de abril de 2013

Web Doce Amor

                               Capítulo 24

 

Minha cabeça doía. Só para variar. Doía tanto que friccionei minhas mãos em minha testa, a fim de acabar com aquela tortura... Em vão, entretanto. Minha garganta estava seca e meu corpo pedia por água com urgência. Os meros feixes de luz que minha janela não bloqueava me incomodavam e me fizeram perceber que eu estava deitada no chão sobre um edredom, com o braço de Fernando em minha cintura e seu rosto estava em meu ombro nu. Levei minha mão até seus cabelos castanhos e os afaguei calmamente. Eu precisava me levantar, mas onde ficaria a preguiça? Eu queria ir até a padaria lá embaixo comprar pães e café, já que eu tinha certeza que todos meus amigos haviam dormido ali. Dei um beijo sutil na testa de Fernando e o empurrei para o lado com delicadeza, escutando murmúrios desgostosos vindos do garoto, entretanto ele não acordou. Fui até o banheiro e fiz minha higiene matinal, peguei uma camiseta de Fernando que estava jogada no chão e amarrei-a para cima da cintura; coloquei um short jeans para arrebatar. Passei pelo corredor, vendo a porta do quarto azul aberta e lá estavam Chay e Mel abraçados. Na sala amarela estava Micael em cima da mesa, de bruços e babando. Visão do inferno.
Havia latas e garrafas de cerveja espalhadas por todo o chão. Fui até a cozinha, tomando o cuidado de não pisar em nenhuma e causar um estrago. Tomei um copo d’água e preferi não pensar na bagunça naquele momento. Passei pela sala vermelha a ponto de ver Arthur espalhado pelos pufes, roncando em alto e bom som.
Abri a porta despreocupada e me assustei ao ver um garoto saindo pela porta de frente ao meu apartamento. Eu morava ali há mais de uma semana e não conheci nem um dos meus vizinhos. Como eu era desleixada...
“Olá...” o garoto disse simpático. Que voz!
“Oi...” respondi timidamente, fechando a porta atrás de mim.
“Prazer... Julian” ele estendeu a mão com um sorriso enorme de dentes perfeitos. Sua pele era bem clara, seus olhos eram um azul extremo e cabelos castanho-claros. Era muito alto e seu corpo – pelo que a camisa pólo permitia ver – era perfeitamente moldado. Devo frisar que seus bíceps tiraram um pouco da minha concentração... Proibi-me de olhá-lo por qualquer outro segundo após perceber o quão descarada eu estava.
“Er... Prazer, Lua” sorri de volta e peguei em sua mão.
“Vejo que está morando no lugar da Sra. Anderson... Bem melhor...” o tal Julian disse divertido, colocando as mãos nos bolsos da calça.
“Quem é Sra. Anderson?” perguntei curiosa, ignorando sua quase-cantada.
“Uma velhinha que morava aí...” apontou para o meu apartamento. “Ela era rabugenta e tinha uns dez gatos... Foi descer pelo elevador e o mesmo travou. A coitada teve um ataque do coração e faleceu... Trágico” disse com uma cara pesarosa e divertida ao mesmo tempo. Um silêncio se instalou entre nós e então realizei do meu propósito ali.
“Bom, preciso ir à padaria...” falei calmamente, e ele mostrou uma feição espantada, talvez receosa por ter me prendido ali.
“Eu estava indo para a rua... Posso te acompanhar?” Julian perguntou educado e eu concordei veemente.
Fomos conversando o caminho todo; expliquei-lhe o porquê de ter mudado para ali, ele contou rindo que escutou nossa festa a noite toda e eu me desculpei pelo transtorno.
Na hora que chegamos à padaria, Julian se despediu todo galanteador e partiu. Admito que gostei de tê-lo conhecido. Além de simpático – em todos os sentidos – era divertido e educado...
Fui para o prédio novamente e em seis minutos eu já estava no meu apartamento. Arthur estava com um avental e uma vassoura em mãos; estava quase dormindo em pé, enquanto varria o chão lerdamente.
Melzinha apareceu na sala vermelha com um saco de lixo nas mãos e catava as latas espalhadas pelo chão.
“Bom dia, Luinha...” ela disse preguiçosa.
“Bom dia! Trouxe café!” falei animada em meio de tanta ressaca. Fui até a sala amarela, onde Fernando limpava a mesa quadrada apenas de samba-canção.
“Oh, achei minha camiseta!” ele disse divertido, vindo em minha direção e envolvendo minha cintura com as mãos.
“Admita... Ela fica bem melhor em mim...” fiz uma careta e lhe deu um selinho. “Não tenho duvidas disso...” Fernando sorriu e me beijou.
“Ei! Não é hora de namoricos! Vamos trabalhar!” Melzinha apareceu irritada, fazendo-nos rir.
“Cadê o Chay, Melzinha?” rolei os olhos.
“Aquele retardado ainda está dormindo!” ela começou irritada. “Tentei acordá-lo de todas as maneiras, desde beijinhos a tapas e o garoto não acorda!” bufou e pegou um copo de café, saindo da sala batendo os pés. Peguei um café e um cookie e sentei na mesa, vendo Arthur chegar e se juntar a nós.
Passamos a manhã inteira limpando o apartamento, até que por volta do meio-dia, todos foram embora.
Fernando me chamou para lanchar no sítio para que ele pudesse me apresentar ao seu pai.
Mas eu já conheço seu pai!, aleguei rindo.
Mas ele não te conhece como minha namorada!, ele rebateu.
Ótimo. Eu iria ‘conhecer’ meu sogro. Se fossemos um casal convencional, eu estaria preocupada, já que na última vez que fui levada para conhecer os pais de um namorado, tudo acabou em briga. Graças a Deus tio Lewis era o homem mais legal – depois de John – que eu conhecia.
Tomei um banho e fiz um macarrão instantâneo para o almoço. Assisti um pouco de TV, vendo as passeatas e revoltas que estavam acontecendo em Londres e no mundo todo contra a opressão capitalista/socialista. Estávamos no auge da Guerra Fria e Bolton parecia não ter sido atingido pela crise. Ainda.
Não vi o tempo passar e quando eu menos esperava a campainha tocou. Surpreendi ao ver Julian parado na porta com uma vasilha nas mãos.
“Hey” falei surpresa e o garoto sorriu.
“Hey... Te trouxe isso...” entregou a vasilha. Eu a abri e vi um punhado de donuts coloridos. “Presente de boas vindas, sabe como é...” ele disse timidamente, mexendo nos cabelos.
“Oh, obrigada!” ri, envergonhada. No mesmo instante, Fernando apareceu. Tinha um buquê de flores em mãos e uma feição serena no rosto ao ver Julian.
“Er, Julian, esse é...” pigarreei. “Meu namorado, Fernando” falei envergonhada. “Fernando, esse é Julian, meu vizinho...” sorri nervosa e Julian estendeu a mão a Fernando. O garoto ponderou a opção de apertá-la ou não, mas quando viu minha feição brava, o fez.
“E ai...” falou carrancudo.
“Bom... Obrigada pelos donuts, Julian!” falei simpática, pegando na mão de Fernando, que ainda encarava Julian com uma feição de poucos amigos, e o fui puxando para dentro do apartamento. Meu vizinho sorriu e eu fechei a porta finalmente.
“Como você é educado, hein, senhor Roncato?” fingi estar brava. O garoto mexeu em seus cabelos nervosamente e fechou a cara. Aproximei-me devagar e envolvi seu pescoço com as mãos.
“Esse garoto estava de gracinha para cima de você...” ele falou em tom baixo, quase inaudível. Parecia uma criança mimada e reclamona, o que me fez rir.
“Ele não estava de gracinha! Veio me dar um presente de boas vindas!” rebati, dando um beijo em sua bochecha.
“Vulgo gracinha” me olhou de cara feia e eu achei graça de seu primeiro ataque de ciúmes. Será que a teoria de Mel era verdadeira?
“Agora me explica as flores...” perguntei, tentando o distrair e fazê-lo esquecer daquele ataque de ciúmes.
“Ah...” olhou para as flores em suas mãos. “São lírios... Acho que rosas são muito clichê...” ele deu de ombros e me entregou o buquê sem emoção. Rolei os olhos. “É assim que você vai me entregar?” coloquei as mãos na cintura.
“Desculpa. Esse tal de Julian tirou minha concentração.” O garoto se recompôs, respirou fundo e começou de novo. “Tem três espécies aí. Lírios amarelos, que de acordo com a dona da floricultura significa estar andando nas nuvens” ele imitou um tom de voz feminino, fazendo-me rir. “Tem uma tal de Eucharis, que significa mulher fascinante. Não me pergunte a conexão entre as flores e os significados porque nem a dona iria saber...” ele disse apreensivo, apontando para a tal espécie Eucharis, que eram brancas. “E essas aqui são os Lírios do Vale, que significam você completa a minha vida” Fernando disse a ultima frase quase em um sussurro.
Não contive o sorriso em meu rosto e peguei o buquê assim que ele me entregou. Era simplesmente maravilhoso. Havia também um envelope médio de cor bege, o qual eu peguei e o abri imediatamente.

I could ride around the world in an old oxcart
And never let another girl thrill my heart
I could meet a hundred girls and have loads of fun
My huggin’ and my kissin’ belong to just one
If you gave me nine lives like a tommy cat
I’d give ‘em all to you and never take one back
I’m putting on my Sunday suit and I’m goin’ downtown
But I’ll be kissin’ your lips before the sun goes down

Reconheci a musica de Elvis Presley imediatamente. Era Ain’t That Loving you Baby.
“Gostou?” ele perguntou.
“Tá brincando?” falei chocada, pulando em seus braços em seguida. Entrelacei minhas pernas entorno de sua cintura e lhe dei múltiplos beijos.
“Bom... Vamos?” ele disse com um meio sorriso e eu concordei.

“Olá, Luinha!” tio Lewis cumprimentou alegremente e me abraçou.
“Pai, você fez tudo errado! Tem que me deixar apresentá-la!” Fernando disse bravo para seu pai. O Sr. Roncato rolou os olhos e suspirou. “Pai, essa é a minha namorada, Lua” O garoto falou diverido, apontando para mim. Tio Lewis estendeu sua mão e eu a agarrei.
“Como minha nora é linda...” o mais velho disse com humor.
“Eu tenho o melhor sogro do mundo...” me gabei e Lewis me abraçou pela cintura, levando-me para dentro da casa. Lá dentro, a mesa da cozinha tinha alguns vasos com flores e um pano bonito. Encarei Fernando e ele sorriu abertamente de volta. Sr. Roncato arrastou uma cadeira e me fez sentar.
“Temos panqueca e o Fernando ali fez um bolo... Mas nem queira imaginar a baderna que ele aprontou...” tio Lewis disse e eu não pude deixar de rir ao imaginar Fernando de avental e todo lambuzado de calda de chocolate.

Comemos tranquilamente, exceto quando eu tinha algum ataque de riso pelas vezes que tio Lewis entregava algum vexame de Fernando na infância.
“Luinha, fique aqui até mais tarde! Vamos fazer um churrasco com os vaqueiros das fazendas vizinhas... Também chamei seu pai” o mais velho me convidou.
“Claro” aceitei sorridente.
No final do lanche eu e Fernando resolvemos dar uma volta. Andamos tanto que chegamos ao Jumbles Reservoir, um lago artificial que dividia o sítio com outro. Estávamos praticamente em sua nascente, já que a água ali era escassa. Havia dezenas de árvores e o clima ali era extremamente confortável. Sentamos debaixo de uma, enquanto eu fiquei entre as pernas de Fernando, e ficamos ali por longos minutos; até Bradock, o boxer, apareceu.
“Sabe, eu tenho uma confissão a fazer...” o garoto começou e eu recostei minha cabeça em seu ombro. Seu tom era calmo e despreocupado. “Quando minha mãe morreu, eu fiquei arrasado... Até pouco tempo eu não via muito sentido nas coisas. Não sei você lembra, mas eu estava bebendo e fumando mais que o normal, não dava a mínima para coisa alguma. E depois, você começou a namorar Benjamin. Então tudo pareceu desmoronar. Isso eu me culpo, já que nunca tive coragem de te dizer nada... Você provavelmente nem deve ter notado o quão acabado eu estava...”
E eu realmente não havia notado. Estava não apaixonada por Ben que era incapaz de ver um palmo ao meu redor.
“Eu bebia, ficava baratinado¹ o tempo todo, só para tentar esquecer você, Benjamin, minha mãe...” seu tom foi entristecendo e meu coração apertando. “Mas na primeira vez que você me olhou de maneira diferente... Não sei, Luinha, algo pareceu se completar... Depois da morte da minha mãe, você foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido...” seus braços me apertaram contra seu corpo. Beijei sua mão que estava entrelaçada à minha.
Eu não tinha palavras. Eu me lembrava do qual mal o garoto havia ficado após a morte de sua mãe, mas pensar que eu era uma das causas para piorar seu estado me fazia sentir a pior das pessoas.
“Você sabe que, a partir do momento em que eu te olhei de maneira diferente, me teria pro que precisasse, não sabe?” encarei seu rosto que estava de perfil. Ele olhava para a correnteza do rio, com expressão serena e os mínimos raios de luz que as copas das arvores deixavam entrar iluminavam sutilmente seu rosto. Virou-se lentamente a ponto de me encarar.
“Agora eu sei” Fernando respondeu com um pequeno sorriso nos lábios. Seus olhos tinham um brilho diferente. É como se, por eles, estivesse agradecendo por algo. Levei uma mão até seu queixo, acariciando-o com doçura. No momento seguinte, o garoto aproximou seu rosto lentamente. Fiquei por um tempo observando seus lábios entreabertos e toquei-os com a ponta do indicador em seguida. Não havia nada que me fizesse sentir mais viva do que aqueles lábios sobre os meus.
“Ei, Fernando! Seu pai mandou chamá-los! O pessoal já está todo lá no sitio” um homem moreno apareceu mais a frente na beira do lago, chamando nossa atenção. Fernando mexeu nos cabelos com vergonha e assentiu.
“Vamos?” ele disse sorridente.
“Vamos” sorri de volta, selando nossos lábios carinhosamente.

“).toUpperCase())!” escutei a voz de John assim que ele apareceu em meu campo de visão. Soltei a mão de Fernando e corri em sua direção, pulando em seu colo no momento seguinte.
“QUE SAUDADE!” falei sincera, abraçando-o com todas as minhas forças; há dois meses eu havia saído de casa e a falta de John ainda me afligia.
“Como você está, minha pequena?” ele perguntou, colocando-me no chão.
“Tudo bem, e o senhor?” sorri e esperamos Fernando nos alcançar. Os dois se cumprimentaram alegremente e caminhamos em direção a casa, onde um blues era tocado.
Meu pai já estava completamente animado, já que mexia os pés animadamente.
“Grande Blanco!” Lewis aclamou feliz, abraçando John assim que o viu; os dois engataram uma conversa extasiada.
Os amigos do senhor Roncato eram quem tocavam a música contagiante de Robert Johnson; uma sanfona, uma gaita, um violão, uma bateria improvisada e um violoncelo. Tudo muito caseiro e maravilhoso.
Havia outras mulheres ali, provavelmente esposas de todos aqueles homens ali. Elas dançavam incrivelmente bem, deixando-me até com vergonha. Moviam seus corpos sensualmente, de olhos fechados e bocas entreabertas.
Fernando e eu nos entreolhamos e sorrimos simultaneamente. Eu sabia o que ele queria.
Pegou em minha mão novamente e me arrastou até onde os homens tocavam. O garoto piscou para o vocalista e me puxou rapidamente contra seu corpo. Ri coloquei uma mão em seu ombro, enquanto a outra já estava entrelaçada à sua. Nossos pés começaram a mover de acordo com os acordes do violão. Em instantes uma roda se formou ao nosso redor e todos nos observavam com atenção e um misto de admiração. Fernando sorria abertamente e seus olhos não se desgrudavam dos meus. Sua mão estava firme em minha cintura e se mexia de acordo com meus movimentos.
Nossos corpos estavam colados e eu podia até sentir seu êxtase me contaminar. Rodamos lentamente e Fernando me segurou para que eu pudesse curvar as costas para trás em um movimento e voltar rapidamente, chocando nossos tórax.
Colei nossos rostos, de modo que nossas bochechas se encostassem e a respiração do garoto batesse em meu ouvido.
Fazia um bom tempo que não dançávamos e só ali eu havia percebido o quanto aquilo me fazia falta.
A dança acendia nossos corações, interligava nossos corpos de uma maneira que nem mesmo o sexo podia interligar.

Quando a musica lançou seus últimos acordes, todos começaram a aplaudir e eu abracei Fernando. O garoto me rodou e não consegui segurar minha gargalhada ao me sentir tonta.
Tio Lewis apareceu com dois copos de cerveja e os entregou a nós. Fernando parecia estar com sede, já que tomou toda a bebida em duas goladas.
“Woohoo!” o garoto gritou animadamente e eu bebi todo o álcool em seguida.
Todos dançavam acalorados, como se não existisse mundo a suas voltas. Envolvi o pescoço de Fernando com meus braços e voltei a mexer meu corpo, só que dessa vez em um ritmo bem mais lento. Ninguém nos dava atenção agora, todos envolvidos demais com seu próprio entusiasmo, e isso nos deixava mais a vontade. Colei nossos lábios em uma fração de segundo, e os mantive juntos por um bom tempo.
O céu começava a escurecer, tendo varias cores em sua paisagem.
As mãos de Fernando exploravam minhas costas e as minhas já se fincavam em seus cabelos. Joguei meu pescoço para trás, deixando com que a música me hipnotizasse e nos tirasse dali. Por um momento, era como se nada existisse além de Fernando e eu.
Sua boca foi de encontro ao meu pescoço e o beijaram sem pudor ou pressa. Sua língua deixava rastros e atiçava cada parte do meu corpo. Puxei seus cabelos levemente, demonstrando todo meu deslumbramento naquele ato.
Quando voltei à minha posição inicial, atrevi a abrir os olhos e encarar Fernando. O garoto sorria totalmente absorto, e suas mãos foram de encontro ao meu rosto, envolvendo-o completamente.
“Vamos sair daqui” sussurrei contra seus lábios, ainda sem a menor concentração ou razão.
Puxei-o lentamente pela mão e andei contra o fluxo de pessoas ali no gramado. Eu andava sem rumo, sem a mínima noção do que fazia ou do que queria.
Na verdade eu sabia: queria o corpo de Fernando contra o meu, queria suas mãos vagando por mim sem pudor, sua boca explorando a minha sem um pingo de compostura.
Quando percebi, estávamos no fundo da casa, onde o som da banda era vago, assim como todo o fuzuê das conversações.
Eu estava bêbada. Bêbada de paixão e desejo.

Empurrei Fernando contra a parede de madeira, sem o mínimo de dó, mas ele não pareceu se importar com a brutalidade. Aquilo só fez seu sorriso crescer.
Juntei meu corpo ao dele rapidamente e senti uma de suas mãos tocar minha bunda e a outra entrelaçar em meus cabelos. Não nos beijamos a principio, apesar de nossas bocas estarem quase coladas.
Minha respiração era falha, deixando claro todo o meu anseio.
Minhas mãos desceram de seus ombros para seu tórax lentamente, e de seu tórax para seu abdome. As coloquei por debaixo de sua camisa social e envolvi sua cintura; sua pele estava quente. As subi vagarosamente por suas costas definidas, sentindo o calor de sua pele contatar com meus dedos cheios de luxuria.
O garoto pareceu não agüentar, já que colou nossos lábios com fúria e começou um beijo cheio de paixão e zero de delicadeza.
Ele apertava meu glúteo com fúria, fazendo-me puxar seus cabelos com a mesma compaixão.
Eu queria poder fundir nossos corpos com os movimentos que fazia, entretanto isso parecia ser impossível.
Baixei meus lábios para seu pescoço e o explorei com toda vontade. Seu cheiro parecia me contaminar ainda mais.
“Você me deixa louco...” escutei a voz de Fernando sair falha. “Em todos os sentidos” Sorri levemente e grudei nossos lábios mais uma vez.
“É, eu sei Lewis, mas...” escutei a voz de John se aproximar e, como se tivesse tomado um choque e acordado, desgrudei-me de Fernando. “Oh! Vocês! Er...” meu pai disse totalmente embaraçado, mas não mais que eu. Olhei Fernando de relance e o garoto parecia estar tão envergonhado quanto eu, já que mexia incessantemente nos cabelos.
“Pai! Que surpresa!” ri nervosa e encarei minhas sapatilhas boladas. John pigarreou.
“Er... Eu estava procurando um lugar para fazer xixi, mas... Er, existe banheiro para isso, certo?” ele riu inquieto, e coçou a nuca. “Continuem a... Expressar o amor de vocês e finjam que eu não apareci aqui” ele disse rapidamente e saiu correndo pelo mesmo lugar onde havia aparecido.
Fernando e eu nos entreolhamos.
Certo, o que foi isso?
Não agüentamos, caímos na gargalhada. Meu pai acabou de me pegar amassando com Fernando! Que pai normal faria o que John acabara de fazer?
Riamos escandalosamente, minha barriga chegava a doer.
“O que foi isso?” Fernando perguntou entre risadas. Eu não sabia o que responder. Aquele fora o momento mais constrangedor – e engraçado – da minha vida.
Quando nossas risadas cessaram, o silencio se instalou sobre nós.
Encaramo-nos por alguns segundos.

“Onde paramos mesmo?” o garoto disse com um sorriso maroto, vindo em minha direção e me prensando contra a parede.
xxxx
A semana havia passado lenta e preguiçosamente. Minha rotina era acordar, ir à escola, voltar para casa, almoçar; então depois Fernando ia para minha casa, tínhamos algumas horas de paz até o resto da tropa chegar. Ficávamos acordados até tarde, vendo televisão ou jogando cartas. Às vezes um jogo de tabuleiro. Fumávamos, deitávamos no chão da sacada e ficávamos observando o céu como seis pessoas alienadas e sem ter o que fazer.
Mas algo diferenciou aquela semana. Eu havia feito minha entrevista para a Universidade. O ensino superior para as mulheres ainda era muito restrito, e eram poucas as Universidades que aceitavam mulheres. A minha melhor – e quase única – opção era me inscrever na Girton College, uma faculdade constituinte da Universidade de Cambridge. Como o meu colégio, a Girton era uma Universidade para mulheres. Eu não entendia o verdadeiro motivo de deixarem mulheres separadas de homens. Na verdade, eu não entendia bulhufas. Havia cursos que eram quase uma extensão do papel da mulher na família: o de educadoras, o de cuidar do outro. Então o principal curso era pedagogia. Claro que existiam as médicas, as advogadas, mas nenhuma tinha o respeito que o homem tinha. Isso me irritava profundamente.
Para ser admitida na Girton, eu precisava passar por uma entrevista.
Se eu estava nervosa? Imagine...
Arthur me obrigou a fumar antes de ir até o local da entrevista, que seria na Hertha School, para que eu ficasse mais tranqüila.
Todos me acompanharam até a Hertha. Micael foi dirigindo seu fusca vermelho, enquanto eu estava sentada no banco carona. Chay, Melzinha, Arthur e Fernando estavam nos bancos de trás, formulando frases para que eu pudesse passar uma imagem séria e respeitada aos entrevistadores. O que eles entendiam sobre seriedade? Isso me fazia rir a cada frase mal formulada e sem nexo que eles diziam.
A entrevista duraria uma hora e meia, e meus amigos iriam me esperar na porta da escola.
A entrada do local parecia um castelo, o que fez meu nervosismo crescer. Olhei para trás, vendo os cinco fazerem expressões encorajadoras. Respirei fundo e adentrei o colégio. Não havia muitas garotas ali, talvez eu fosse uma das poucas que não queria ter a vida da minha mãe ou da minha avó. Eu não queria ser uma ‘rainha do lar’, eu queria mais. Eu queria minha autonomia e meu direito de escolher a vida que eu queria. Eventualmente eu me casaria e teria filhos, mas minha vida não seria só aquilo.
Minha avó, mãe e eu fomos criadas para serem boas esposas, boas donas-de-casa, submissas ao dinheiro do marido... Mas, para minha sorte, nada daquela bobagem entrara na minha cabeça. Eu iria provar que nós, mulheres, éramos mais que escravas do lar.

Sorri à atendente que ficava atrás de um enorme balcão de mármore e passei a observar a decoração do local, tentando não pensar no fato de estar á frente do momento mais importante da minha vida.
“Você é a próxima, querida” a mesma atendente, de cabelos ruivos presos num coque perfeito, me alertou. Assenti nervosamente e continuei encarando o teto da escola, que parecia uma réplica da Capela Sistina. Uma réplica malfeita, acrescento.
Passaram-se alguns minutos e uma garota saiu da grande porta de madeira que ficava mais afundo. Ela estava claramente nervosa. Abanava as mãos com voracidade e suas bochechas estavam vermelhas. Talvez por timidez, ou por saber que havia reprovado na entrevista.
“Vamos?” a ruiva colocou a mão sobre meu ombro e sorrindo. Talvez fosse tão simpática por saber que estava me levando para a forca. Queria me passar segurança antes que outra pessoa envolvesse a corda no meu pescoço.
Arrumei minha saia – que era um pouco abaixo do joelho –, ajeitei alguns fios do meu rabo-de-cavalo e acompanhei a ruiva até a grande porta de madeira. Suspirei, fechei os olhos, e deixei a calmaria me contagiar. Eu não estragaria tudo. Eu provaria a todos do que eu era capaz.

Após uma hora de entrevista, os cinco entrevistadores da banca de Cambridge – todos muito marrentos e céticos – me liberaram. Disseram, sem muita emoção, que uma carta chegaria à minha residência entre vinte e quatro a quarenta e oito horas.
“E ai? Como foi?” Micael perguntou entusiasmado no momento em que sai do castelo que chamavam escola.
Minha cara, pela expressão no rosto dos meus amigos, não era das melhores. Não considero a entrevista como um fiasco. Respondi a todas as perguntas com segurança, consegui bolar resoluções para os problemas diversos que eles me apresentaram, coloquei minha criatividade em prática com algumas cartas que eles me fizeram formular... Mas... Era impossível saber se eu havia ido bem! Aqueles caras não tinham expressão! Era impossível saber o que eles estavam pensando. “Agora é esperar...” falei simplesmente, abrindo a porta do carona e me enfiando dentro do carro sem mais palavras.

Agora estávamos todos encarando aquele envelope bege, com um ‘Girton College’ escrito na frente, todo desenhado.
A carta estava na minha mão, e estávamos sentados em circulo na sacada.
“Passa o cigarro” ordenei, sem tirar os olhos do envelope. Senti o papel que enrolava o fumo contatar com a minha mão, e imediatamente o traguei. Fechei os olhos para sentir a onda de calma passar por mim, e então os abri novamente. Encarei meus amigos. Todos me encaravam apreensivos de volta.
“Okay. Vamos lá” suspirei e vi a maré de tensão nos atingir. Eu tinha certeza que os cinco se sentiam nervosos como eu.
Abri o envelope com cuidado, deixando com que minha aflição aumentasse a cada segundo.
Puxei a carta lá de dentro e suspirei novamente antes de abri-la por completo.
“Anda, Luinha! Você está me matando!” escutei Melzinha dizer, como se aquela carta descrevesse o destino de todos nós.
Abri-o.
“E então?” Fernando perguntou aflito.
“Eu... Eu...” não conseguia dizer. Estava paralisada. Não sabia se gritava, se chorava...
“EU PASSEI!” gritei. Todos meus amigos gritaram junto, levantaram-se e começaram a pular. Eu não entendia como eles podiam se envolver tanto um com o outro, com as conquistas do outro. Era magnífico e inexplicável a conexão que tínhamos.
Levantei-me também e senti vários braços me abraçando no mesmo tempo. “LUINHA! LUINHA! LUINHA! LUINHA!” eles gritavam em coro e pulavam ao meu redor.
A felicidade que me contagiava e percorria meu corpo era tão grande que eu estava tonta. Não sabia se ria, chorava, gritava, me calava...
“Finalmente alguém dessa turma vai virar gente!” Arthur disse empolgado, abraçando-me pela cintura.
“Não seja bobo, Arthur!” dei um tapinha em sua cabeça.
Era indescritível a minha empolgação. Era como se eu tivesse conquistado o meu primeiro de muitos objetivos.
“Parabéns, minha linda!” foi a vez de Fernando me parabenizar. Veio em minha direção e me abraçou com uma ternura imensa.
“Ei pessoal, que tal abrirmos algumas cervejas e comemorarmos?” Melzinha sugeriu, mas eu sabia que ela queria dar à mim e Fernando um momento a sós. Os garotos concordaram e a seguiram até a cozinha aos gritos.
“Obrigada” sorri sincera, levando minhas mãos até seu rosto, acariciando-o. “O problema é que eu vou pra Cambridge...” lembrei desse detalhe, abaixando meu rosto.
“Isso não vai ser problema, eu prometo” o garoto começou, colocando meu rosto entre suas mãos e me fazendo encará-lo. “Vou te ver todos os finais de semana, e não vou desgrudar de você um segundo. Será que você vai enjoar de mim?” forjou uma cara pensativa, me fazendo sorrir.
“Jamais...” selei nossos lábios. Como era possível beijar uma pessoa só varias vezes e nunca se enjoar? Nunca perder a emoção, as sensações? “E se você arranjar alguém pra me substituir?” fiz bico.
“Te substituir?” ele deu uma risadinha debochada “Pára, vai” Fernando fez uma careta e me apertou contra seu corpo.
“E toda aquela história de que relacionamentos à distância não funcionam?” rebati, um tanto quanto pessimista. Não sei por que estava dizendo aquelas coisas, mas algo dentro de mim me apertava.
“Nós somos uma exceção” ele disse calmamente, depositando um beijo terno em minha testa.
Era isso.
Éramos uma exceção. Em todos os sentidos.
 


 Continua...
**Gente, vocês estão gostando ? :0**


2 comentários:

  1. Aí meu cora kkkk Luinha passou e finalmente vai mostrar para aquela sociedade ridicula q mulheres tbm tem voz de expressão.. é isso aí! Agora qro saber é como vai ficar o namoro desses doi.. #MEDO

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