Capítulo 23
Eu andava pelas ruas de Bolton com o sol escaldante sobre minha
cabeça. O braço de Mel estava entrelaçado no meu e olhávamos as vitrines
com os últimos lançamentos da moda londrina.
Estávamos indo para o
Nonna’s encontrar os garotos, mas aproveitávamos para tocar nos assuntos
especificamente femininos. Eu, obviamente, já havia lhe contado do
acontecimento com Fernando e de como havia sido lindo ao acordar com o
corpo quente do garoto colado no meu e seus braços firmes em torno da
minha cintura. Ela fez um escândalo no meio da rua, deixando-me
completamente envergonhada quando falou chocada e em alto e bom som:
“Não acredito que você fez amor com Fernando!”
Abraçou-me, parabenizou-me e eu fiquei sem saber o porquê de toda aquela festa.
Chegamos
finalmente na sorveteria, onde uma musica agitada saia da jukebox e
havia pessoas andando de um lado para o outro, rindo histericamente,
falando alto e curtindo o sábado como podiam; as garçonetes zanzavam
sobre patins e com bandejas nas mãos contendo os diversos pedidos das
pessoas.
Passei os olhos pelo local a procura dos meus amigos e
achei uma mesa perto do grande vidro vitrine do lugar. Chay conversava
algo animadamente com Micael, enquanto Arthur – que tinha o braço sobre
os ombros de uma garota – falava com Fernando.
Fernando...
Uma vergonha me abateu de leve e perguntei a Mel se aquilo era normal e ela respondeu que sim. Menos mal.
“Respira
fundo, Luinha, tudo vai dar certo...” Melzinha colocou a mão em meu
ombro e me empurrou lentamente. “O máximo que pode acontecer é ele ficar
muito ciumento...”
“O que é isso, conseqüência do sexo?” perguntei
absorta, fincando meus pés no chão para que Melzinha não conseguisse me
tirar do lugar.
“Mais ou menos... Quero dizer, é lenda...” deu de
ombros e puxou meu braço fortemente. “Chay ficou impossível nos
primeiros meses” falou com descaso.
Suspirei e me rendi, indo
rapidamente até nossa mesa. Em certo momento, os olhos de Fernando se
deslocaram dos de Arthur e, por coincidência talvez, encontraram-se com
os meus. Como um simples olhar podia tirar seus pés do chão? Seus olhos
sorriam de alguma maneira, sem que seus lábios se movessem.
Quando
eu estava perto o suficiente da mesa, Arthur se afastou para que eu
sentasse ao lado de Fernando. O mundo parou por alguns segundos.
Fernando tocou minha maça do rosto com uma das mãos e a acariciou
brevemente. Seus olhos continuavam fixos em mim e os meus, entretanto,
fecharam-se ao sentir o seu toque. No momento seguinte senti seus lábios
macios e úmidos tocarem os meus.
“Olá...” sua voz suave soou divertida e me atrevi a abrir os olhos.
“Oi...” respondi timidamente, colando nossos lábios novamente.
“Oi, Luinha, se lembra que tem amigos?” Chay disse, jogando um pedaço de palito partido em minha cabeça.
“Lembro,
Suede... É que você é insignificante demais...” dei de ombros e tirei o
palitinho dos meus cabelos, jogando de volta no garoto.
“E ai,
Luinha, quando vai ser a festa de inauguração do seu apeteó?” Arthur,
como sempre interessado em uma festa, perguntou. Todos pareceram
direcionar as atenções a mim, igualmente interessados.
“Veremos isso
mais tarde, Aguiar. Tenho medo da minha residência novinha ser
destruída por vocês...” rolei os olhos e em seguida procurei por uma
garçonete e fiz um aceno logo que achei. “Um Milk Shake de coco e um
cachorro-quente, por favor” pedi assim que ela chegou em nossa mesa.
“Uma
cerveja” Micael começou, mas todos os garotos se manifestaram. “Quatro
cervejas, por favor” ele sorriu maroto à garçonete, que abaixou a cabeça
envergonhada e anotou os pedidos. Direcionou-se à Mel em seguida.
“Uma porção de batatas fritas e um mega sundae de baunilha” sorriu.
“Certo, já trago seus pedidos” ela disse simpática e voltou a deslizar sobre os patins pela sorveteria.
Começamos
uma conversa sobre o que faríamos mais a noite e todos – inclusive
Fernando, que insistiu fervorosamente – me convenceram a dar uma festa
no meu apartamento. A princípio seria apenas uma reunião com nós seis,
depois de alguns dias me fizeram prometer que faria uma maior. Já pude
prever a destruição do meu apartamento, os pufes rasgados, vômito nas
paredes, cerveja no tapete... Eu faria Arthur – a cabeça da conspiração –
limpar metade sozinho.
Vinte minutos depois – as cervejas haviam
chegado antes – o meu pedido e o de Melzinha chegaram e tratei de
devorar meu cachorro-quente completo e com mostarda. Delicioso.
Vi
Fernando pegar um canudinho no suporte no centro da mesa e o colocou na
minha taça. Encarei-o divertida, levando minha boca lentamente até o
canudo e o vendo fazer o mesmo. Começamos a tomar o líquido no mesmo
instante, com os olhos fixos um no outro. Aquilo era divertido!
Soltei o canudo e com os lábios gelados toquei a bochecha de Fernando.
“Meu
cérebro congelou” ele fechou os lábios com força e levou a mão até a
testa. Não contive minha risada e envolvi seu pescoço, dando um leve em
sua nuca, fazendo-o estremecer.
“Olha se não é o casal mais lindo de
Bolton...” escutei uma voz masculina ao fundo e senti todos meus
músculos se enrijecerem, assim como os de Fernando. Vi todos da nossa
mesa – como as aos arredores da nossa – se calarem e um clima de tensão
estabelecer entre nós. Soltei Fernando e me virei lentamente, podendo
ver o semblante de Benjamin bem à nossa frente. O garoto tinha um
sorriso demasiadamente cínico em seus lábios.
Com todos os
acontecimentos desde o nosso término, eu não conseguia mais ver beleza
alguma no garoto. Tudo foi pro ralo assim que sua personalidade maldosa
aflorou.
“Benjamin, eu já falei para você ficar longe da gente” ouvi
Chay dizer entre dentes, sua feição se tornara de extrema raiva e tinha
as mãos fechadas em punho.
“Calma, maninho... Eu não vou fazer nada...” sorriu para o irmão, ainda cínico.
“O
que você quer Benjamin?” eu falei ameaçadoramente, vendo seus olhos se
fixarem em mim com uma força tremenda. Não me deixei fraquejar, e
continuei a ameaçá-lo com o olhar. O garoto se agachou ficando da minha
altura e senti a mão de Fernando segurar a minha por debaixo da mesa.
“Eu
quero você, Luinha. Não vê que é isso que eu quero? Que tudo isso é por
você?” seu tom não era mais cínico, mas eu sabia que era falso.
“Você
tem a Flávia...” olhei para a mesa onde a garota estava sentada – a
qual percebi no momento em que entrei no Nonna’s – e essa tinha os
braços cruzados e uma feição irritadíssima. Ben também olhou na mesma
direção e se voltou pra mim em seguida.
“Quem se importa com
Flávia?” deu de ombros e tocou meu rosto com a palma da mão, sem se
importar com o fato de Fernando estar bem do meu lado. E o senti apertar
ainda mais minha mão.
“Chega Benjamin!” Fernando falou entre dentes
ao meu lado e nessa hora a sorveteria inteira prestava atenção em nossa
discussão. Até mesmo as garçonetes pareciam ter parado de trabalhar.
Ben direcionou seus olhos ao do mais novo lenta e tediosamente.
“Quer apanhar de novo, Roncato?” falou tranquilamente com um sorriso pequeno em seus lábios.
“Você
que não se atreva a chegar perto dele de novo” apontei o dedo de forma
ameaçadora em seu rosto e Suede pareceu se divertir com isso.
“Agora
precisa que uma garota te defenda, Roncato?” ele disse com o olhar fixo
em mim e vi Fernando se levantar bruscamente da mesa e Ben também se
levantou do chão, de modo que os dois ficassem cara a cara com o outro.
Arthur, Micael e Chay ficaram alertas no mesmo instante, e eu fiquei com
medo de que qualquer outra briga começasse.
“Se lembra de quando a
Luinha fugiu de casa e você veio correndo atrás dela? Se lembra quem
levou a surra? O problema é que você é covarde demais para me encarar e
teve que chamar suas vadias para dar conta do recado” Fernando disse
firme, com os olhos fixos no mar azul de Benjamin. Este pareceu se
irritar ainda mais e mostrou os dentes em fúria e fechou as mãos em
punho.
“Não me provoque, Roncato” falou com os dentes cerrados e Fernando nem ao menos mudou sua expressão facial serena.
“Vamos,
Benjamin. Agora que suas vadias não estão aqui, podemos lutar de igual
para igual, aí todos vão ver o quão covarde você é” Fernando continuou.
“Pare com as provocações, Fernando!” eu sussurrei ali do seu lado, desejando com todas as forças que aquilo acabasse logo.
“Fica
esperto, garoto” Ben falou em baixo tom e deu um leve empurrão no peito
de Fernando, e quando vi que este iria enfrentá-lo, segurei-o pelo
braço. Benjamin o lançou um último olhar mortal e se afastou.
Aos poucos os murmúrios de fofocas foram tomando conta da sorveteria e tudo voltou ao normal.
“Você
não pode ceder às provocações dele, Fernando” Melzinha sussurrou por
cima da mesa, quando o garoto já havia se sentado, bufando raiva pelas
narinas. Suas mãos ainda estavam fechadas em punho em cima da mesa, e eu
as toquei levemente a fim de relaxá-lo.
“Você viu o que ele falava
para a Luinha, Melzinha? Quer que eu me controle diante daquilo?” ele
disse ainda visivelmente irritado. Olhou para a avenida movimentada pelo
vidro.
Melzinha ficou calada diante de seu argumento, já que se
alguma garota fizesse o que Benjamin fez comigo só que com Chay, ela
provavelmente arrancaria seus olhos com uma colher.
Ao longo do
tempo, os meninos faziam piadas para tentar amenizar a tensão entre nós,
mas nada parecia relaxar Fernando, que passou maior parte do tempo
encarando o vidro ou quebrando palitos de dentes. Certa hora eu havia
deitado minha cabeça em seu ombro e ele apenas dera um beijo breve no
topo da mesma. Não trocamos mais palavras desde então, já que minhas
tentativas eram em vão ao tentar puxar assunto e ele apenas assentir.
Decidimos
que era hora de ir embora e eu me voluntariei a ir pagar a conta.
Recolhi o dinheiro de todos – depois de uma briga entre Arthur e
Melzinha (como sempre), um acusando o outro de estar pagando menos – e
fui em direção ao balcão. Rapidamente paguei e, quando estava voltando
para a mesa, fiquei surpresa ao ver alguém esbarrar em mim, e o pior:
senti algo gelado ser derramado sobre minha blusa branca. Quando meus
olhos subiram para ver o feitor daquela obra maravilhosa, espantei-me
mais ainda ao ver Flávia parada em minha frente com um olhar totalmente
maldoso. Pronto, aquele era o dia que todos queriam brigar!
“Oh
querida, me desculpe!” ela disse, totalmente falsa e cínica, fazendo uma
expressão de choque. “Como eu sou desastrada!” ela fez menção de limpar
minha roupa, mas acabou derrubando – propositalmente – ainda mais
sorvete de chocolate sobre minha roupa. Tentei me controlar, pois como
não queria que Fernando arranjasse uma briga, eu não faria o mesmo. Fiz
menção de ir novamente para minha mesa, mas ela bloqueou todos os
caminhos que tentei fazer. Flávia não estava colaborando com a minha
paciência.
“Você poderia me dar licença?” mantive minha educação, incapaz de encará-la nos olhos por medo de perder meu autocontrole.
“Não” ela respondeu com um sorriso na voz.
“Você realmente ‘tá dificultando isso pra mim, Flávia...” fechei os olhos e respirei fundo, contando até cinco mentalmente.
“Isso
o quê?” perguntou ainda cínica. Eu podia até mesmo imaginar seu rosto
nojento em minha mente, e só assim sentia vontade de regurgitar.
“Isso”
antes que ela – ou eu – pudesse ter qualquer reação, minha mão foi como
um canhão em seu rosto, explodindo todo o ódio estocado dentro de mim
por todas as vadiagens que ela havia feito comigo. Novamente o silencio
de choque invadiu o Nonna’s, e Flávia levantou o rosto com a mão sobre o
local que eu havia lhe esmurrado.
“VOCÊ ENLOUQUECEU?” a garota gritou, fazendo com que sua voz ecoasse no local.
“Droga!” escutei a voz de Fernando a fundo, mas não dei a mínima importância.
“Não,
Flávia, só estou lhe dando o que merece!” falei ferozmente com os
dentes cerrados. Que se dane tudo! Eu já havia jogado tudo para o alto,
qual seria o problema de bater em alguém agora?
“Ah garota, você me
paga!” ela disse ameaçadoramente e sem que eu realizasse, suas mãos já
estavam puxando meus cabelos assim como as minhas tentavam arrancar
tufos de sua cabeça. Nossos gritos invadiram o restaurante inteiro, e eu
agora já estapeava sua cabeça e tentava lhe dar chutes na canela.
Flávia conseguiu acertar meu rosto em cheio, e acho porque ela estava de
anel um corte se formou no canto da minha boca e pude sentir o gosto de
sangue imediatamente. Passei a dar múltiplos tapas na garota e consegui
acertar sua canela, fazendo-a gritar de dor. A raiva era tão grande
dentro de mim naquele momento que ela me dominava, tomando toda a razão
de mim, fazendo-me esquecer de tudo e de todos. Eu queria acabar com a
raça daquela garota e eu o faria! Queria vê-la cheia de hematomas e
gritando de dor no chão!
“Luinha, pára!” vi Fernando se aproximar, mas ignorei o garoto totalmente, tentando agora acertar a barriga de Flávia.
“Micael,
segure a Flávia!” o escutei gritar e no momento seguinte senti dois
braços me envolverem por trás e me puxarem de Flávia, e fizeram o mesmo
com ela. Eu esperneava e tentava ainda chutar a garota, enquanto esta
tentava se desvencilhar dos braços de Micael.
“ME SOLTA, FERNANDO!” gritei furiosa, tentando sair dos braços fortes do garoto que me envolviam.
“Calma, Luinha!” ele sussurrou no meu ouvido, mas eu estava eufórica demais para escutar.
“ME SOLTA, ME DEIXA EU ACABAR COM ESSA PIRANHA!” continuei gritando, me debatendo vorazmente.
“É, RONCATO, DEIXA SUA VADIAZINHA VIR APANHAR DE MIM” ela gritou cínica, soltando uma risada logo após.
Consegui
– ainda não sei como – me desvencilhar dos braços de Fernando e fui
rapidamente até Flávia, dando um tapa fortíssimo em seu rosto antes de
Fernando me prender novamente.
“Por favor Luinha, se acalme!”
Fernando sussurrou novamente no meu ouvido, forçando seus braços ainda
mais contra mim, como se quisesse me proteger de algo. “Se acalma...”
repetiu em uma espécie de feitiço, que parecia estar funcionando, já que
minha respiração se normalizava ao passar dos segundos. Vi ele acenar
com a cabeça para Micael, e este levou Flávia dali.
“VOCÊ ME PAGA, BLANCO!” ela gritou se debatendo nos braços de Micael.
“Não
responda. Se acalma” Fernando continuou com sua hipnose, seus lábios
bem próximos do meu ouvido. Mesmo depois de Micael ter levado a garota,
Fernando continuava com seus braços firmes entorno de mim. Todos me
encaravam estáticos, entretanto eu pouco me importava com suas
presenças.
“Está bem?” o garoto perguntou baixinho no meu ouvido e
eu, ainda com a respiração pesada, assenti. “Vamos sair daqui...” ele
continuou com seu tom sutil e o vi acenar para Mel e os outros.
Quando
chegamos ao lado de fora da sorveteria, abaixei-me e apoiei meu corpo
nos joelhos, respirando profundamente e tentando me acalmar.
“Foi
você quem me pediu para não brigar, huh?” Fernando disse com um pequeno
sorriso nos lábios. Lancei-o um olhar mortal e o garoto fechou seu
sorriso e abaixou a cabeça.
Limpei o pouco de sangue no canto da boca.
“Luinha... Você está bem?” Melzinha perguntou, pesarosa. Confirmei com a cabeça.
Todos me encaravam apreensivos, como se esperassem por uma convulsão q qualquer momento.
“Pessoal,
eu estou bem!” falei irritada com os olhares dos cinco insistirem sobre
mim. Todos disfarçaram e eu bufei. Flávia havia acabado com meu dia e
agora eu era a pessoa mais purgante¹ da face da Terra.
“Pelo amor de
Deus, vamos comprar bebidas e começar com essa festa agora...” falei
ainda mais irritada e comecei a andar na frente de todos, escutando
sussurros atrás de mim. Queria começar a beber logo, encher o caco² e
esquecer-se do mundo. Ressaca era sempre conseqüência de uma noite boa –
ou nem tanto.
Virei com fúria a ponto de ver a cara de espanto dos meus amigos. Provavelmente pensaram que eu os iria espancar.
“Oh
gente, me desculpem!” senti lagrimas se formarem nos meus olhos e me
perguntei o que diabos estava acontecendo comigo. Seria o efeito das
bolinhas³ que Arthur me dera final de semana passado?
Abracei
Micael, que olhou para os lados, enquanto todos começaram a rir
histericamente. De repente, senti um punhado de braços me envolvendo e
já não pude conter meu pranto. Aqueles eram meus melhores amigos e eu
havia sido a maior vaca com eles.
“Como vocês conseguem me aturar?” perguntei manhosa, ainda encolhida nos braços de Micael.
“Somos obrigados...” escutei Chay dizer e não pude evitar em dar um leve murro em seu ombro.
“Ainda não desisti da idéia de começar com essa festa agora” desgrudei do meu amigo e os encarei carrancuda.
“Então
vamos logo antes que esses transtornos bipolares ajam sobre a Luinha
novamente...” Arthur disse sério e veio me abraçando no momento seguinte
como um pedido de desculpas. Forjei uma cara brava e, quando eu menos
esperava, estava sendo carregada no ombro do Aguiar.
A casa já
estava uma bagunça. Dezenas de garrafas de bebidas espalhadas pelo chão,
a segunda garrafa de whisky que Arthur dera foi aberta, e na mesa da
sala amarela havia uma garrafa de tequila. Ainda tínhamos dezenas de
cervejas na geladeira. Eu já havia visto o fim daquela noite: todos
ficariam bêbados demais para acharem o caminho de casa e ficariam por
ali mesmo. Eu não achava nem um pouco ruim, já que acordar rindo das
caras de ressaca de Mel e Arthur sempre valia à pena.
E como eu já havia previsto, a mesa que – supostamente – era para ser uma mesa de jantar, estava cheia de cartas e cinzeiros.
Os
garotos gritavam histericamente no jogo, um acusando o outro de
trapacearia, batiam na mesa e eu e Mel apenas riamos de cada cena.
Micael era o mais estressadinho. Nunca conseguia chegar até o fim de
qualquer partida sem apelar e gritar com todo mundo.
Nós – Melzinha e
eu – conseguimos no final convencê-los de largar as cartas e se
juntarem a nós nos pufes, para que pudéssemos conversar sobre nada e
brincar de qualquer coisa inútil.
Mel deu a idéia de jogarmos a
brincadeira dos ‘Dez Anos’. Cada um tinha que dizer como se via daqui a
dez anos. Coisa simples, mas gostosa de fazer.
“Bom, eu me vejo
fazendo turnês pelo mundo e ficando com uma garota a cada lugar que eu
parasse...” Arthur disse com uma cara de pensativo, acendendo um
Marlboro em seguida.
“Eu... Bom, eu não sei, cara. Quero estar
bêbado e com duas gêmeas no meu colo.” Ah, sim. O fetiche de Borges,
tinha até me esquecido.
“Eu quero ter um ateliê famoso em Londres e
estar casada com o Chay” Melzinha disse com um sorriso enorme e deu um
beijo na bochecha do namorado em seguida. Todos nós soltamos sons como
‘Oun, que graça’, fazendo com que os dois se envergonhassem. Agora todos
olhavam atentamente para Fernando, esperando sua resposta.
“Não
consigo me ver daqui a dez anos...” ele disse após alguns segundos
pensando. Meu estomago revirou, e todos continuaram vidrados, esperando
por uma explicação. “Bicho, pensa comigo: Eu não tenho muitas
perspectivas. Não tenho dinheiro pra faculdade nem nada. O máximo que
pode acontecer comigo é eu continuar com o bar do meu pai...” ele
continuou naturalmente, sem se importar com nossas caras de espanto.
“Chapa, já te falei que você pode conseguir bolsa!” Arthur falou após soltar a fumaça do cigarro.
“E
daí se eu conseguir? O que eu iria fazer? Odeio escola, você sabe. Não
gosto de fazer nada, só de tocar. Quais são minhas habilidades?” ele
disse como se fosse obvio. Preferi ficar calada.
“Céus, como você é pessimista!” Melzinha fez uma careta.
“Ah, tanto faz. Não gosto desses assuntos. Passo pro Chay” Fernando disse meio irritado, acendendo um cigarro em seguida.
O
Chay disse alguma coisa que eu não dei atenção, envolveria Mel
provavelmente. Na minha hora eu disse o que todos sabiam, fazer
faculdade de literatura e publicar livros. Todos continuaram bebendo e
conversando coisas sem nexo, até que levantei e fui para a cozinha. Algo
me incomodava.
Seria egoísmo demais da minha parte admitir que
queria escutar Fernando dizendo que queria estar comigo daqui a dez anos
como Mel e Chay? Será que ele não via futuro no nosso relacionamento ou
talvez pensasse que era algo passageiro?
Neguei com a cabeça os
meus próprios pensamentos e acabei com o resto de whisky que tinha no
meu copo; abri a geladeira e peguei o whisky, despejando o liquido no
meu copo.
Eu com certeza era egoísta. O quão importante eu pensava que era para ter pensamentos assim?
“Oi” escutei sua voz bem próxima do meu ouvido e seus braços envolverem minha cintura. Admito que me arrepiei dos pés à cabeça.
“Oi...” falei timidamente, tomando um gole da bebida no meu copo.
“Está
tudo bem?” Fernando perguntou, ainda aquele tom doce e suave. Respondi
através de um aceno com a cabeça. “Tem certeza?” insistiu. Ele lia meus
pensamentos ou algo assim?
“Aham...” confirmei um pouco incerta. O
garoto me virou com sutileza, de modo que eu o encarasse. Eu o fiz,
tentando não demonstrar meus pensamentos através do meu olhar.
“Você pode não acreditar, mas eu te conheço...” ele disse com uma feição convencida e um pequeno sorriso.
Congelei. O pior: eu sabia que ele conhecia...
“É
só que... Ah, nada, besteira minha!” sorri levemente e o abracei pela
cintura, afundando meu rosto em seu pescoço. Não usava perfume, mas seu
cheiro natural exalava pelos poros. Seria estranho dizer que era melhor
que qualquer perfume francês?
“Posso te contar um segredo?” sussurrou.
“Claro...”
“Na
brincadeira dos dez anos, eu menti...” ele começou a dizer calmamente, e
eu já senti tudo dentro de mim se agitar. “Eu consigo me ver daqui a
dez anos...”
“Ah é?” gaguejei um pouco, sem desgrudar minha face de seu pescoço.
“Aham...
E nele eu estou deitado na grama com uma garota linda nos meus
braços... Ela está mais velha, obviamente, mas ainda mais
maravilhosa...” ele continuou, dando leves beijos em minha orelha.
“É
verdade?” passei-me por desentendida, a fim de que ele falasse mais.
Massagens no ego eram ótimas. Ainda mais vindas do garoto que você mais
gostava.
“É sim. Na verdade eu não me vejo com ela só por mais dez
anos... Por mais trina, cinqüenta, até quando ela me aturar... Se me
aturar por mais algumas horas, é claro...”
“Ah, eu tenho certeza que ela quer...” falei com um sorriso, beijando sutilmente seu pescoço.
“Tem certeza?” perguntou com um tom divertido na voz.
“Sim, eu tenho... Ela me contou...” ri de leve e afastei meu rosto de seu pescoço, com intuito de encontrar seus olhos.
Eles
sempre me faziam tão bem... Sempre me davam tanta paz... Era bem
difícil encontrar alguém que conseguisse sustentar seu olhar por muito
tempo sem desviar, e Fernando era uma das únicas pessoas que passava
segurança pelo olhar.
Senti os lábios do garoto tocarem os meus suavemente e suas mãos saíram da minha cintura e pousaram no meu rosto.
“Posso te contar outra coisa?” ele perguntou com nossos lábios colados. Afirmei com a cabeça. “Eu te amo...”
Meu
mundo parou. E depois girou com uma velocidade absurda. Fernando tinha
um pequeno sorriso nos lábios, tão sutil e maravilhoso ao mesmo tempo.
Tão simples e avassalador...
De todos os sentimentos que eu já havia
sentido, nenhum se comparava àquele. Eu não seria capaz de explicar a
complexidade... Não seria capaz de descrever os milhares de
pensamentos...
Meu rosto ainda estava entre suas mãos, e seu sorriso
ainda tomava conta de sua feição. Seus olhos perseguiam os meus em uma
caçada implacável, e o ar que faltava em meus pulmões deixava-me tonta.
Não
fui capaz de responder verbalmente, mas no momento em que beijei
Fernando com toda minha fúria, sabia que ele entendeu tal ato como uma
resposta. Ele não precisava de palavras para saber que eu o amava com
todas as forças que meu corpo tinha. Ele não precisava de palavras para
saber que eu era completamente dele...
Nosso beijo foi tomando velocidade e voracidade, até que Fernando me colocou sentada na bancada da cozinha.
Entrelacei
minhas pernas em sua cintura e o trouxe para mais perto de mim. Separei
nossas bocas, sentindo a respiração ofegante do garoto bater em minha
boca.
“Quarto?” ele sussurrou ainda de olhos fechados. Ri baixinho.
“Quarto...”
beijei-o novamente e Fernando me tirou da bancada, levando-me em seu
colo, às cegas, até o quarto. Passamos pela sala amarela e pudemos
escutar gritos dos nossos amigos sobre nós. Quando finalmente chegamos
em meu quarto, o qual possuía paredes em tons rosas, Fernando me deitou
gentilmente na cama. E eu me preparei para outra melhor noite da minha
vida.
Continua..
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