Capítulo 13
Eu
e Fernando ficamos no parque até o guarda do local nos expulsar,
dizendo que era hora de fechar. Foi só ai que percebi que eram oito da
noite e eu não tinha dado sinal de vida para minha família. Eu iria
escutar muito assim que pisasse na mansão. Pouco me importava.
O
próprio Fernando havia me dado um bom conselho hoje. Na verdade ele
sempre parece dizer as coisas certas no momento certo... Chegava a ser
meio estranho. Nem mesmo Chay me dizia coisas tão profundas que me
fizessem refletir tanto.
“O ser humano é o animal mais azarado do
mundo” ele disse. “Por ele ser pensante, tem a capacidade de carregar
um fardo do passado, pensando no futuro. Isso é algo lógico para nós,
mas muitas vezes esquecemos do presente, de viver este instante, por
medo do que isso poderá acarretar no futuro... Não vivemos o presente
por medo de cometer os mesmos erros do passado, enquanto devíamos estar
preocupados em concertá-los ou aprender com eles... Esqueça tudo sobre o
que pode acontecer... Possibilidades são relativas. Você pode fazer
acontecer. Você pode escolher ficar arrasada por causa de Benjamin,
chorar até que seus olhos caíssem e nunca mais se relacionar com alguém.
Ou você pode escolher esquecer, ignorar, aprender algo com tudo isso
que aconteceu. Se tornar mais forte. Rir da situação; Colocar isso no
passado e deixar lá pra sempre! E por fim, procurar alguém que te
mereça. Acho que essa é a parte mais difícil...” essas foram suas
palavras. Me tocaram profundamente, devo admitir.
Eu sempre vivi
do meu passado, pensando no meu futuro, mas nunca vivenciei
necessariamente o presente. Pensando nas conseqüências dos meus atos, no
que isso poderia acarretar no momento seguinte... Como Fernando havia
dito: somos seres pensantes. Eu era pensante demais. Nunca agi
impulsivamente, nunca deixei uma emoção me dominar completamente, nunca
havia me entregado à alguém inteiramente... Precisava de uma vida de
cão. Literalmente.
“Por que será difícil de encontrar?” lembrei-me de ter perguntado, desanimada por essas palavras finais.
“Porque
não sei se existe alguém que realmente te mereça” ele respondeu
simplório, sem me encarar. Naquele momento, o sol começava a se pôr,
dando lugar a um céu alaranjado com rajadas vermelhas. Estávamos
deitados na grama e olhávamos para cima sem nos encaramos.
“Se você
pensar assim, eu vou morrer velha, careca e com os peitos caídos...”
falei meio alheia, rindo da baboseira que havia dito logo após. Fui
acompanhada por uma risada estridente do meu lado.
“Seria um
desperdiço” Fernando disse depois de cessar as risadas. Suspirou e
colocou uma mão sobre seu tórax. “O que eu quero dizer é que a pessoa
que te merece, tem que ser praticamente perfeito” ele completou, ainda
olhando para o céu sobre nós.
“Não quero alguém perfeito. Perfeição tem seus limites” falei mais para mim mesma que para Fernando.
“Já
é um começo” o garoto disse, apoiando os braços atrás da cabeça. Não
entendi o que ele quis dizer com isso e ainda pensei tê-lo escutado
dizer algo como “bom para mim”, mas acho que foi impressão. Fernando
pode parecer meio louco às vezes.
Silencio.
“O que eu
mereço, Fernando?” cortei o silencio agradável, onde só escutávamos o
canto dos grilos ao nosso redor. O céu já estava parcialmente escuro,
mas alguns feixes de luzes ainda persistiam lá em cima e brilhavam
contra o rosto de Fernando. Agora eu o encarava sem receio. Mas
arrependi-me no momento seguinte em que percebi o tamanho da perfeição
que dele reluzia. Roncato mantinha os olhos cerrados, mas eu ainda assim
podia ver o brilho que neles continham. Seu nariz era tão bem moldado
que senti uma pontada de inveja. Suas bochechas levemente rosadas, sua
boca entreaberta, seus cabelos bagunçados de uma forma tão charmosa e
alguns fios caiam sobre sua face... Tudo parecia impecável...
Indefectível...
Continuei a encará-lo admirando o nada, esperando
ansiosa por uma resposta. Então vi seu rosto mover-se lentamente para
meu lado, ficando perigosamente próximo. Eu novamente senti-me tonta,
frágil, fraca...
“Você vai ter que descobrir o que é melhor para você...” ele respondeu vagamente, quase que em um sussurro.
Engoli seco.
“Será
que... você poderia me ajudar a descobrir?” falei no mesmo tom, vendo a
busca por palavras ser um desafio enorme. Meus olhos se decidiam entre
os dele e sua boca, não sabendo para qual dar mais atenção.
Fernando sutilmente balançou a cabeça de modo negativo. Eu teria que descobrir.
Será que seria algo tão difícil a fazer?
E foi ai que o guarda nos interrompeu.
No momento em que eu ainda estava louca por respostas e mais tempo com o garoto ali do meu lado.
Nesse dia, percebi o quão misterioso Fernando era, e o quão doida eu estava para desvendar todos seus mistérios.
“Vamos,
deixe-me te levar até em casa...” ele disse após o guarda nos avisar
sobre o fechamento do parque. Fernando se levantou e estendeu uma mão
para me ajudar a fazer o mesmo.
“Você está de moto... de novo?” perguntei com um pouco de insegurança enquanto caminhávamos para a saída do local.
“Não me diga que ainda tem medo!” ele disse com um tom de deboche e eu tive que negar para não parecer muito ridícula.
Enquanto
caminhávamos, senti que havia um monstro uivando dentro de mim. Senti
minhas bochechas rosarem drasticamente, já que foi um barulho estrondoso
e Fernando me olhou no mesmo instante.
“Você está bem?” ele
perguntou preocupado. Lembrei-me de um pequeno detalhe: eu estava sem
comer desde o café da manhã. Como eu me mantive de pé por todo esse
tempo?
“Sim, por que não estaria?” forcei uma expressão qualquer, enquanto sento minhas pernas bambearem e minha cabeça girar.
“Você por um acaso almoçou hoje, Lua?” Fernando perguntou, soando autoritário, exatamente como John.
Olhei para as árvores à nossa volta, ignorando totalmente sua pergunta.
“Como
eu sou tão idiota de te deixar sem comer a tarde inteira?” ele falou um
tanto irritado para si mesmo. Achei uma graça toda aquela preocupação, e
eu sabia que estava sorrindo debilmente. Fome me deixa retardada, essa
era a única explicação.
Fernando gentilmente me ajudou a subir na
moto, subiu em seguida e a engatou. “Segure-se firme em mim” ele disse
um pouco alto e eu imediatamente fiz o que mandou. Envolvi, sem vergonha
alguma, minhas mãos em sua cintura, juntando nossos corpos o máximo que
aquele pequeno espaço permitia. Mas não foi só isso. Encostei minha
cabeça em suas costas, bem perto de sua nuca. Não sei se era a fome que
crescia ou era o cheiro que vinha do pescoço de Fernando que estava me
deixando mais tonta. Acho que até dormi...
Não sei ao certo quanto
tempo demorou, mas de repente estávamos em uma praça movimentada da
cidade, onde havia um pequeno parque de diversões e várias barraquinhas
de comidas e bugigangas.
Fernando me ajudou a tirar o capacete e a descer da moto, dando-me o braço em seguida para que eu me apoiasse.
“O
que você quer comer?” ele me perguntou enquanto andávamos entre o
amontoado de gente. Eu não estava muito em condições de escolher, o que
colocassem na minha frente, eu devoraria. Mas um incrível cheiro de
cachorro-quente invadiu minhas narinas e eu me senti tentada.
Puxei a mão do garoto e corri em direção à barraquinha mais próxima, podendo escutar seus risos atrás de mim.
“Um completo?” perguntei a ele assim que chegamos.
“Não
estou com fome” Fernando respondeu singelo com um sorriso. Não estava
em condições de discutir, então simplesmente me virei e pedi um
cachorro-quente completo para mim.
Eu esperei ansiosamente por ele, posso dizer que foram os cinco minutos mais demorados da minha vida.
“Por
que não vai pegar uma mesinha para a gente? Eu pego seu
cachorro-quente” senti uma mão ser depositada na minha cintura e o
hálito quente de Fernando bater contra minha orelha. Concordei e apalpei
meus bolsos a procura de algumas moedas para pagar minha refeição. No
mesmo tempo, vi Fernando pegar sua carteira e dar uma nota à moça do
balcão.
“Hey, o que está fazendo?” perguntei indignada, vendo-o me
ignorar totalmente e pedir um refrigerante. Ele agradeceu a moça, pegou
meu lanche e o refrigerante e se virou para mim.
“Te pagando um
jantar” ele disse divertido, indo em direção às mesinhas que ficavam ao
redor das barracas. Não tive como contestar já que ele disparou na minha
frente, então resolvi simplesmente o seguir.
Assim que nos
sentamos, não pude evitar, tive que devorar aquele sanduíche na minha
frente, depois eu me preocuparia com os bons modos.
Eu comia com todo o gosto do mundo, como se aquela fosse a ultima refeição da minha vida.
Percebi
que Fernando me observava e uma ponta de vergonha me abateu. Diminui a
velocidade das mordidas e limpei os cantos da minha boca com um
guardanapo.
“O que foi?” perguntei meio sem graça, olhando para os
lados a fim de disfarçar minha timidez. Fernando soltou um risinho e
mexeu a cabeça negativamente, sem responder. “Fala!” insisti agoniada.
“Não
é nada!” outro risinho. Encostei o cachorro-quente na mesa e cruzei os
braços. “Não pare de comer por minha causa, vamos! É bonitinho ver você
comer...” ele disse com um sorriso.
Aquilo era um tanto quanto... Bizarro.
“Você
é meio estranho, Fernando...” rolei os olhos e continuei comendo. Minha
fome era maior que qualquer outra coisa. “Hm, exe é u melhor xantar que
eu xá tive!” falei de boca cheia, podendo escutar os risos de Fernando.
Posso dizer que aquilo era muito melhor que um jantar de cinco estrelas
com a família Suede, Chay que me desculpasse.
“Um dia vou te dar um
jantar decente” escutei Fernando dizer e inconscientemente senti minha
garganta fechar e engasguei. Enquanto sofria um ataque e quase morria, o
garoto à minha frente apenas colocou um sorriso simples em seu rosto.
“Um
jantar... de verdade? Você quer dizer como em um encontro?” gaguejei
debilmente. Será que era isso mesmo que ele queria dizer? E se fosse, o
que eu deveria responder?
Fernando balançou a cabeça afirmando meus pensamentos.
“Você
aceitaria?” me perguntou. E essa era a pergunta que eu temia responder.
Eu ainda estava confusa com os pensamentos totalmente embaralhados e
emoções distorcidas. Uma parte de mim pulsava em dizer sim, enquanto a
outra lutava em recusar. Eu era um poço de contradições.
“Não
precisa responder agora” ele disse após alguns instantes esperando uma
resposta minha. Respirei aliviada e procurei olhar algo que não fossem
aqueles olhos tão persuasivos.
“Quer dar uma volta?” ele novamente quebrou o silencio entre nós.
Eu
na verdade precisava ir embora. A companhia de Fernando era esplendida e
confortante, mas eu precisava de alguns momentos me torturando sozinha,
buscando alguma solução para as minhas complicações. E, além disso,
eram quase onze da noite e apenas uma coisa me preocupava: perder meu
show particular. Sim, eu me referia às serenatas.
Durante todos os
dias da semana, sem falta alguma e total pontualidade, às vinte e três
horas e vinte e três minutos, o mesmo carro de pintura amarela
descascada continuava a alegrar minhas noites e infernizar as de Marry.
Eu já havia me despreocupado em saber quem era o autor, realmente não
importava. Tudo que fazia diferença era o modo como ele me fazia sentir:
anestesiada... aliviada...
Eu não entendia como uma simples
serenata mexia tanto comigo. Na verdade havia muitas coisas as quais eu
não entendia ultimamente.
“Só me leve para casa, por favor...” falei simplesmente. Fernando deu de ombros e sibilou um ‘okay’.
“Vai
jogar boliche amanha conosco?” me perguntou enquanto andávamos
desapressados pela praça, que já estava praticamente vazia. Havia alguns
brinquedos abertos onde suas luzes coloridas piscavam cintilantes.
“Acho
que sim... Micael vai me buscar em casa...” respondi olhando para as
poucas pessoas que ainda passavam por nós. Fernando apenas murmurou ao
meu lado.
Ao chegarmos na moto, o garoto me entregou o capacete e
me ajudou a subir na moto. Eu estava realmente ficando desinibida para
andar naquela coisa... Na verdade quando se acostuma, quando se perde o
medo, andar naquela moto pode ser algo realmente libertador.
Fernando
enguiçou-a e entramos em movimento. Agarrei-o imediatamente sem pudor
algum. Ele estava com uma jaqueta preta de couro sobre o corpo, mas
aquilo não me impedia de sentir o toque de sua pele contra a minha, ou
pelo menos imaginar... O vento corria ao nosso lado, me fazendo arrepiar
algumas vezes por estar gelado. As luzes dos postes passavam
rapidamente por nós assim como as pessoas. Por ser uma sexta-feira à
noite, as ruas estavam bastante movimentadas e a cada bar que
passávamos, podíamos escutar uma música diferente. Queria poder descer
em algum, mas o tempo realmente não era meu amigo, e minha mãe também
não seria assim que eu pisasse naquela casa.
Apertei mais meu
corpo contra o de Fernando a fim de me esquentar um pouco, aquele vento
gélido estava começando a me incomodar. O vi olhar-me pelo retrovisor e
dar um pequeno sorriso, o qual eu retribuí sinceramente. Após alguns
minutos senti a moto diminuir a velocidade e eu reconheci aquele maldito
bairro... Fernando estacionou de vez o veículo e, como sempre, me
ajudou a descer.
"Obrigada pela carona, Fernando... E pelo jantar...
E pela conversa... Enfim, pelo ótimo dia..." falei simplória com um
sorriso tímido em meus lábios. Eu olhava para meus pés já que nas
últimas horas os olhos de Fernando se transformaram em um desafio
difícil de se encarar.
"Eu que agradeço, Luinha" ele disse de volta,
colocando as mãos dentro dos bolsos de sua jaqueta e sorrindo de
maneira angelical, fazendo-me até perder um pouco a noção de tempo e
espaço.
"Bom..." balancei a cabeça, espantando qualquer tipo de
pensamento. "Tenho que entrar, já está tarde. E além do mais, tenho uma
fera para enfrentar agora..." Fernando riu.
"Sei. Qualquer coisa
pula a janela e aparece lá no bar do meu pai..." ele disse, e eu não
achei que fosse uma má idéia. Dei alguns passos até chegar relativamente
perto de Fernando, e no mesmo tempo em que fui para a direita, para
dar-lhe um beijo na bochecha, foi para a esquerda, fazendo com que nós
quase beijássemos, o que acelerou relativamente meu coração. Fui para a
esquerda e o garoto foi para a direita, fazendo nossas bocas quase se
chocarem novamente. Não contive meu riso, nem ele. Segurei seu rosto com
uma mão e dei um beijo em sua bochecha finalmente.
Dei as costas e
passei pelo portão de bronze assim que ele foi aberto para mim. Não me
contive em olhar para trás e dar um ultimo 'tchau' à Fernando, o qual
ainda me encarava, com as mãos nos bolsos e um singelo sorriso no rosto.
Comecei a andar a passos largos em direção à casa, com um sorriso de
orelha a orelha.
Como esperado, Marry falou em meu ouvido até ele
ficar bem vermelho e quente. Eu havia aprendido uma nova arte: a de
ignorar as pessoas. Aquele velho ditado de 'entrar em um ouvido e sair
pelo outro' realmente funciona, todos deviam usá-lo de vez em... sempre.
Com pessoas que te irritam e falam as mesmas abobrinhas de sempre,
aquelas que não te levarão a lugar nenhum.
Após escutar uns quinze
minutos de muita baboseira, vi no grande relógio pregado no centro da
parede da sala marcar onze e vinte e poucas. Concordei com tudo que
Marry tinha a falar, acho que ela até se cansou de tanto gritar sem ter
uma resposta minha e simplesmente me deixou correr pelas escadas até meu
quarto.
Quando lá cheguei, abri rapidamente minha janela e em menos
de dez segundos pude ver o carro se aproximando da minha casa. E com
mais cinco segundos, a minha música disparou a tocar. Os guardas nem
mais se preocupavam em tentar impedi-lo ou persegui-lo, aquilo já havia
virado rotina diária da White River Street. Alguns vizinhos até ficavam a
postos em suas janelas para também curtirem o espetáculo como eu.
Algumas mulheres já haviam me abordado na rua e queixaram-se de sua
inveja sobre mim, por ter alguém tão apaixonado e romântico me passando
serenatas todas as noites. Eu não encarava aquilo como um ato romântico
ou apaixonado. Aquelas serenatas eram como psicanálises para mim.
O
que eu quero dizer é que nem Marry se importava mais. Não tanto quanto
antes. Ela arranjara alguns tampões de ouvido para - tentar - solucionar
o problema, já que o infrator não desistiria.
Então fiquei, como
sempre fazia, admirando a musica e pensando no meu dia turbulento. Ou
talvez nem isso. Essas serenatas me faziam refletir, filosofar, essa era
a verdade.
E agora sozinha eu pensava: como nós, mulheres, somos
inocentes. Como sempre acreditamos em cada palavra dita quando estamos
apaixonadas. Deixamos um homem nos dominar completamente, fazemos por
eles o que não sabemos se fariam por nós. E é ai que vejo o quão
supérfluas são as palavras. O que elas significam, afinal? Absolutamente
nada. São cheias de malícia, mentiras e maldades. São enganadoras. Por
que acreditar em simples palavras já que elas nada provam? Palavras não
provam amor, não demonstram carinho. Elas, um dia, irão te machucar pois
irá descobrir que eram nada além de calúnias.
A partir de hoje, eu não acreditaria mais em palavras. Meu príncipe encantado teria de saber como agir.
xxxx
Escutei
uma música alta me despertar de meus sonhos. Se não tivesse reconhecido
The Wonder of You imediatamente, teria jogado meu rádio muito longe.
Ele estava totalmente louco, começava a tocar músicas do nada. Acho que
ele estava possuído ou algo assim. Certo dia acordei ao som de uma nova
banda que começava a fazer sucesso na Inglaterra, Beatho... Beats...
Beates... Não, Beatles! Eles são realmente bons... E certa vez coloquei
Chuck Berry para tocar em alto e bom som dentro do meu quarto. Marry
imediatamente entrou e desligou o radio sem minha permissão, gritando
que aquele não era o tipo de música que eu deveria estar escutando, que
aquilo não era para pessoas como nós. Pessoas mesquinhas e ignorantes,
ela quis dizer.
Bom, então eu acordei. Faziam séculos que eu não
acordava nesse horário. Havia esquecido o quanto é bom dormir até as dez
da manhã. Deveriam fazer uma lei proibindo as pessoas de acordarem
antes deste horário... Todos seriam mais felizes. Subi em cima da cama e
comecei a pular e a dançar enquanto a música tocava com veemência. Como
alguém poderia ficar tão feliz após descobrir uma traição de seu
namorado com sua melhor amiga? Talvez eu fosse anormal... Ou tivesse um
alto poder de regeneração.
Qualquer uma das opções me parecia aceitáveis, contando que Benjamin ficasse fora delas.
Vi que Meredith estava no batente da porta me encarando como se eu tivesse pirado de vez.
“Venha pular comigo, Mere!” gritei sorridente, a vendo boquiaberta e gesticular fervorosamente com as mãos.
“Não
cheguei a esse grau de loucura” ela disse firme, mas eu sabia que no
fundo sua vontade era de pirar junto, entretanto, o medo de que Marry a
surpreendesse no quarto e a demitisse era maior.
“Vamos lá, não seja
tola” pulei no chão e fui de encontro à mulher, puxando-a pela mão em
seguida e podendo escutar seus gritinhos de desespero.
Joguei-a na cama e pulei na mesma em seguida, obrigando-a a se levantar e ficar de frente a mim. Peguei em suas mãos.
“Pule” falei apreensiva, mas com um sorriso no canto dos lábios.
“Já
disse que não, Lua, mas que coisa!” Mere disse brava, no entanto,
deixando transparecer sua inquietude. Comecei a pular sem soltar suas
mãos, e a mais velha novamente soltou gritinhos abafados e histéricos.
“Lua,
eu vou cair!” ela gritou e eu comecei a pular fortemente contra o
colchão, afundando-o cada vez mais, à medida que meus pés batiam no
mesmo.
Vi Meredith se desequilibrar, e em um piscar de olhos, me vi
em cima dela, escutando sua risada estridente em meu ouvido. Não me
contive, e comecei a rir tão alto quanto a mulher.
“Oh meu Deus”
Mere suspirou após bons segundos de risadas intermináveis. “Não me
contamine mais com a sua loucura, Lua” disse retomando sua postura
robusta e feição séria. “Vamos, levante-se e venha tomar seu café”
Meredith completou, saindo em seguida do quarto e me deixando deitada na
cama.
Soltei um grande suspiro antes de me levantar em um pulo. Fui
em direção ao closet e peguei meu penhoar e pantufas de porquinho.
Algum dia eu deixaria de ser criança...
Ao chegar na sala de
refeições, com um grande sorriso nos lábios e com a certeza de que nada
estragaria meu dia, tive uma grande decepção. A imagem de Benjamin
tomando chá com Marry foi o bastante para acabar com toda aquela
certeza.
Ben abriu aquele sorriso devastador de sempre, que faria
meu coração acelerar abruptamente, mas que nada me fez sentir além de
repulsa. E um tremendo desejo de meter-lhe um tapa na cara.
“O
que você está fazendo aqui?” tentei manter a calma, mas não conseguiria
por muito tempo. Demonstrei meu choque tanto em meu tom de voz quanto em
minha feição. Eu sabia que ele era descarado e cínico, mas a esse
ponto?
“Lua!” mamãe me repreendeu, mas eu realmente não iria dar atenção.
“Depois
de tudo você ainda tem a cara-de-pau de aparecer aqui?” aumentei meu
tom gradativamente, ainda indignada. Benjamin mantinha uma expressão
calma que estava me irritando ainda mais.
“Lua, sente-se aqui!” escutei Marry dizer um tanto quanto enraivecida, fazendo-me chegar ao meu estopim.
“NÃO
MÃE, EU NÃO VOU ME SENTAR PERTO DESSE ESCRÚPULO!” gritei ferozmente e
apontei para Ben, que encarava sua xícara de chá como se fosse a vítima
daquele ambiente. Marry levantou-se bruscamente de sua cadeira.
“TENHA MODOS, GAROTA!” gritou de volta, apontando seu dedo indicador à minha face, ameaçadoramente.
“Você
sabe o que esse garoto me fez?” aproximei-me dela, sem medo de qualquer
ameaça. Minha raiva era tamanha que chagava a me encorajar.
“O que
quer que ele tenha feito, está arrependido e veio conversar” a mais
velha disse entre dentes, deixando claro sua ordem para que eu escutasse
as lorotas que viriam da boca de Benjamin.
Confesso, não contive uma risada cínica e estridente de sair da minha boca.
“Arrependido?
ARREPENDIDO? Foi isso que ele disse à senhora? Francamente mãe, NÃO
SEJA TOLA!” eu estava cada vez mais exaltada e tinha certeza que toda
vizinhança podia escutar nossa discussão.
De repente, vi o rosto
de Marry se avermelhar de raiva e, em um segundo, meus braços eram
apertados ferozmente por suas mãos magras e frias.
“Olhe bem como
fala comigo, Lua. Isso é falta de boas corretadas, e já que eu
claramente falhei em sua educação, vamos ver se agora você aprende a me
respeitar” ela estava claramente tão aborrecida quanto eu, seu ódio
exaltando de suas órbitas. Começou a me arrastar pelo braço para fora
daquele salão, e eu sabia que levaria uma surra das boas daqui alguns
momentos. Entretanto, eu me manteria forte. Apanharia, mas não abaixaria
a cabeça para nenhum marmanjo que quer, pela segunda vez, me enganar.
Eu não seria enganada novamente. Não o deixaria ao menos ter a chance de
tentar. Que eu fosse espancada por uma boa causa.
“Senhora
Blanco, por favor, não puna Lua” escutei a voz grave de Benjamin fazer
Marry parar de andar aos poucos. “Ela tem razão de estar assim, eu
realmente fiz algo de que me envergonho muito, e só quero me
desculpar...” a mulher foi desencravando suas unhas de meus braços
lentamente. “Por favor, não a puna...” Benjamin repetiu pesaroso, e se
eu não o conhecesse, teria pena.
Mas senti uma enorme vontade de
pedir a Marry que me surrasse agora mesmo! Cínico ou não, ele estava me
irritando profundamente, e se eu escutasse sua voz por mais algum tempo,
não me responsabilizaria por meus atos.
“Pois bem. Se não quiser
levar um castigo bem diferente de todos que já levou, sugiro que
sente-se e ouça o que Benjamin tem a dizer” Marry disse friamente, me
olhando com pleno desgosto. Aquilo não era uma sugestão. Era um mandato.
Sutilmente, a mulher deixou o recinto sem mais palavras,
deixando o mesmo cair em profundo silêncio. E da minha parte,
continuaria assim.
“Lua...” o garoto começou, e sua voz pareceu
estourar meus tímpanos. Eu não poderia agüentar mais isso. Eu estava
farta. Completamente farta. De tudo. De Marry e sua ridícula maneira de
querer me criar, de Benjamin e sua incrível falsidade, de Flávia por se
achar a garota mais perfeita do mundo, a Guerra Fria me irritava –
principalmente o Reino Unido por só agora se tocarem que não mais eram
os donos do mundo –, o exército dos Estados Unidos me irritavam mais
ainda por obrigarem meu Rei – Elvis Presley – a se recrutar. Eu
precisava sair dali. Eu o mataria estrangulado, e eu não tinha duvidas
disso!
“Benjamin, você aguardaria um instante para eu poder me
trocar?” achei o fato de eu estar apenas de penhoar uma ótima desculpa
para sumir dali.
“Claro...” ele respondeu simplório e, sem
cerimônias, me levantei da mesa e fui em direção à sala de entrada, no
entanto, fui barrada por um dos seguranças quando fiz menção de subir as
escadas.
“Me desculpe senhorita, mas tenho ordens de não deixá-la
sair desta sala enquanto o senhor Suede não for embora...” o homem disse
firme, se contrapondo à mim e à escada.
Pronto. Esse era o máximo que eu poderia agüentar. A terceira Guerra Mundial aconteceria naquele instante!
“O
QUE? AGORA SOU PRISIONEIRA NA MINHA PRÓPRIA CASA?” gritei, totalmente
revoltada e entorpecida pelo ódio. ÓDIO, ÓDIO, ÓDIO! Não conseguiria
expressar minha sensação naquele momento, apenas sei que se tivesse uma
faca ou qualquer objeto afiado, eu mataria todos naquela casa! O que
havia de errado com todos ali? Era difícil entender que eu não queria, e
não iria conversar com uma pessoa que simplesmente pegou meu coração e o
trucidou da pior forma possível? Era?
Em um ato de puro reflexo e
nervosismo, peguei um vaso de porcelana que estava sobre uma prateleira
próxima e simplesmente o arremessei contra a parede, causando um barulho
estrondoso.
O segurança se assustou e deu um passo para trás, e aquela foi minha deixa para poder sair dali.
Corri
os degraus daquela escada o mais rápido que pude, e em segundos depois,
eu já estava em meu quarto. Eu ainda bufava de raiva e minha têmpora
latejava.
Fui ao closet e peguei as primeiras roupas que vi pela
frente, algumas calças jeans, regatas, calcinhas, e joguei tudo dentro
de uma mochila velha. Coloquei uma calça e blusa quaisquer, calcei um
tênis surrado e joguei a mochila em minhas costas.
Eu não pularia a
janela. Eu não sairia despercebida. Queria que Marry me visse partindo.
Não era uma fuga, era um decreto de impaciência e revolta. Eu, Lua
Blanco, não ficaria mais dentro daquela casa mais um segundo sequer
sendo tratada daquela forma.
Novamente desci a escada principal
em um piscar de olhos, e pude ver Marry gritando com o segurança,
descabelada e totalmente fora de controle. Veríamos quem era a dona de
mim.
“O QUE VOCÊ TEM NA CABEÇA? ESTÁ SE DROGANDO, É ISSO? BEM QUE TODOS ME DIZIAM, MAS EU ME RECUSAVA A ACREDITAR E...”
“CHEGA!
CHEGA MARRY! EU ESTOU FARTA! ESTOU FARTA DO QUE TODOS DIZIAM OU DIZEM
AO MEU RESPEITO, ESTOU FARTA DE SER TRATADA COMO UMA MARIONETE DESSA
SOCIEDADE RIDÍCULA, ESTOU FARTA DE COBRAS AO MEU REDOR, E
PRINCIPALMENTE, ESTOU FARTA DE VOCÊ” fiz questão de dizer as ultimas
palavras da maneira mais lenta e fria possível. A guerra dentro de mim
já havia sido despertada. A revolta já havia tomado conta de mim.
Vi
a mulher partir para cima de mim, mas eu simplesmente segurei suas
mãos, impedindo-a de fazer qualquer coisa contra minha pessoa.
“Eu
estou indo embora. E nada me traz de volta para essa casa” falei
ameaçadoramente, olhando tão profundamente em seus olhos como nunca.
Aqueles olhos azuis cintilavam ódio, mas não chegava perto dos meus.
“Pode inventar para suas amigas que fui para um internato, ou até mesmo
que me expulsou porque estava fumando maconha dentro daqui. Diga o que
quiser. Mas no mesmo teto que você, eu não fico mais.”
Empurrei
seu corpo sutilmente do meu, e lancei-a um ultimo olhar, esperando
apenas sua próxima reação. Ela nada fez. A guerra estava declarada.
Respirei
fundo e passei pela mulher de cabeça erguida, passando sem olhar para o
segurança que antes me barrara, e encarando Benjamin por fim. O garoto
possuía um vazio em seu olhar, nada pude ler em sua expressão. Que se
danasse o que ele estava pensando. Se pensara que eu era mais uma tola a
enganar, o enganado foi ele.
Bati fortemente a grande porta de madeira antes de sair e ir para lugar algum.
Continua...
posta almas?
ResponderExcluirAgora vou escrever Tudo Diferente e Without you depois eu vejo essa
ExcluirSem palavras algumas para descrever esse cap.. Luinha foi umas das pessoas mais corajosas de todas.. Apoio ela em sair de casa e não escutar o imbecil do Ben.. Mas agora: Pra onde ela vai?
ResponderExcluirfica a dúvida
Excluir