Capítulo 25
Just pretend I'm holding you love...
O cheiro de frango assado invadiu todo o apartamento em segundos.
Meu
tempo livre – quando não estava preocupada com algo da faculdade ou
arrumando as bagunças dos meninos – agora era dedicado à culinária. Era
uma sensação extraordinária a de cozinhar. Uns pintavam, outros cantavam
– como os McFLY – eu, cozinhava.
Uma maré de calmaria me atingia enquanto eu picava uma cebola ou fazia um molho branco.
Se eu não fosse apaixonada por palavras e poemas, procuraria um restaurante para trabalhar; Era um bom segundo plano.
A
campainha despertou-me dos pensamentos mirabolantes. Abaixei a
temperatura do forno – se meu frango queimasse, eu provavelmente teria
um ataque de nervos. Tirei as luvas protetoras e fui até a porta de
entrada do apartamento. Deparei-me com um Chay completamente abatido no
batente. Antes de analisar sua feição com cuidado, meus olhos se
prenderam na mala ao lado de suas pernas. Arqueei as sobrancelhas e
indaguei mentalmente o que aquilo significava.
“Acho que entendo
por que você fugiu de casa...” ele começou, com o olhar perdido. “Eu não
podia mais conviver com a hipocrisia da minha família e todo aquele
cinismo de Benjamin...” Chay agora me encarou nos olhos; Eles tinham uma
dor imensurável, eu pude perceber. Abaixo deles, olheiras fundas e
escuras. Vi sua agonia e quis abraçá-lo, a fim de tentar consolá-lo.
Deixei-o terminar, no entanto.
“E... Não consegui pensar em ninguém mais para me ajudar a não ser você...”
“Vamos, entre!” o interrompi antes que ele pudesse falar algo mais.
“Me desculpe, Luinha... Prometo que procurarei um lugar para morar assim que arranjar um emprego... Não quero incomodar!”
“Chay,
do que você ‘tá falando?” intercedi novamente, incrédula com suas
palavras. Me incomodar? “Desde quando você me incomoda?” toquei seus
ombros com as mãos. “Você pode ficar aqui o quando quiser, sem se
importar! Pode ficar no quarto azul. Só tem um colchão no chão, mas...”
“Perfeito,
Luinha” ouvi o tom de gratidão em sua voz. Seus olhos agora tinham um
brilho que até então não possuíam, e um singelo – quase imperceptível –
sorriso brotou em seus lábios.
E o abraço que antes quisera eu lhe
dar, agora havia acontecido. Chay envolveu-me com seus braços,
apertando-me contra seu peito. Tentei retribuir o obrigado subliminar
que continha naquele gesto, apertando-o com toda minha força. Suede me
soltou, já com seu velho sorriso feliz e contagiante no rosto, e fez uma
careta faminta. O cheio do frango era abundante em todo o lugar.
“Eu
previ inconscientemente que você viria e preparei um banquete”
brinquei, deixando Chay na sala enquanto me dirigia à cozinha. Vi pelo
canto do olho que ele foi par ao quarto azul cantarolando.
Quando você menos espera, a vida te reviravolta e te surpreende até com pequenos acontecimentos.
Eu sabia que, a partir dali, minha rotina seria completamente mudada. E, em uma nova perspectiva, para melhor.
A
água fria batia em minha pele como mil navalhas. Escorria por toda
extensão do meu corpo, arrepiando-me, e precisou de mais alguns segundos
até que eu me acostumasse.
Agora a água me relaxava.
Meu
pensamento constante naquele momento – e em todos os outros – era
Cambridge. Minha ansiosidade era visível à todos, e eu não me atrevia a
escondê-la. John e eu já havíamos ido até Cambridge olhar os dormitórios
da Universidade, acertamos a matricula e tudo estava pronto.
Só não sabia se eu estava pronta.
Conscientemente,
aquele era meu sonho. Não havia – nem nunca houve – algo que eu mais
quisesse do que ingressar na faculdade. Comparecer àquelas paletras de
especialistas em Shakespeare ou Miguel Cervante Saavedra, e poder
escrever teses sobre os mesmos. Afundar-me em livros e, no final, dizer
com orgulho que e, Lua Blanco, havia cursado a Universidade de
Cambridge; Algo que ainda era raro entre as mulheres da minha sociedade.
Seria a maior conquista da minha vida.
Por outro lado, meu coração era comprimido por alguns segundos, e eu indagava se aquilo era mesmo o que eu queria.
Não,
obviamente era o que eu queria; Mas eu teria que abrir mão das coisas
mais preciosas da minha vida: meus amigos e minha família. Pode parecer
dramático, e talvez realmente seja, mas centenas de milhas importavam.
No fundo importavam...
Eu não teria Chay resmungando sobre qualquer
coisa, Micael embebedado, as mulheres de Arthur destruindo meu
apartamento, Mel brigando com Arthur ... Mas principalmente, eu não
teria Fernando sempre comigo.
Ele dissera que me visitaria sempre que
pudesse; Mas ele não poderia abandonar seu pai a torto e a direita. Ele
era tudo o que o Sr. Lewis tinha, e o mais velho precisava da ajuda do
garoto em suas plantações e no pub.
E, apesar de Fernando insistir
que nada mudaria em nossa relação, eu sabia que muita coisa mudaria.
Ainda que todos me garantirem que distancia nada atrapalhava, eu não me
dava por vencida. Tudo mudava.
Conversaríamos raramente por telefone,
somente quando ele fosse para o centro de Bolton procurar um telefone
público. As cartas demorariam até dias para chegarem, e nos veríamos –
no máximo – uma vez por mês.
E então perderíamos o contato e a relação esfriaria. Era uma lógica plausível!
Mel certa vez perguntara se eu não confiava em nosso amor o suficiente para não deixar aquilo acontecer.
Eu não soube responder.
Não por ter duvidas sobre o meu amor, mas exatamente por não saber se ele era o suficiente para tantas mudanças.
E analisando as argumentações, parecia-me tolice desistir da faculdade por um amor... Não parecia?
Ia contra todos os meus princípios sobre liberdade e independência...
Todas
aquelas indagações deixavam-me enlouquecida. Algo que antes parecia tão
certo, agora era um amontoado de pontos de interrogação.
A fumaça de duvida que pairava sobre mim se dissolveu quando escutei a porta do banheiro se abrir.
Assustada, enrolei-me no cortinado que separava o chuveiro da privada e da pia.
“CHAY?!” gritei ao ver o garoto entrar descabelado e parar em frente à pia. Nem sequer pareceu notar minha presemça.
O garoto se virou moribundamente para mim, e então pude ver suas feições claramente: ele havia acabado de acordar.
O garoto estava morando comigo há duas semanas, e muita coisa havia mudado em minha rotina, como previra.
Ainda
em aulas, eu o acordava e o levava para a escola – somente porque eu
sempre passava na padaria que era no caminho. Quando as aulas acabavam,
Chay passava no mercado do centro e trazia ingredientes para o almoço.
No quesito limpeza, ele lavava a louça e os banheiros, e eu ficava com o resto.
De
tardezinha jogávamos cartas ou algum jogo de tabuleiro até que Mel ou
Fernando chegassem para que jantássemos ou jogássemos papo fora.
Mel
havia amado o fato de Chay estar morando comigo. De acordo com ela, a
casa dos Suede era assustadora, e ela tinha vontade de assassinar
Benjamin toda vez que o via. Eu não sentiria a mínima falta se ela
tivesse o feito.
“Chay, não vê que estou tomando banho?” usei meu tom mais agressivo para tentar expulsá-lo; Em vão, entretanto.
“Não
há nada que eu possa ver que vai me fazer sentir... Tesão por você,
Luinha...” o menino disse sonolento, e começou a Escobar os dentes.
Arregaleu os olhos. Então eu não era atraente?
“Quero dizer, você é a
mulher do Fernando. E mulher de amigo meu... Bom, se tornam um...” ele
rolou os olhos, pensativo. “Sei lá, um dragão?”
“Quer dizer que eu sou horrorosa?” gritei, ainda atrás do cortinado.
Chay bufou impaciente.
“O
que eu quis dizer, sua maluca, é que eu não consigo te olhar com esses
olhos, por você ser do Fernando, entende?” ele tirou a escova dos
dentes, me encarando com inquietude. “Além de ser minha melhor amiga!”
deu de ombros. “Seria nojento...”
“Agora sou nojenta?” protestei,
agora entrando novamente debaixo do chuveiro. Para falar a verdade, eu
estava rindo escandalosamente por dentro.
“Você é impossível...” disse Suede por fim, num tom derrotado.
Eu iria encontrar Fernando hoje à tarde, e eu estava levemente ansiosa. Por quê?
Essa ansiedade e as borboletas no estômago já deveriam ter passado a tempos!
Elas passavam, não?
Pelo menos eu pensava que sim.
Eu
já deveria ter me acostumado com todas aquelas sensações, e então tudo
pareceria normal, como se fossem parte do pacote quando se apaixonava.
Mas elas estavam longe de serem normais. Eu sentia uma coisa diferente a cada beijo, a cada toque, cada palavra...
Todas
elas tinham algo em comum: todas me entorpeciam, me hipnotizavam como
mágica... Faziam-me querer mais: mais beijos, mais toques, mais
palavras. As borboletas eram incansáveis.
Coloquei uma calça jeans
e uma regata branca qualquer e me olhei no espelho uma ultima vez. Era
impossível não notar o sorriso que escapava dos meus lábios sem eu
perceber. Era um desses pequenos atos que me faziam analisar toda aquela
situação.
Analisar como tudo mudou desde que percebera que estava apaixonada por Fernando Roncato.
Eu
era feliz antes, reconhecia isso. Mas assim que ele declarou todos seus
sentimentos e demos o primeiro beijo no sítio, minha vida virou-se de
cabeça para baixo. No sentido literal.
Nada mais fora o mesmo.
Eu
precisava de seus olhos procurando pelos meus, precisava de seus braços
me envolvendo, precisava de sua boca tocando a minha...
Queria, pelo
menos um segundo do dia, saber o que se passava em sua mente. Se eu não
era a única maluca a sentir todos aqueles estardalhaços.
Mas,
sobre todos os pensamentos, o que prevalecia era aquele que me fazia
perceber que meu coração se acalmava perto dele. Meu coração disparava
como se aquela vez que nos víamos, fosse a primeira vez em anos.
Assustava-me
não ter o controle sobre meus próprios sentimentos, sobre meu próprio
coração. Pensava eu que, se Fernando não fosse a pessoa integra que era,
teria picado-lhe em mil pedacinhos minúsculos.
Mas não, ele continuava cultivando meu amor diariamente, fazendo-me amá-lo e desejá-lo mais e mais a cada dia que passava.
Mas
que culpa eu tenho se quando tento fugir desse sentimento é para os
braços dele que eu quero correr? Se ninguém me faz sentir do jeito que
eu sinto quando estou com ele? Se eu preciso de seu carinho, de seu
toque? Se ele tem uma maneira só dele de me surpreender e encantar a
cada instante? Se nada mais me importa quando sei que ele está ao meu
lado?
Poderiam ser indagações extremamente adolescentes e
passageiras, mas era aquilo que eu me perguntava a cada dia. Não podia
ser normal, podia?
No final das contas, fiquei satisfeita do jeito que estava e deixei o quarto.
Mel e Chay emaranhavam-se nos pufes coloridos e riam escandalosamente.
Pigarreei para chamar a atenção.
“Estou
indo me encontrar com Fernando” expliquei, olhando para o teto. A
imagem de Chay e Mel se amassando não era a que eu queria assistir. Chay
murmurou algo que não dei importância, e simplesmente dei as costas.
Esbarrei
com Julian quando esperava o elevador chegar e apenas o cumprimentei
formalmente. Estava louca para encontrar Fernando e matar aquela saudade
repentina que eu sentia.
Engatei o carro e sai do estacionamento
do prédio, pegando a via principal para a saída da cidade. Eu o pegaria
no sítio e então andaríamos de bicicleta pelo campo. Fernando me
mostraria o resto do sítio que eu ainda não conhecia e faríamos qualquer
coisa que nos viesse à cabeça. Provavelmente deitaríamos em alguma
clareira, nos beijaríamos e...
Bom, resolvi prestar atenção à
estrada. My Babe tocava no ultimo volume da rádio e eu deixava o vento
bagunçar meus cabelos em uma alegria repentina.
Era aquela
felicidade que te atinge sem razão, trazendo um sorriso sem explicações.
Eu não precisava de motivos quando o assunto era Fernando Roncato.
Virei
na estrada de terra à quarenta milhas de Bolton e continuei o caminho
até ver a natureza me acolher. Em menos de dez minutos eu avistaria a
casinha do sítio dos Roncato e saltaria alegremente do carro.
Quando vi tio Lewis sentado na escadaria que dava à pequena varanda, parei o carro e fui imediatamente em sua direção.
“Boa
tarde, Sr. Roncato!” expressei minha alegria em minha voz e vi que o
mais velho não me encarei. Arqueei uma sobrancelha, abismada diante
daquele fato.
Lewis era sempre a primeira pessoa a me dar boas vindas quando eu chegava no sítio. Sempre espalhando seu sorriso pelos cantos.
“Está tudo bem, tio Lewis?” perguntei apreensiva, vendo-o me encarar finalmente. Sua expressão era preocupada.
Mantinha uma mão no queixo e o cenho franzido.
Suspirou e voltou a encarar a grama sobre meus pés.
“Sr.
Roncato... Está tudo bem?” insistir, já sentindo meu coração bater mais
forte contra meu peito. O que estava acontecendo? Por que ele não me
lançara aquele sorriso contagiante de sempre? Por que não me abraçara e
me dera boa tarde como sempre fazia?
O homem de cabelos grisalhos balançou a cabeça. Negativamente.
Suspirei pesadamente, tentando manter a calma para continuar aquela conversa.
Onde estava Fernando? Por que ele não viera me cumprimentar quando ouvira o barulho do meu carro?
“Sr.
Roncato...” continuei mais desesperada que antes. “ Sr. Roncato... O
que aconteceu?” minha voz tentava ser firme, e eu quis atropelá-lo para
poder passar pela escada que ele intercedia. Fernando estava lá dentro.
Fernando estava lá dentro e algo acontecia com ele!
“Fernando...” ele
pronunciou o nome com a voz abatida. Prendi a respiração. De olhos
arregalados, eu tinha medo da próxima sentença. “ Fernando foi para o
hospital, porque...”
“Fernando está no hospital?” o interrompi. Minha
respiração estava falha e todo meu autocontrole já havia indo embora.
Eu agora me abanava com as próprias mãos e meus joelhos cediam.
“John estava aqui, Luinha, e de repente...”
“John
estava aqui?” a calma que Lewis Roncato tentava ter na voz, era perdida
completamente quando eu começava a falar em meu tom desesperado.
Então meu pai esteve ali? Meu pai levara Fernando ao hospital? Mas que diabos estava acontecendo?
“Em que hospital ele o levou?” perguntei urgentemente.
“Luinha, não acho que seja o melhor você ir até lá agora...”
“Em
que hospital, Sr. Roncato?” o interrompi pela milésima vez. Quando tudo
estivesse bem, eu o pediria desculpas pela falta de educação. Se é que
aquilo importava.
“Saint Gabriel’s Hospital” ele respondeu na mesma urgência.
Eu nem ao menos disse outra coisa. Corri para meu carro e o engatei com dificuldade.
Minhas mãos tremiam, minha cabeça girava.
Eu estava com a míninima condição para dirigir, mas não me importava naquele momento.
Forcei o máximo que meu acelerador podia agüentar e me irritei ao ver apenas cem quilômetros por hora.
Milhares de pensamentos passavam por minha cabeça como borrões.
O que havia acontecido com Fernando? Estaria ele machucado? Algo grave? Algo que ele escondia de mim? E por que John estava lá?
Eu sabia que John era amigo do Sr. Roncato, mas por que fora ele ao hospital e não Lewis?
Vamos
lá!, eu implorava ao meu carro e ao pequeno transito na estrada. Aquela
rodovia era sempre vazia, por que diabos estava tão movimentada justo
hoje?
Buzinei para alguns carros que atrapalhavam minha passagem e forcei ainda mais o acelerador.
Aquela joça iria colaborar comigo.
Eu realmente não sabia como conseguia dirigir. Talvez fosse o excesso de adrenalina e nervosismo que conduziam o volante.
Quando cheguei à entrada da cidade, dei graças à Deus pelo hospital ser por ali perto e não dentro do centro da cidade.
Freei
bruscamente assim que vi a placa indicando “Saint Gabriel’s Hospital” e
ignorei os murmúrios raivosos sobre minha péssima baliza. Guinchassem
meu carro, o que fosse!
Fiquei surpresa ao ver todos meus amigos na recepção do hospital. Aquilo fulminou uma raiva dentro de mim.
Por que todos sabiam do acontecimento previamente?
Talvez foi o tempo de eu sair do sítio e eles chegarem lá antes de mim. Claro.
“Alguém
pode, pelo amor de Deus, me contar o que está acontecendo?” exigi
furiosamente, antes que qualquer pessoa falasse algo sobre a minha
presença.
Todos mantinham uma expressão séria e nada falaram.
Arthur
tinha os lábios pressionados um no outro, Micael esfregava a testa com
as mãos, Chay franzia o cenho em uma expressão de pesar.
Foi Mel que aproximou-se de mim.
“Luinha, prometa-me que não vai gritar, ou desabar aqui” ela começou apreensiva, colocando as mãos sobre meus ombros.
Ela não queria que eu enlouquecesse? Então por que não foi direto ao assunto? Por que me afligia daquela maneira?
“O que aconteceu com Fernando?” perguntei, mantendo meu tom desesperado que me perseguia fazia longos minutos.
Não conseguia conter as lagrimas que antes não se manifestaram. Agora, no entanto, corriam pelo meu rosto com urgência.
Eu não continha o medo que apertava meu peito.
Por que, nem Sr. Lewis nem Mel me diziam o que acontecia?
Fernando... Fernando... O que está acontecendo?
Minha mente não parava de trabalhar um minuto, e eu sabia que podia desabar a qualquer instante.
Mas antes eu precisava saber se ele estava bem.
“Nada aconteceu comigo...” escutei aquela voz familiar. Meu coração – novamente – congelou.
Era aquela voz. A voz que eu estava familiarizada.
Aquilo era uma ilusão?
Quero dizer, ele estava no hospital, não estava?
Espere um minuto... Talvez ele não estava...
“Fernando?” procurei por seu rosto, até vê-lo perto do balcão.
Sua expressão estava tão pesarosa quanto a dos outros.
Ele não me encarava, como todos os outros.
“Fernando...” me aproximei lentamente, deixando todo o resto para trás.
Eu sabia que ele me responderia.
“Fernando,
o que está acontecendo?” mantive meu tom desesperado, mas agora um
pouco mais baixo que o normal. Um sussurro urgente, talvez... “Fernando,
por que eu fui até o sítio e seu pai disse que você estava no
hospital?” perguntei apreensiva.
Ele não me olhou. Continuou encarando o nada. Quis sacudi-lo. Quis pegar seu rosto entre as mãos e o fazer encarar meus olhos.
John estava aqui, Luinha, e de repente...
NÃO! Não! Não, aquilo não tinha absolutamente nada a ver com John.
“Fernando!
Me fale o que aconteceu!” dessa vez eu gritei. Não contive a urgência
da minha voz. Não contive o horror, o desespero constante...
“Luinha...”
ele agora colocou as mãos em meus ombros. “Seu pai estava no sítio e de
repente ficou branco como papel... No segundo seguinte seus joelhos
cederam e ele caiu no chão, e não conseguia levantar!” Fernando tentava
manter seu tom calmo, mas eu sabia que ele estava tão absorto quanto eu.
“Eu tentei colocá-lo de pé, mas ele parecia uma pedra! Então meu pai e
eu conseguimos levantá-lo e o colocar dentro do carro... Então eu o
trouxe aqui e...”
Eu não escutava mais nada. John braço como papel? John caído como uma pedra?
As
lagrimas pararam de repente de cair. Elas engataram a marcha um e caiam
lentamente, quase imperceptíveis. Meus olhos estavam arregalados,
absortos, apreensivos.
Eu já não mais escutava a voz de Fernando.
Era tudo um vazio.
John... John... Meu pai...
“Onde ele está?” perguntei urgentemente, tentando me livrar de seus braços.
Pela primeira vez, os braços de Fernando sufocavam-me, impediam-me de pensar, de correr, de me libertar.
“ONDE ELE ESTÁ?” gritei para todos que estavam lá.
Mel olhou para o chão.
Por que eles não me respondiam? Por que eles não me encaravam?
“Está na UTI, quarto quarenta” escutei uma voz distante.
Consegui me livrar dos braços que me seguravam e corri.
Corri.
Corri.
O
ar faltava em meus pulmões, e apesar de eu inspirar o tanto que eu
normalmente precisaria, não parecia suficiente. Eu precisava de mais. Ou
não precisava de nada.
Eu escutava passos atrás de mim.
Intuitivamente eu sabia de quem eram. Mas eu não ousaria olhar para
trás. Eu não queria olhar para trás.
“RAFINHA!” o escutei gritar.
Minha vista estava embaçada.
Meu coração estava parando.
John... John... Por favor...
“RAFINHA!”
Quando
cheguei ao quarto, uma dor totalmente nova afligia meu coração. Uma
sensação de perda. Eu estava ali, vendo-o frágil, como se sua vida
estivesse por um fio e pudesse se corromper a qualquer minuto. Se eu o
perdesse, perderia junto o rumo.
Continua...
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