sábado, 13 de abril de 2013

Web Doce Amor

                                Capítulo 12



Eu andava de um lado para o outro em frente à minha janela. Já havia inventado milhares de coisas para fazer, até limpei o chão, arrumei minhas gavetas, coisa que não fazia há séculos. Achei diários da sexta, sétima, oitava séries e por ai foi... Ri um bocado da minha inocência na época, mais ainda do meu sofrimento de quando Kenny Bulter, minha paixão de infância, me ignorava até a morte.
Mas eu ainda assim andava de um lado para o outro. Eu estava entediada. Nervosa. Ansiosa. Minha janela estava escancarada e de cinco em cinco segundos eu fazia questão de passar em frente à ela para olhar o movimento da rua. Passava mais dez segundos esticando meu pescoço para fora dela, a fim de ver qualquer coisa fora do normal na White River. Mas tudo estava como deveria ser. A grama dos vizinhos continuava irritantemente verde, os vigilantes rondavam cada esquina como sempre, o silencio dominava a rua de acordo com as normas do condomínio.
Aquilo estava me chateando. Qualquer ruído que eu escutasse, tratava de correr, normalmente derrubando tudo que via pela frente, em direção à janela. Mas o estalido acabava por ser um gato subindo em uma árvore, ou um dos vigilantes tossindo ou espirrando. Tudo irritantemente normal.
É, talvez pensar que o incidente do dia anterior fora direcionado à mim era ilusão. E mesmo se fosse, o que me fazia pensar que aconteceria de novo? Ilusão, ilusão e ilusão. Minha mente começava a criar armadilhas para mim. Eu estava tão vidrada e inconformada com a minha situação familiar e amorosa, que começava a imaginar coisas.

Aborrecida com a minha própria idiotice, me joguei na cama, cobrindo meus olhos com um braço.
“O que está acontecendo comigo?” bufei alto. Eu não saberia me responder. Eu estava entrando em um conflito interno, onde minha razão brigava contra minha emoção, causando uma grande catástrofe dentro de mim. A confusão e incerteza eram as vencedoras constantes.

E quando todas as minhas esperanças de um descarrego desapareceram, o mesmo toque que eu havia escutado ontem, às onze e vinte e três, eu escutei novamente.
Meu coração pulou, assim como eu, que no outro momento estava de cara com a rua, vendo o mesmo carro de pintura amarela descascada estacionado frontalmente à minha janela.
Tudo pareceu embaralhar na minha cabeça, pois ao mesmo tempo em que tive uma vontade incrível de chorar, um riso explosivo de felicidade saiu da minha boca.
Eu ria pelo fato de que, todos os conflitos que me atormentavam, todas as emoções agonizantes, tudo de ruim que vagava pela minha cabeça, simplesmente sumiram. Eu poderia simplesmente colocar a vitrola para tocar Elvis Presley no meu quarto, mas a sensação de alivio não seria a mesma.
O fato de pensar que alguém se importava comigo, não importava quem fosse esse alguém, fazia com que nada de ruim pairasse sobre minha mente. É como se eu fosse à um terapeuta e ele fizesse algum tipo de hipnose...

Sibilei a canção enquanto ela tocava, vendo toda minha desordem interna extravasar.
Mas eu ainda assim estava instigada. Eu queria descer e ver quem era o autor da serenata, eu queria perguntá-lo o porquê disso tudo!
Em um impulso eu saí correndo do meu quarto, no mesmo tempo em que vi Marry sair aborrecida de seu aposento, toda descabelada e com olhos inchados.
“Quem é esse impertinente, Lua?” ela rosnou furiosa, descendo rapidamente as escadas, assim como eu.
“Eu não sei!” falei divertida, rindo da situação em que Marry se encontrava. Rindo do que uma simples serenata estava causando dentro daquele lar e com as pessoas que lá moravam.
“Mas você tem que saber! Que falta de vergonha é essa? Ele por acaso é seu namorado? Tenho certeza que não, já que Benjamin Suede jamais andaria em um calhambeque como aquele!” ela continuou raivosa, e nessa hora, nós já competíamos entre quem chegaria aos portões primeiro.

Eu corria ao mesmo tempo em que gargalhava. Eu não saberia explicar por que aquela situação estava sendo tão divertida para mim...
“Abra os portões!” gritei para o vigilante em cima da pequena torre, o qual também estava visivelmente intrigado com o tal calhambeque.
“Quer que eu a acompanhe, senhorita?” um dos seguranças vinha me seguindo, enquanto eu corria em direção ao carro.
“Não, fique onde está!” falei rindo, podendo escutar os gritos de Marry atrás de mim.
“Segurem-na! Segurem-na! Lua, volte aqui AGORA!” ela berrava inutilmente. O som do carro estava cada vez mais alto, à medida que eu me aproximava dele. Eu forçava minha visão para poder enxergar algo lá dentro, mas era fisicamente impossível.
Além da musica, eu podia escutar os murmúrios dos vizinhos, mas para mim aquilo era descartável.
Parei a alguns metros do veículo, ainda com um sorriso nada discreto no rosto.
Aquele carro, aquele simples carro infrator das regras implantadas no condomínio, era sinônimo de libertação para mim. Era como se o mundo fosse minha mente. Eu era o consciente, o dominador da razão. Era eu, pessoa, quem dizia que o certo era ignorar aquela serenata. Que o certo era mandar prendê-lo. Que o certo era obedecer Marry. E aquele que estava no calhambeque era o meu inconsciente. Ele infringia por mim, todas as regras que eu morria de vontade de burlar. Ele dizia um grande dane-se à Marry e à todos aqueles moradores hipócritas e fúteis que cochichavam a meu respeito.

Resolvi não dar nem mais um passo. Era bom que continuasse daquele jeito. Se eu descobrisse quem era o meu inconsciente, as coisas não teriam a mesma graça, a mesma malicia, a mesma razão... Quem sabe não era isso o divertido da historia. Quem sabe, o infrator não conhecia de mim mais do que eu mesma, e estivesse tentando me mostrar quem sou?
Os faróis dianteiros piscaram duas vezes, e Can’t Help continuava a tocar, dando uma trilha sonora para aquele momento.
A curiosidade culminou dentro de mim, ela era mais forte do que eu. Eu precisava saber quem era o infrator, eu precisava perguntá-lo o que ele sabia sobre mim, eu precisava de respostas...

Dei passos lentos em direção ao carro, os faróis ainda acesos e a musica ainda alta. Eu chegava cada vez mais perto e nenhuma reação do infrator.
Eu sabia que Marry gritava de fundo, mas eu estava muito concentrada em abrir ou não aquela maçaneta, indecisa se estragava ou não com aquele momento excitante. O carro continuou parado, a musica continuou tocando, como se esperasse por uma decisão minha.

Acho que ele sabia minha decisão antes que eu a tomasse, pois assim que me afastei da porta do carona, o escutei cantar pneus como da primeira vez, formar todo aquele escarcéu para sair do lugar, e ao quebrar a esquina aumentou o som no ultimo e certeiro verso da musica.
I can’t help falling in love with you.
No mesmo momento em que eu transbordava felicidade, senti algo agarrar o meu braço e percebi por sendo a mão áspera e fina de Marry. Ela começou a me puxar pelo mesmo com uma força que nunca imaginei que ela pudesse ter.
“Me solta, você tá me machucando!” falei exaltada, tentando em desvencilhar de seus dedos, que mais pareciam palitos de fósforo.
“Cale essa boca” ela disse rígida, sem alterar seu tom de voz. Olhei para os lados e os vizinhos sem ter o que fazer continuavam a, ora cochichar, ora olhar para mim com reprovação. Marry olhava para todos e lançava um sorriso forçado e nervoso, foi ai que percebi o quão encurralada eu estava.
Ela continuava andando a passos largos e furiosos, sua têmpora estava dilatada, e eu tive a impressão de que ela poderia explodir a qualquer momento.
Era inútil tentar tirar sua mão do meu braço, que já estava todo arranhado, vermelho e ardia. O máximo que eu poderia fazer era andar na velocidade que ela.
Assim que passamos pelo portão de entrada da casa, Marry me empurrou sem o menor cuidado e eu tive que me equilibrar em uma das mesinhas decorativas do saguão.

“O que você pensa que está fazendo?” ela perguntou lentamente, passando a mão em sua testa em um movimento nervoso. Eu sabia que ela estava se controlando o máximo para não avançar em mim.
“Eu não estou fazendo nada” respondi simplesmente, o que haveria de responder afinal? Eu realmente não estava fazendo nada, além de encará-la com uma enorme vontade de rir. Eu estava brincando com fogo sem medo de ser queimada. O efeito-serenata ainda afetava meus sentidos naquele momento.
“Vou te perguntar mais uma vez, Lua. O que você pensa que está fazendo?” ela me encarou com todo ódio do mundo. Eu ainda me contorcia para não rir de tudo aquilo.
“Eu não...” antes que eu pudesse responder, num piscar de olhos, senti o lado esquerdo do meu rosto arder. Eu sabia que ela poderia me atacar, mas não acreditava que ela seria capaz. Não sou capaz de explicar o que senti no momento, demorei alguns segundos a raciocinar o fato de que Marry acabara de me dar um tapa no rosto.
“Você é uma vadiazinha, não é mesmo? Tem um namorado, educado, de família boa E RICA POR SINAL, e fica dando trela para qualquer garoto que passe na sua frente! Como eu pude criar alguém assim, meu Deus, como um monstro desse pode sair de mim?” ela estava totalmente descontrolada. Fazia gestos nervosos com a mão, andava de um lado para o outro e estava a ponto de se descabelar. Eu massageava o local onde levei um tapa, e tinha certeza que a marca dos seus cinco dedos estavam carimbados naquele lado do rosto.
“O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?” meu pai apareceu de penhoar no saguão, sua expressão entregava que ele havia acabado de acordar. Mas o choque também dominava seu rosto, e ele desceu rapidamente as escadas, parando ao meu lado.
“SUA FILHA, JOHN, ESSA SUA FILHA É UMA VADIAZINHA BARATA! SUA FILHA, PORQUE ELA SIMPLESMENTE NÃO PODE TER SAÍDO DO MEU VENTRE!” ela gritava ferozmente, apontando o dedo indicador na cara do meu pai, que envolveu seu braço em meus ombros, o que me fez encolher a fim de me proteger de Marry.
“ELA QUER ACABAR COM A NOSSA MORAL, COM A NOSSA DIGNADE, QUE DEMORAMOS ANOS PARA CONSTRUIR! VOCÊ SABE O QUE VÃO FALAR AMANHÃ NO SEU TRABALHO, JOHN? QUE NÓS NÃO SOUBEMOS CRIAR ESSA MENINA, QUE SOMOS INDIGNOS DESSA VIDA QUE LEVAMOS!” ela continuava exaltada, colocava a mão sobre o lado esquerdo do peito, como se a qualquer momento fosse ter um ataque. Eu estava tão chocada e absorta com todas aquelas palavras, que não tinha a mínima condição de responder qualquer coisa à meu favor. Eu não conseguia entender por que todo aquele alvoroço por conta de uma serenata, que eu realmente não sabia o autor dela! O que eu tinha a ver com isso? Só porque eu recebia uma serenata me condenava à taxa de vadia?
“CALE ESSA BOCA, MARRY! PÁRE DE FALAR BOBAGENS!” foi a vez de John se exaltar. Olhei para cima e ele estava tão nervoso quanto minha mãe, entretanto, visivelmente ao meu favor.
“BOBAGENS? BOBAGENS, JOHN?” ela se aproximou de nós dois, e eu abracei meu pai no mesmo instante. Ele não deixaria que aquela louca tocasse mais um dedo em mim, eu tinha certeza. “VOCÊ ESCUTOU O QUE LORI MOORE FOFOCAVA COM AQUELA RIDICULA DA ADRIANNA! QUE A PRÓPRIA JOANNE HAVIA DITO O QUE O JANTAR FORA UM FIÁSCO! MARRY NÃO DÁ EDUCAÇÃO À SUA FILHA! MARRY NÃO SABE COMO CRIAR UMA CRIANÇA! MARRY DEVIA TER VERGONHA! E EU TENHO! EU TENHO VERGONHA DE DIZER QUE ESSA GAROTA É MINHA FILHA! FIQUEI SABENDO QUE ELA DEFENDEU COMUNISTAS EM UMA DISCUSSÃO COM O PRÓPRIO CHARLES SUEDE COMO ISSO É POSSÍVEL?” Marry gritava histérica, parecia oficialmente uma louca varrida, todos os empregados já assistiam o espetáculo.
“EU POUCO ME IMPORTO COM O QUE DIZEM. E DIRIA À MINHA FILHA PARA DEFENDER NOVAMENTE OS COMUNISTAS, AINDA MAIS SE FOR EM UMA DISCUSSÃO COM O PORCO DO CHARLES! DEIXE DE SER MALUCA, MARRY!” ele continuou no mesmo tom que a mulher, enquanto eu apenas não chorava devido à segurança que John estava me passando.
“Não vou deixar que vocês dois acabem com essa família” ela novamente chegou perto de nós dois, num tom mais ameaçador do que nunca. Então a vi subir rapidamente as escadas, deixando eu e meu pai no saguão, os dois absortos com o surto de Marry. Ela estava louca. Definitivamente louca. A ambição e a sociedade acabaram com toda a razão que ainda restava nela.

Senti os dois braços fortes do meu pai me envolverem e eu agarrei em sua cintura, afogando minha cabeça em seu peito. Eu soluçava de desespero e decepção.
Que tipo de mãe trata sua filha como lixo? Que tipo de mãe insiste em dizer que sua filha é a razão de sua vergonha, a razão da decadência de uma família? Que coragem teria eu de acabar com aquela família, meu Deus? Aqueles eram meus criadores, as pessoas por quem eu era mais grata por tudo que me proporcionaram! Eu poderia ser contra todos os ideais de minha mãe, mas eu jamais faria algo que a prejudicaria! Como ela não era capaz de ver que moral não era tudo? Que não podíamos viver de acordo com os pensamentos alheios, que devíamos moldar nossa felicidade de acordo com o que acreditamos!

Meu pai apalpava carinhosamente minha cabeça, depositando leves beijos na mesma, e dizia palavras confortantes para eu poder me acalmar.
Se tinha alguém que eu mais amasse no mundo, esse alguém era John . Eu idolatrava cada suspiro, cada expressão, cada palavra que saía da boca daquele homem. Era um amor incondicional, que ia além de todas as fronteiras bióticas. Ele era meu anjo da guarda em forma humana, e não existia algo no mundo que eu não faria por ele.
“Não pense em dar ouvidos à ela, minha querida. Não sei o que está acontecendo com a sua mãe, mas tenho certeza que vai passar... Acalme-se” senti incerteza em sua voz, mas eu ainda assim tinha a possibilidade de acreditar que aquele momento passaria. Mesmo essa possibilidade sendo quase remota.
“O senhor escutou o que ela disse, pai... Eu sou uma vergonha! Ela sente vergonha de ser minha mãe!” eu tropecei nas palavras, entre soluços e lágrimas, eu não era capaz de me acalmar. Mil facas atravessaram todas as partes do meu corpo a cada palavra dita por minha própria mãe.
“Não diga bobagens, Lua! Você não é uma vergonha, páre de drama! Você sabe que é o maior orgulho da minha vida...” ele começou apreensivo, segurando meu rosto entre as mãos. “Nenhum dinheiro me dá tanta alegria quanto você. Nenhuma conquista financeira me deu tanta felicidade quanto ver você nascer, crescer e se tornar nessa mulher madura e inteligente que você é!” John tinha um brilho nos olhos que fazia tudo dentro de mim espairecer. “Não importa o que ela pensa, não dê ouvidos ao que uma louca varrida diz! É em mim que você tem que acreditar. E eu te digo, você é quem me dá forças pra continuar nessa sociedade horrível e egoísta, minha filha. Eu te idolatro pelo fato de você não estar nem aí com o que esses doidos pensam, eu te idolatro por você fazer o que quer e, ao mesmo tempo, sempre fazer o certo! Porque eu, EU me deixei levar por toda essa futilidade, meu casamento é uma prova disso! Então não pense que você é uma vergonha... Pense que você é uma heroína por agüentar tudo isso, e você realmente é!”

A esse ponto eu não conseguia mais me controlar e as lagrimas caíam livremente em meu rosto. Mas não era por decepção ou desespero. Era de conforto por ter alguém como John por perto, por ter ele como meu pai. Ele sim era uma pessoa digna à ser herói. Ele simplesmente estava pagando alguma sina do passado por estar casado com Marry, eu presumia.
Abracei-o com todas as forças que em meus braços continha, e eu poderia ficar daquele jeito por toda uma eternidade e mais. Eu sabia que com meu pai, nada de ruim poderia me atingir, nada de ruim poderia nos acontecer.

“Agora vamos dormir. Você precisa estar preparada para terminar seu namoro amanhã” ele disse simplesmente, andando em direção à escada enquanto eu permanecia em meu lugar sem entender o que ele queria dizer. John virou-se para mim com um sorriso. “Afinal, nós dois sabemos que ele não é para você. Minha filha merece algo melhor do que um riquinho mimado e com cabeça desmiolada. Minha filha merece alguém como... Como a pessoa que anda vindo passar serenatas ultimamente...” ele deu uma piscadela e voltou seu caminho em direção às escadas, e num piscar de olhos ele já estava virando o corredor da esquerda, onde levava aos seus aposentos. John e Marry não dormiam mais no mesmo quarto, e isso não era de agora. Eles ainda estavam juntos apenas por... comodidade. E John, no fundo de seu coração, sentia pena de Marry, quem sabe por essa razão não continuava com ela, pois sabia que se divorciasse dela, a mesma suicidaria. Mulheres divorciadas eram, de acordo com a sua lógica, o exemplo da decadência feminina. Meu pai não gostaria de ter o peso de Marry em suas costas, comprovando minha tese de que ele era um anjo em forma humana.
Mas o que me intrigou profundamente, foi seu conselho sem fundamento. Certo que o que eu mais queria, no fundo do meu inconsciente, era acabar com toda aquela palhaçada que estava acontecendo entre eu e Benjamin.
Mas eu sou tola, eu acredito profundamente no potencial das pessoas. Eu acredito que elas, em um ponto de suas vidas, realizarão do quão patéticas elas são e mudarão de comportamento. Entretanto, eu acreditava que a tola da história seria eu. Que eu estava com o amor da minha vida na minha frente, mas me faltava realizar-me disso. Mas nada acontecia, nada me fazia acreditar que Ben seria tudo aquilo que eu precisava. Egoísta, eu precisava de mais. Mais do que ele podia me oferecer.

Eu sempre acreditei em meu pai, e não seria agora que eu desacreditaria. Se ele dizia que eu precisava estar preparada para acabar com esse namoro falso, eu acabaria. Estava passando da hora.
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Estávamos saindo, Melzinha e eu, de mais um dia de escola. Eu já havia contado à ela sobre o dia anterior, sobre as serenatas e todo o andamento da discussão com Marry. Ela inclusive deu apoio ao conselho do meu pai, então eu estava mais convicta do que tudo à terminar meu pseudo-namoro. Podia não estar sendo uma farsa para Benjamin, mas eu, ao continuar com ele, estava mentindo para mim mesma, acabando com as possibilidades de encontrar uma outra pessoa que satisfizesse meus anseios.
Despedi-me de Melzinha e, inclusive, dispensei Joel de seus serviços. Eu iria à pé até a casa de Benjamin, assim eu teria mais tempo para fazer meu discurso de término.
Eu estava nervosa. Minto, eu estava apavorada. Era meu primeiro namoro e, conseqüentemente, a primeira vez que terminaria um. O que eu diria, como escolher as palavras que expressarem tudo o que eu sentia, mas que ao mesmo tempo não magoassem o garoto? Afinal, apesar de todas nossas diferenças e contratempos, Benjamin fora um grande amigo ao longo desses – pequenos – meses.

Eu mexia nervosamente nas alças da minha mochila, olhava para meus próprios pés e sussurrava mentalmente tudo o que eu falaria, a fim de decorar meu discurso e não cometer nenhuma asneira.
Contudo, quando eu já estava à duas quadras do colégio e ia dobrar a esquina, algo me chamou a atenção.
Uma risada estridente e debochada chegou aos meus ouvidos, e uma eu soube reconhecer. Era a de Flávia.
Uma saudade insana tomou conta de mim, como eu adorava aquela risada! Como eu sentia falta de escutá-la!
Com todos esses tormentos, eu havia esquecido completamente da falta que ela me fazia, da falta que eu sentia de escutar aquela mesma risada após uma briga com minha mãe, por exemplo.
Em um impulso, toda essa saudade me fez realizar do quão idiota nós éramos de destruir uma amizade como a nossa por motivos quem nem nós mesmas sabíamos. Eu sorria por dentro com a possibilidade de poder ter minha amiga novamente. No entanto, antes que eu pudesse virar a esquina para encontrá-la, escutei algo mais.

“Então foi assim mesmo? Eu sabia que ia ser um fiasco!” uma segunda voz riu. “A Lua não iria me decepcionar, eu tinha certeza! Ela é tão previsível!” Flávia riu debochada. Ao escutar meu nome, minha respiração se prendeu no mesmo instante. A Lua não seria eu, não é mesmo? Existiam milhares de Lua’s no mundo, por que haveria de ser eu?
“Ela veio com todo aquele papo de idealismo, literatura, e todas aquelas coisas ridículas, sem nexo e entediantes de sempre. Eu sabia que ia dar no que deu” a segunda voz se comunicou finalmente, e eu definitivamente parei de respirar e meu coração parou de bater. Meus olhos saltariam das órbitas a qualquer momento, e um enjôo enorme me dominou assim que escutei aquela voz.
“Agora, quem sabe sua mãe não vê que quem é melhor para o filhinho dela não é aquela retardada, e que tem outra mais linda e encantadora que cai de amores por ele?” a escutei dizer lentamente e de um modo que parecia ser sensual.

Meu coração não se decidia entre bater fortemente contra meu peito ou não bater. Minha respiração já estava ofegante e minhas mãos tremiam.
Levei a mão até a boca, tentando disfarçar para mim mesma o choque ao ouvir aquelas palavras. Não era possível que estariam falando de mim. Não era possível que a segunda voz que eu ouvia era mesmo quem eu pensava ser. Não podia ser. Não era justo ser.

Tomei coragem, e devagar fui dando passos até a esquina, incerta do que estava preste a fazer. Eu tremia por dentro e por fora, minhas mãos suavam e eu sentia que minhas pernas desabariam a qualquer momento sem a minha permissão. Meu estômago revirava tamanho era o nervosismo, ansiedade, angustia, revolta e todo esse mixo de emoções negativas dentro de mim.
Finalmente cheguei, ainda hesitante, até o cunhal da rua, onde senti meu mundo dar milhões de voltas horárias e anti-horárias no instante em que vi o famoso Pontiac preto e bem lustrado juntamente com seu dono, o qual encostava-se à porta do carona e tinha a minha – antiga – amiga o pressionando contra o mesmo. Benjamin possuía as mãos firmemente envolvidas na cintura da garota, e os dois se beijavam calorosamente.
Eu estava estática.
Meu consciente ainda tentava racionar aquela fração de instante, eu procurava motivos para desacreditar no que eu estava vendo. Pensei que poderia ser fruto da minha imaginação, pensei estar sonhando e de tanto querer que algo de errado acontecesse no meu namoro para eu ter uma razão de término, aquilo estaria me perseguindo. Mas era tudo muito real. Eu nunca havia tido um sonho tão real como aquele...

‘Acorde, Lua’ eu dizia à mim mesma, forçando meus olhos um contra o outro. Eu tinha certeza de que quando os abrisse, tudo aquilo sumiria e eu acordaria com a convicção de terminar normalmente com Ben.
Os abri, um pouco mais calma, mas me assustei ao ver que aquela imagem de Benjamin beijando Flávia promiscuamente à minha frente. Eu não sentia coisa alguma. De repente senti um clarão em minha mente e não me via mais como um ser racional.
“BENJAMIN!” eu tive a capacidade de gritar, e agora me pergunto de onde tirei aquela coragem. Repito, o choque fora tão grande que eu não estava mais em plena consciência. Eu não estava mais sã.
Os dois indivíduos se afastaram imediatamente, e um me olhava com mais choque que o outro. Flávia arrumou sua roupa, amassada pelo fato de estar quase fazendo sexo com meu namorado em plena rua publica. Benjamin limpou a boca e veio correndo em minha direção, mas eu não fiquei parada. Corri pela direção contraria, eu não queria vê-lo, não queria escutá-lo, não queria saber que um dia ele possa ter existido.
Meus olhos estavam embaçados e ficava cada vez mais difícil de enxergar algo à minha frente. Eu não chorava, eu urrava. Urrava pela dor da traição.
“LUA, ESPERE!” ele gritou. Escutei uma outra voz gritar por mim, mas fiz questão de ignorar e continuar correndo.
Eu queria fugir dali, queria correr para o lugar mais distante e desabitado de Bolton.
“LUA!” agora a voz feminina ficava cada vez mais perto de mim, mas eu não pararia. Eu jamais pararia. Entretanto, minhas pernas não pareciam obedecer. Elas não queriam correr mais do que aquilo, mas eu precisava que elas o fizessem!
Senti que eu poderia cair a qualquer momento, uma vez que as lágrimas me impediam de ver tudo com nitidez.
“Você irá me escutar, garota” escutei claramente atrás de mim, no mesmo instante em que senti meu braço ser puxado por alguém.
Dei de cara com Flávia, do mesmo jeito que eu me lembrava, porém ela parecia um ser nojento, sem escrúpulos.
“ME SOLTE!” gritei ferozmente, tentando desvencilhar de suas mãos tão firmes e finas quanto as de Marry. O pranto ainda rolava em meu rosto, mais de raiva do que de dor. Talvez tanto de raiva quanto de dor.
Mas ela não me soltou. Continuou a me segurar fortemente enquanto eu me debatia.
“PÁRE DE SER TÃO INFANTIL!” ela gritou contra mim. Eu não tinha forças. Não sabia se chorava, se tentava me livrar de Flávia ou se parava em pé. Não daria conta de fazer os três ao mesmo tempo. “SUA IDIOTA! TROUXA! POR QUE ESTÁ CHORANDO?” ela continuou agressiva, eu não tinha capacidade de responder. Ora soluçava. Ora me debatia. Implorava para que ela me soltasse silenciosamente, mas ela não iria me atender. “VOCÊ NÃO TEVE A CAPACIDADE DE PENSAR QUE BENJAMIN GOSTAVA DE VOCÊ, NÃO É MESMO? ESSA POSSIBILIDADE NÃO PASSOU PELA SUA CABEÇA, POR FAVOR, ME DIGA QUE NÃO! SE SIM, EU ACABO DE PROVAR O QUÃO RIDICULA E INGÊNUA VOCÊ É!” Flávia soltou uma risada extremamente cínica e estridente, que quase fez meus tímpanos estourarem.
“Por que você acha que ele estava com você?” ela olhou profundamente em meus olhos, mas eu desviei meu roso, olhando para meus sapatos, ainda chorando silenciosamente e incapacitada de dizer uma coisa se quer. “Hein?” ela insistiu, balançando-me pelos ombros.
“Flávia...” Benjamin a chamou.
“NÃO, BENJAMIN! ELA TEM QUE ESCUTAR! EU QUERO QUE ELA ESCUTE TUDO, CADA PALAVRA! QUERO ACORDAR ESSA GAROTA PARA A VIDA!” outra risada sarcástica. “Você é rica, minha querida. Você tem essa sorte. Se não fosse por isso, quem teria a coragem de chegar perto de alguém tão patético? Vamos lá, olhe-se no espelho! Nem para o prefeito você conseguiu fingir um pouco de educação! Você é alienada, vive nesse mundo de sonhos esperanto seu príncipe encantado! Pare de sonhar e acorde para a vida! Não há príncipes encantados para pessoas perdedoras como você, Lua. Nunca haverá! Você não é Julieta nem nunca será! Benjamin a tratava como tal apenas porque sabia que você cairia de quatro por ele e assim, quem sabe casar, ter filhos e colocar a mão na sua herança, huh? Mas sabe quem seria o grande amor da vida dele? EU! Sabe quem é a Julieta da história? SOU EU! Sabe em quem ele pensaria todas as noites antes de dormir? EM MIM! SEMPRE FOI EU, EU E SOMENTE EU NA VIDA DELE, LUA! E VOCÊ APARECEU PARA ESTRAGAR TUDO! ESTRAGAR O MEU CONTO DE FADAS, SÓ PORQUE VOCÊ NUNCA CONSEGUIRIA UM PARA VOCÊ!” Flávia cuspia friamente a verdade em minha cara. O ódio me consumia. A antipatia me dominava. Eu havia levado dois tapas na cara de uma vez só. Um da minha melhor amiga e outro do meu namorado.

Quem sabe ela realmente não havia atingido o objetivo dela? Aquelas verdades serviram como um grande balde d’água para de me acordar de um sonho que nunca existiu.
Funguei, e com todas as minhas forças restantes, relutei contra as lagrimas cheias de ódio que ainda rolavam em minha face. Fechei meus olhos e meus punhos, me contendo de cometer qualquer ato de tão baixo nível quanto o de Flávia. Eu respirava profundamente, sentindo meu peito inchar e desinchar lentamente. Em segundos atingi a calma.
‘Nunca deixe que alguém roube sua fé e seus sonhos, Lua’ lembrei-me das palavras de meu pai. ‘Nunca deixe que alguém lhe tire o que há de mais precioso na vida. Ninguém tem esse direito. Nem mesmo você.’

“Quem é você para me falar sobre alienação?” falei lentamente, ainda de olhos fechados. “Alguém como você? Tão inteligente quanto uma porta?” olhei-a fixamente. Vi que estava incrédula com a minha audácia repentina. “Quem é você para se comparar à Julieta quando ao sabe nem ao menos o que é amar? Quem te garante que Benjamin não irá te trocar amanhã por alguma mais rica do que eu? Você é quem precisa acordar para o mundo Flávia. Não eu.” Conclui friamente, dessa vez jogando toda a verdade, fria e cruel do modo como ela era. A vi abrir e fechar a boca algumas vezes, procurando algo para rebater, mas não havia respostas. Eu tinha certeza de todas as respostas, e Flávia parecia refletir chocada sobre os fatos. Soltei meu braço bruscamente de suas mãos, dei as costas e andei a passos largos na direção oposta àquelas duas pessoas desprezíveis. Mas um deles fez mais. Novamente senti meu braço ser puxado e a figura de Benjamin se formar à minha frente. Eu queria cuspir em seu rosto de tamanha a minha repulsão.
“Espere, Lua, deixe-me explicar” ele começou mas eu cheguei à conclusão de que jamais gostaria de escutar uma palavra sequer vinda daquela boca.
“Seja feliz, Benjamin” falei simplesmente e dei as costas novamente.

Comecei a vagar por aquelas ruas movimentadas do centro da cidade.
Eu ainda estava incrédula. Certo, eu queria terminar tudo, mas não dessa maneira. Eu preferia não ter visto aquilo. Eu preferia não ter sido duplamente apunhalada. Mas estava tudo finalmente acabado, não estava?
Agora eu poderia tirar um peso das minhas costas e colocar um mais carregado.
Coloquei as mãos dentro dos bolsos do meu moletom e senti minha raiva passar à medida que eu andava. Não havia nada que eu pudesse fazer sobre aquilo. O que estava feito, estava feito, não tinha como mudar. Mais um sonho despedaçado.

Prefiro pensar que era para acontecer. Simples assim.
As coisas não acontecem por acaso... Para tudo há uma razão...

Não sabia onde eu estava. Talvez a umas dez quadras do colégio. Ou mais. Ou menos. Agora, somente a decepção era minha companheira. Ela andava lado a lado comigo.
Olhei em meu relógio de pulso e ele marcava uma e quinze da tarde. Eu não iría almoçar, não estava com um pingo de fome. Depois inventaria alguma desculpa para me justificar com Marry.
Resolvi continuar com minha caminhada.

Só realizei onde estava quando comecei a ver o movimento de carros diminuir e o asfalto ser substituído por pedregulhos.
Eu havia andado esse tanto mesmo?
Estava chegando perto do Cegran Lake, o lago que corta a cidade de Bolton. Eu realmente havia ido longe.

Andei pela trilha que dava direto ao lago, e uma sensação de alivio me invadiu no imediato momento em que eu adentrei aquele parque.
Eu sabia o porquê de estar lá. Minhas pernas me levaram automaticamente.
Desde que me entendo por gente e aprendi a andar sozinha pela cidade, o Cegran Lake se tornou meu abrigo após meus conflitos ao longo da vida. Depois de brigas com Marry, aquele lugar sempre era minha parada obrigatória.

Havia um enorme gramado em torno do lago, onde havia bancos espalhados em todo canto e os casais se sentavam e trocavam caricias. Talvez aquela não fosse à imagem que eu gostaria de ver naquele momento.
Também havia pessoas espalhadas pelo gramado, algumas lendo debaixo das sombras das arvores, outras faziam animados piqueniques.

Caminhei até a beira do lago e ali me sentei. Eu escutava o murmúrio das pessoas ao meu redor e o canto dos patos a minha frente, mas o eco na minha cabeça era maior. Nem sabia ou entendia o que rolava ali de tão anestesiada que eu estava.
Passaram-se dez, vinte, trinta minutos, não tinha a mínima idéia, tentando apenas montar aquele quebra-cabeça que havia se formado em minha mente, mas a presença de alguém ao meu lado me despertou. Não me dei ao trabalho de ver quem era, não me importava.

Fechei um pouco os olhos, protegendo-os dos feixes de luz que refletiam no lago a minha frente, e apertei os joelhos contra meu corpo, fazendo-os de encosto para minha cabeça.
“Dia difícil?” escutei essas palavras vindas da pessoa ali do meu lado. Inevitavelmente arregalei meus olhos.
“O que você está fazendo aqui?” perguntei visivelmente assustada ao ver quem era. Fernando Roncato. Por que ele tinha essa mania de aparecer do nada nos lugares?
O vi virar a cabeça em direção ao lago, de modo que a luz do sol batia em seu rosto e deixavam seus olhos mais claros que o normal. Ele os fechou um pouco.
“Eu gosto de vir aqui. Sempre venho” ele disse simplesmente.
“Eu sempre venho aqui. Nunca te vi” o desmenti. E era verdade. Eu venho a esse parque há muitos anos e jamais havia visto Fernando ou qualquer um dos meus amigos ali. Talvez eles nem soubessem da existência daquele lago.
“Você nunca me percebeu. É diferente” continuou ele sinuoso, com um tom divertido em sua voz e um pequeno sorriso em seus lábios. Fiquei um pouco envergonhada. Seria verdade? “Mas eu sempre te percebi aqui. Você sempre fica sentada aqui, e eu sempre fico sentado ali” ele apontou para uma árvore a uns três metros de onde estávamos. “Você sempre chega batendo os pés de raiva, algumas vezes chega a arrancar alguns cabelos antes de sentar...” Fernando continuou com aquele tom divertido e seu sorriso agora era menos discreto e minha vergonha era maior. “Daí tem vezes que você se espalha no chão e começa a chorar. Sabe, teve um dia que você soluçava tanto que pensei em ir até você e perguntar se estava tudo bem, mas fiquei com medo de apanhar...” ele finalmente virou seu rosto para mim, e somente um lado de seu rosto estava iluminado, dando realce aos seus cabelos castanhos
“Me desculpe por nunca te perceber aqui... Na verdade nunca percebo ninguém...” ri nervosa, vendo-o soltar um riso abafado. “Normalmente quando venho, é porque algo de ruim aconteceu... Como você disse, um dia difícil...” olhei para frente, evitando o par de olhos de Fernando sobre mim, me questionando silenciosamente.
“É, eu percebo isso... Você sempre está tensa quando vem aqui...” de relance, o vi desviar seu rosto para frente também. “Se quiser conversar, estou aqui...”
Nada respondi. Mantive o silêncio entre nós. Eu não queria conversar sobre aquilo, preferia esquecer, apagar todos os flashes de hoje da minha cabeça. Nunca mais ter que lembrar desse dia.
Mas quem sabe, se eu desabafasse com alguém, aquela angustia que amarrava meu peito não passasse? Mas conversar com Fernando? Não seria mais cabível conversar com Mel, minha melhor amiga?
“Benjamin é o ser mais desprezível que eu já conheci!” vomitei as palavras de uma vez. Eu não agüentaria guardar aquilo só para mim. Eu precisava descontar minha raiva em alguém. Eu continuava a olhar em direção ao lago, e vi Fernando prestar atenção em mim. Continuei. “Todo esse tempo ele estava com Flávia! Com a Flávia! Dá para acreditar? Agora tudo faz sentido! Agora sei porque ela estava tão agressiva comigo! Eu supostamente estraguei o romancezinho entre ela e Benjamin! E a otária aqui acreditando que ele poderia sentir algo por mim, que um dia casaríamos e formaríamos uma família? Olhe o quão ridícula eu sou! Nunca fui tão humilhada na vida quando vi os dois se beijando!” falei tudo tão rapidamente que não sabia se Fernando entendera uma palavra do que eu disse. Bufei e segurei meu rosto com as duas mãos, envergonhada tanto com o meu surto, quanto a admissão do meu próprio fracasso. Não escutei nada vindo de Fernando, talvez ele não tivesse entendido bulhufas do que eu havia dito...
“Até que enfim...” ele disse vagamente, olhando novamente para o lago.
“O que disse?”
“Até que enfim você descobriu” ele repetiu, agora acrescentando algumas palavras e me deixando chocada. Até que enfim eu descobri? Isso quer dizer que ele sabia que eu era uma otária e não havia me contado?
“Você sabia?” eu falei em um tom mais alterado, meu rosto expressava a minha fúria. Ele concordou silenciosamente, aumentando ainda mais a minha raiva.
“VOCÊ SABIA QUE BENJAMIN ME TRAÍA COM UMA DAS MINHAS MELHORES AMIGAS E NÃO ME DISSE NADA? O QUE É? ERA ENGRAÇADO ME VER COM CARA DE PALHAÇA APAIXONADA E O VER FINGINDO ENQUANTO SAÍAMOS?” me levantei bruscamente e comecei a gritar em pleno parque. Todos me encaravam como se eu fosse louca, mas naquele momento eu não estava me importando muito.
Fernando continuava sentado, com aquela expressão tranqüila no rosto que estava me irritando profundamente. “QUE É, NÃO VAI ME RESPONDER? VAI ME DEIXAR PARECENDO UMA LOUCA CONVERSANDO SOZINHA?” o sacudi e então ele me olhou sério.
“O que você queria que eu fizesse, Lua? Era você quem namorava Benjamin, não eu. Eu pelo menos sabia muito bem como ele era, mas você estava cega demais para enxergar quem era o verdadeiro Ben Suede” Fernando disse friamente, agora sem me encarar.
“E você achou que seria certo me deixar cega esse tempo todo? Que grande amigo você é!” continuei no mesmo tom agressivo, agora mais irritada do que nunca com o modo que ele apresentava os fatos. Então, bruscamente, ele se levantou e ficou de frente para mim. Muito perto de mim.
“Amigo? Quem é que sempre fez questão de deixar claro que nós nunca fomos amigos? Eu, Lua? Huh? Não que eu me lembre!” Fernando respondeu rispidamente, no mesmo tom irritado que eu. Admito que me assustei, jamais vi Fernando alterado daquela maneira. Acho que talvez eu tenha passado dos limites e descontado minha raiva em cima dele... Não importava, a discussão já estava em andamento. “E eu pensava que você era esperta o suficiente de descobrir por si só” ele disse, como se finalizasse nosso bate-boca. O vi dar as costas para mim, mas eu não o deixaria partir assim. Eu precisava de respostas!
“Desculpe a decepção, Roncato, mas eu nunca fui esperta o suficiente! Eu sempre fui essa otária e ingênua que acredita em cada palavra dita por todos! Já que você se julga tão esperto, não pense que todos têm que ser como você!” falei assim que o puxei pelo braço, fazendo-o virar de frente para mim. Acho que o deixei sem palavras, já que ele ficou alguns instantes sem dizer nada. Eu estava tão tensa que minha respiração saia em pesada, e meu peito movia-se rapidamente.
“Me desculpe. Eu não devia ter dito isso” ele disse vagamente. Não me encarava, olhava para os próprios pés, deixando alguns fios de sua franja caírem sobre sua face.
“Não. Você tem razão” e ele realmente tinha. Eu deveria ter prestado atenção nos sinais, que estavam tão óbvios e estampados na minha cara.
“Não, não tenho! Benjamin é um ótimo ator, Lua. Qualquer um acreditaria nele. Na verdade, todo mundo acredita. Eu sou o único que sabia do caso dele com a Flávia, Luinha, mas somente porque os flagrei um dia desses. Na verdade, faz um bom tempo. Por isso fiquei tão assustado quando descobri que ele havia te pedido em namoro, pois eu sabia que ele ainda estava com a Flávia...” Fernando disse, agora encarando novamente o lago, enquanto eu o olhava apreensiva. “Não pense que eu não te contei porque queria a ver sofrer ou algo do gênero. Nunca!” ele, agora, me encarava com avidez. “Se eu pudesse, teria te contado no primeiro segundo depois dele ter a pedido, mas eu não podia, Luinha. Simplesmente não podia!” Fernando parecia agoniado, vi que seus punhos estavam fechados com voracidade, mostrando sua inquietude.
“Por que não?” havia uma curiosidade e nervosismo na minha voz, e eu implorava para que ele continuasse. Fernando balançou sua cabeça, movendo seus cabelos juntamente.
“Benjamin pode se tornar muito perigoso e ambicioso quando se trata de algo que ele quer, Luinha. Quando ele quer algo, ele simplesmente consegue. Está na natureza dele, na educação que os Suede o deram. Como ele sabia que eu estava ciente do romance dele com a Flávia ao mesmo tempo em que ele mantinha um com você, ele fez questão de ter certeza que eu manteria minha boca fechada. E o jeito que ele conseguiu fazer isso, foi me ameaçando...” a cada palavra que Fernando dizia, mais chocada que ficava. O olhei apreensiva, pedindo para que continuasse. Ele o fez. “Ele ameaçou fechar o bar do meu pai... Você sabe que Benjamin é muito convincente, e ainda mais tendo o pai como prefeito, eu sabia que ele seria capaz de fazer isso se eu dissesse um pio à você. Eu não poderia me arriscar, Luinha. Aquele bar é tudo para o meu pai desde que a minha mãe faleceu. É a vida dele, a única válvula de escape que ele tem para esquecer de tudo à volta dele. Você não imagina o quão feliz ele fica ao acordar e saber que vai para lá, e o quão triste ele fica ao sair...” Fernando tinha um tom de voz incrivelmente infeliz, a cada palavra dita eu sentia meu coração apertar. Ele não olhava diretamente para mim, nem sabia se ele estava conversando comigo ou se estava pensando alto.

Um sentimento muito forte percorreu todo meu corpo, um sentimento de proteção, de amparo... Eu não poderia deixá-lo naquele estado... Como eu era egoísta de pensar somente em mim, de acusá-lo injustamente e pensar que tudo estava tão ruim sem me realizar o quão banal aquilo parecia ser perto das coisas que Fernando dissera...
O sentimento protecionista dentro de mim eclodiu, e de repente eu vi minha própria mão indo de encontro à do garoto. Ele ainda tinha seu punho fechado ferozmente, mas assim que ele sentiu o toque de minha mão, pareceu relaxar os músculos. Ele ainda não me olhava, continuava a encarar o nada com uma feição tristonha... Então eu entrelacei os nossos dedos sinuosamente, do modo mais delicado possível, a fim de mostrá-lo que eu estava ali para ajudá-lo no que fosse preciso. O senti apertar minha mão com cuidado, como se aquilo fosse uma resposta...
“Desculpe-me por esconder isso de você, Luinha...” vi Fernando fechar seus olhos fortemente, enrugando sua testa como se forçassem-nos a se manterem fechados. “Você não tem idéia do quanto eu me martirizava a cada dia que o via te tratar como princesa, mas no fundo era tudo puro interesse... Me doía tanto te ver com aquele sorriso imenso perto dele, enquanto ele não merecia nem um aperto de mão vindo de você... Por favor, diz que me perdoa...” ele mantinha os olhos fechados e sua voz estava rouca. Eu pensei que ele poderia chorar ou desabar a qualquer momento... Não havia o que se perdoar. Eu é quem deveria estar pedindo desculpas pelo meu cego egocentrismo!

[coloquem essa música para tocar agora]
“Eu é quem te peço desculpas pelo modo como falei com você, Fernando...” falei baixinho, olhando envergonhada para os meus próprios pés. Senti os dedos dele acariciarem minha mão. Naquele momento, eu me sentia aliviada... Sentia que o mundo havia saído de cima de minhas costas e não havia mais nada ao nosso redor.
“Por favor, apenas diga que me perdoa...” ele falou no mesmo tom, olhando-me nos olhos finalmente. Percebi que estes estavam vermelhos e intensos e eu não conseguiria encará-los por muito tempo...
“Eu perdôo...” respondi tão vagamente que quase não me escutei.
Vi um sorriso singelo brotar em seus lábios e sem que eu mandasse, um apareceu nos meus também.
Vi sua mão livre se levantar lentamente, e a senti encostar-se a meu rosto. Foi inevitável fechar meus olhos assim que ele começou a acariciar carinhosamente uma de minhas bochechas. O sorriso modesto ainda estava estampado na minha cara, e eu sentia que a qualquer momento ele poderia aumentar.
Fernando levou sua mão até meus cabelos e colocou alguns fios de minha franja atrás da orelha. A cada toque seu, eu sentia minhas pernas bobearem, sentia minhas mãos pingarem de nervosismo, sentia meu estômago revirar dentro de mim... Eu não ousei abrir meus olhos e dar de cara com os dele, eu sabia que não agüentaria vê-los tão de perto...
Mas pude sentir que ele se aproximava à medida que podia escutar sua respiração pesada. Chegou a um ponto em que eu podia senti-la bater contra meu próprio nariz, e no mesmo instante pensei que iria desmaiar de tão entorpecida... O cheiro dele me invadiu, fazendo-me questionar o porquê de ainda conseguir estar de pé.
Agora, suas duas mãos estavam concentradas em meu rosto e sua testa se tocou com a minha, assim como nossos narizes.
Eu simplesmente me deixei levar pelo momento. Talvez eu estivesse um pouco frágil demais, carente demais, entorpecida demais... Irracional demais...
Por alguns instantes eu esquecia quais eram os movimentos que eu deveria fazer para poder respirar, pois o ar que entrava dentro dos meus pulmões, saía totalmente desordenado e descompassado.
Isso tudo piorou no momento em que senti seus lábios quentes tocarem minha bochecha esquerda. E piorou um pouco mais quando ele tocou a direita. E gradativamente quando tocaram minha testa.
Inconscientemente, levei minhas mãos até às dele, segurando-as com firmeza, mas sem tirá-las do lugar. Apenas movi uma sutilmente de encontro com meus lábios, de modo que pude dar alguns leves beijos sobre a mesma, enquanto sentia sua respiração ficar mais pesada ao longo dos segundos.

De repente, elas se afastaram de mim, mas as senti sendo apertadas ferozmente contra minha cintura, no mesmo tempo em que senti meu corpo sendo pressionado contra o de Fernando. Imediatamente envolvi sem pescoço com meus braços e afundei meu rosto em seu pescoço, inalando o máximo de seu cheiro que eu conseguia.
Senti seu nariz encostar de leve em minha bochecha e sua boca se aproximar de minha orelha, me fazendo arrepiar a cada milésimo. E então, escutei sua voz soar como canção bem perto de mim, dizendo:
“Eu sempre vou estar aqui, Luinha... Até mesmo nos dias em que você não me perceber...”



Continua...

6 comentários:

  1. Ok, ok.. Morri, ressuscitei, morri de novo e ressuscitei de novo para comentar esse cap.. Oq falar dessa PERFEIÇÃO? A cada palavra meu coração acelerando como se eu estivesse na web! Nossa essa web é linda demais.. Fiquem sem palavras e fôlego com esse cap.. PARABÉNS eternos!

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    1. vou mostrar esse comentário para a dona ela vai amar :D

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  2. Esse capitulo se superou, eles vão ficar juntos ?! Contaaa por favor! A menina tem.twitter ? Quero parabeniza-la !

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