Capítulo 7
Fui correndo em direção ao jardim da minha casa, passando
apressada por entre os arbustos que contornavam o passeio. A saia do meu
vestido insistia em voar, e eu segurava inutilmente sua aba para que
não mostrasse algo indescente. Abriram os portões assim que eu me
aproximei, e eu acenei à Hank, o porteiro, indo finalmente em direção ao
Pontiac parado em frente à minha casa. Ben estava encostado na porta
onde eu entraria, e sorriu abertamente quando eu me aproximei. Faziam no
mínimo, sete dias em que eu não o via, entao a primeira reação que tive
foi pular em seu pescoço. Suede retribuiu meu abraço, me tirando alguns
centímetros do chão.
No momento em que senti meus pés em terra
firme, senti os lábios de Benjamin tocarem os meus, no mesmo tempo em
que eu sentia minhas pernas cambalearem. Ele sorriu no meio do beijo e
se afastou, acariciando meu rosto.
“Saudades de você, linda...” ele
disse num sussurro, analisando cada parte do meu rosto. Não pude deixar
de sorrir e dar-lhe um selinho. “Muita saudade...” falei brincando com
seus dedos que estavam entrelaçados nos meus.
“Adoro quando você fica
assim... Sem jeito” Ben disse com um sorriso no canto da boca, e
colocou sua mão em meu queixo me fazendo encará-lo. Sorri envergonhada e
senti minhas bochechas estúpidas corarem.
“Vamos?” falei finalmente para acabar com aquele clima embaraçoso. Ben concordou e abriu a porta para que eu entrasse.
“Tenho
algo pra você” disse ele após dar partida no carro. Esticou o braço ate
os bancos de trás, sem tirar a atenção da rua, e colocou um pedaço de
papel em cima do meu colo.
“O que é isso?” perguntei confusa e o
sorriso em seu rosto aumentou de tamanho, mostrando todos seus dentes
branquíssimos e impecáveis.
“Leia!” Ben disse empolgado e eu tive que
rir da cara que ele fez. Voltei meus olhos para o papel em meu colo.
Até que meu queixo caiu ao ver as letras impressas ali. Olhei com uma
expressão de choque e raiva ao mesmo tempo, e vi o sorriso enorme no
rosto de Benjamin, que começou a gargalhar assim que viu meu rosto.
“Sabia
que essa seria sua reação!” ele disse tranqüilo em meio de gargalhadas,
e tive vontade de estapeá-lo. Só não o fiz por medo dele perder o
controle do carro e eu morrer antes de ter ido em um show do Elvis.
“Como
você fez isso comigo, Benjamin Suede?” gritei histérica e esfreguei o
panfleto em seu rosto, e ele continuava a gargalhar. “HUH? PARE DE RIR,
ISSO NÃO TEM GRAÇA!”
“Na verdade tem sim!” não agüentei, tive que começar a bater naquela cara perfeitamente irritante.
“Eu
NUNCA vou participar do Dancing Days! NUNCA! Ilusão da sua mente em
pensar que eu participaria! Trate de anular esse contrato pois eu JAMAIS
VOU PARTICIPAR DESSE CONCURSO!” continuei a gritar e tinha certeza que
eu estava parecendo uma louca. Mas como não ficar? Benjamin simplesmente
havia nos inscrito no MAIOR concurso de dança da região. O MAIOR! Quais
eram as possibilidade da gente ganhar? E o pior, nem no meu pior
pesadelo eu gostaria de me ver dançando em frente a milhares de pessoas!
Dançar era algo muito pessoal para mim, poucas pessoas sabiam que eu
dançava, nem mesmo minha mãe sabia desse detalhe da minha vida! E se
soubesse que eu iria participar de um concurso como esse, eu poderia
esquecer toda a minha vida social e pessoal!
“Você vai sim, e eu não vou anular. Você sabe que tem potencial, Luinha!” ele disse convicto e tive vontade de socá-lo.
“Que
potencial, Suede? Huh? Eu danço por diversão, nem profissional eu sou!”
falei mais calma agora, tentando mostrar argumentos racionais para
fazê-lo desistir dessa idéia maluca.
“É por isso que estamos indo ao
Block Dancing. Nossa jornada de treinos começa HOJE!” Ben continuou
animado, e confesso que sua animação me contagiou um pouco. UM POUCO!
Ben
estacionou o carro em frente ao letreiro chamativo da danceteria que eu
já começava a me familiarizar. Desceu e rapidamente abriu a porta do
carro para que eu saísse. Me deu a mão e fomos correndo em direção à
bilheteria cheia de pessoas. Suede estava impacientemente empolgado, já
que ficava na ponta dos pés a fim de ver se nossa vez estava chegando.
Hora ou outra gritava palavras feias às pessoas que se demoravam em
frente à bonita atendente da bilheteria. Após longos e engraçados cinco
minutos, nossa vez chegou e Ben comprou rapidamente nossos ingressos,
nem ao menos esperando pelo troco.
Ele pegou em minha mão novamente e
me arrastou correndo danceteria à frente. Aquelas luzes coloridas
invadiam meus olhos e me deixavam intensamente animada. Tanto quanto
Benjamin.
O garoto me olhou e gargalhou, voltando a correr em
direção à pista de dança. Eu já conhecia algumas pessoas por ali, entao
cumprimentei-as ao longo do caminho. Gritei assim que Johnny B. Goode
começou a tocar. Dei até alguns pulinhos ridículos. Ben me colocou no
ar, me girando por alguns segundos até que me colocou no chão e
começamos a dançar um animado Boogie Woogie. [N/a: se imaginem dançando
desse jeito, hein garotas! E ignorem a musica do vídeo e se concentrem
na musica do Elvis.]
Um circulo foi formado ao nosso redor, e até a
vergonha pareceu desaparecer por completo. A dança com certeza supera a
sensação que o tênis me proporciona. Ali, naquela pista de dança, tudo
parece desaparecer e eu sinceramente me sinto no céu. Não existe luzes,
fumaça, ou muito menos pessoas ao nosso redor. É somente eu, Benjamin e
nossos pés. E obviamente Elvis Presley para aumentar o calor dentro de
mim, dando a motivação necessária para que meus pés se movimentem
sozinhos em sincronia perfeita.
Eu deixava Ben me conduzir, e os gritos e aplausos das pessoas era vagamente escudados por mim.
Eu sorria do modo mais empolgado possível, e via Ben gargalhar e fazer caras e bocas enquanto dançava tão perfeitamente.
Eu
não me sentia cansada apensar da minha respiração estar falha. Eu
poderia ficar dançando pelo resto da minha vida sem reclamar.
Mas
infelizmente, a musica foi ficando cada vez mais vaga, até um ponto em
que meus pés pararam de sapatear e as pessoas começarem a aplaudir
calorosamente. Meu sorriso já era aberto e descarado, e eu apertava a
mão de todos que vinham nos cumprimentar.
Joguei meus cabelos para
frente e voltei a cabeça ferozmente para traz, de modo que um pouco de
vento passasse pela minha nuca e o calor esvaziasse um pouco.
Ben me
olhou após as pessoas começarem a ir para seus devidos lugares e nos
deixarem sozinhos. Ele sorriu e veio ao meu encontro, me abraçando
fortemente. Foi aí que Can’t Help Falling in Love invadiu o local com
sua perfeita melodia, me fazendo envolver o pescoço de Ben com meus
braços. Nossos pés se movimentavam lentamente, de acordo com os acordes
da música calma. Aquela definitivamente era a musica mais perfeita de
todo o universo e era a que mais me tocava. Fechei os olhos a fim de
digerir cada palavra cantada naquela poesia.
As mãos de Ben envolviam firmemente minha cintura, e seus lábios estavam grudados em meu pescoço.
Desde
quando eu escutei aquela musica pela primeira vez, eu senti cada osso
do meu corpo se despedaçar e meu coração acelerar descompassado. Após
saber cada palavra de cor e salteado, eu cheguei a uma conclusão. É
sempre difícil saber quando realmente estamos apaixonados. Nosso coração
pode acelerar por muitas pessoas, mas ele apenas bate para uma. Podemos
ter milhares de paixões ao longo de nossa existência, mas ter um amor,
acontece apenas uma vez. Sua respiração pode ficar falha perto de
qualquer pessoa, mas somente uma pode fazê-la parar sua respiração e
fazê-la voltar ao mesmo tempo. Saber diferenciar esses e tantos outros
critérios de um apaixonado, é difícil.
Entao, eu apenas saberei a
diferença entre o amor e a paixão, quando essa musica tocar e eu poder
afirmar que sinto cada palavra tocada nela. Então, no segundo em que
escutei os primeiros acordes da musica, meu corpo todo ficou estático.
Fechei meus olhos e deixei que ela conduzisse meu coração. Inspirei
profundamente, enchendo meus pulmões de ar e esperança, esperando para
que meu coração quisesse saltar por entre minhas costelas, esperando o
ar ser tirado de mim, sentir tudo o que era expresso no que eu ouvia.
Entretanto,
me senti surpresa no momento em que nada senti. Nada de pernas
cambalearem, nada de tremedeiras ou suadouros, nada de respiração falha
ou coração acelerado. Abri meus olhos bruscamente, e sem pensar afastei
alguns centímetros de Ben, encarando-o profundamente nos olhos e
esperando sentir algo. Eu só podia estar errada, meu cérebro só podia
estar pregando alguma peça comigo.
Mas nada aconteceu. Eu continuava indiferente enquanto a musica tocava e Ben começou a me encarar confuso.
“O
que aconteceu, Luinha?” ele me perguntou com um tom de preocupação em
sua voz. A musica acabou, e Elvis deu lugar à estrondosa voz de Chuck
Berry.
“Nada...” falei absorta em pensamentos. “Não aconteceu
absolutamente nada...” continuei mais para mim mesma do que para ele.
Ben concordou com a cabeça e voltou a me abraçar. O que isso significou
afinal? Tudo o que eu sentia – ou achava que sentia – por Benjamin era
pura invenção de uma aliança entre meu cérebro e meu coração?
Após
alguns longos e torturantes minutos, Ben me levou em direção ao bar e
pediu alguns drinks para nós dois. Assim que eles chegaram, o verdadeiro
propósito de eu ter saído com ele veio à minha cabeça. Toda a cena da
briga com Flávia me veio à cabeça, juntamente com a sua frase
intrigante.
“Ben, Flávia e eu tivemos essa briga...” comecei enquanto
ele tomava enormes goles de seu whisky. “Ela estava agindo de modo
muito estranho comigo, até que eu perguntei-a o que havia de errado e
ela me disse para perguntar a você...” falei distraída, e no final da
minha frase, vi Benjamin engasgar com o liquido que tomava. Me levantei
bruscamente do banquinho e fiquei muito próxima à ele, dando leves
tapinhas em suas costas a fim de ajudá-lo. Aos poucos foi voltando ao
normal.
“Você está bem?” perguntei quando suas tosses cessaram. Ben
concordou freneticamente com a cabeça e ficou em silencio enquanto eu
ainda o encarava a procura de respostas. Arqueei uma sobrancelha quando
percebi que nada ele iria responder. “E entao? O que acha?” falei
finalmente. “O que eu acho?” ele se virou chocado para mim. “Eu acho que
sua amiga é uma louca!” adiantou ele frenético.
“É... Essa é a minha
hipótese...” falei distraída. “Mas o jeito como ela me disse para
perguntar a você foi muito estranho...” continuei ao mesmo tempo
desconfiada e pensativa. Eu não tinha certeza nenhuma de tudo o que
estava acontecendo, e tudo começava a ficar cada vez mais confuso e
intrigante para mim.
“Err... Acabei de me lembrar, os pais do Arthut
deram aquelas viagens estranhas e a casa está solitária, entao ele está
dando uma daquelas festas... O que acha de irmos?” ele disse do nada, já
se levantando do banco estofado. Antes mesmo de escutar o meu ‘sim’,
ele já me arrastava pelo salão, indo em direção à saída.
Devo
dizer que o trajeto até a casa do Aguiar, que era do outro lado da
cidade, foi um tanto quanto tensa. Talvez fosse só coisa da minha
cabeça, e após a briga com Flávia eu havia ficado paranóica, maluca ou
algo do tipo. Primeiro, as estranhas sensações perto de Fernando
Roncato. Segundo, escuto a música-trilha-sonora da minha vida com o
suposto-homem-da-minha-vida e nada sinto. Terceiro, após comentar sobre a
tal briga-causadora-da-minha-insanidade, meu namorado começa a agir um
tanto quanto estranho. Sacudi minha cabeça, tentando espantas aqueles
pensamentos fantasmas da minha mente. Respirei fundo e vi que Ben me
observava pelo canto do olho.
Comecei a encarar a rua cintilante à
nossa frente, até que reconheci a rua dos Aguiar e o típico movimento em
frente à sua casa. O carro foi parando devagar, e Ben estacionou o
Pontiac entre dois outros carros. Como de costume, ele veio em minha
direção e abriu a porta para mim, pegando em minha mão e me conduzindo até à casa gigante do Arthut. Ben não soltou
minha mão nem por um segundo enquanto costurávamos o amontoado de gente
dentro do que antes era a sala de estar da casa. Sabíamos exatamente
aonde os outros estaríamos, na piscina, e foi para lá que fomos.
Avistei Melzinha de longe, entao soltei-me da mão de Suede e fui correndo em direção à minha amiga.
“Eu não senti...” falei baixo perto de seu ouvido, enquanto nos abraçávamos.
“O que??” Melzinha me perguntou confusa e eu respirei profundamente.
“Escutei
Can’t Help abraçada com Ben e não senti!” disse um pouco mais
desesperada, e tinha certeza que minha amiga entenderia o que eu queria
dizer.
Ela afastou-se de mim, segurando meus ombros em suas mãos. Possuía uma expressão de choque em seu rosto.
“Mas...
Luinha, isso me deixa confusa! Eu tinha certeza que você e Ben eram
algo como almas gêmeas!” Melzinha disse absorta em pensamentos, enquanto
eu também tentava pensar em algo racional para explicar tudo aquilo.
“Mas você não devia se desesperar por isso, quero dizer, é só uma
musica, Luinha!”
“Melzinha, você sabe que não é só uma musica!”
rebati. Ela sabia que era verdade. Aquilo era poesia cantada, a
expressão de um amor puro e verdadeiro, e o que eu mais ansiava era
sentir tudo aquilo descrito na musica. Todos meus amigos sabiam disso.
Melzinha olhou para os próprios pés e sacudiu a cabeça.
Vi Micael se aproximar e pendurar-se em cima de mim.
“O que está havendo?” ele disse animado, alternando o olhar entre Melzinha e eu.
“Luinha
não sentiu nada com Ben enquanto escutava Can’t Help...” Mel disse
fazendo uma cara de reprovação. Micael me fitou assustado.
“Mas eu
jurava que vocês eram almas gêmeas!” ele disse chocado, me fazendo bufar
e rolar os olhos. “Calma Luinha, você ainda vai achar alguém perfeito
como o Elvis...” Borges me deu um beijo na testa e começou a me arrastar
por entre as pessoas, até chegarmos onde todos os outros da turma
estavam.
Chay pulou no meu pescoço assim como Micael havia feito,
depois Arthut veio em minha direção e também me deu um abraço. Olhei
para Fernando.
“Hey...” cumprimentei-o sem jeito e o vi abrir um sorriso no canto de seu rosto.
“Hey...” ele respondeu.
“Eu
tenho algum tipo de doença contagiosa?” ele me olhou confuso. “Porque
todos os outros me abraçam, e você nunca me deu um abraço se quer, em
todos esses anos de amizade?” indaguei-o curiosa. Sempre me senti
incomodada por esse fato. Quero dizer, Roncato é tão meu amigo quanto
Chay, e esse sempre me dá abraços de quebrar todos os ossos. Vi Fernando
abrir e fechar a boda em procura de palavras par se expliquei.
Gargalhei e resolvi tomar uma atitude. Abracei-o. Mas desejei não ter o
feito.
Me senti zonza ao sentir seu perfume instalar em minhas
narinas. Era um perfume tão doce e sedutor ao mesmo tempo. Fernando
hesitou por alguns instantes antes de envolver minha cintura com seus
braços. Devo admitir que o contato de suas mãos com minha pele forrada
pelo tecido de cetim fez cada pelo do meu corpo arrepiar. Foi uma
sensação única e inédita, já que aquela era a primeira vez em seis anos,
que eu e Fernando nos abraçávamos. Senti seu queiro pousar em meu ombro
lentamente, como se ele tentasse de algum modo disfarçar. Senti também
seu nariz chegar bem perto do meu pescoço e respirar profundamente, me
fazendo contrair um pouco já que o ato me fez arrepiar mais ainda.
De
alguma maneira muito, mas muito estranha, meu coração batia de forma
descompassada e acelerada, e esse fato me deixou um tanto quanto
incomodada, me fazendo afastar automaticamente de Fernando. E assim que o
fiz, pude ver a imagem de Flávia à alguns metros de nós, com os braços
cruzados e sobrancelhas arqueadas. O sorriso cínico em seu rosto fez meu
estomago revirar. Balancei a cabeça de forma negativa e sentei ao lado
de Chay em uma das milhares mesas espalhadas ao redor da piscina. Arthut
foi buscar uma batida de morango para mim, enquanto eu tentava
inutilmente me focar no assunto dos meninos ali.
Olhei de relance
para Fernando e vi que ele me encarava, mas que desviou o olhar no
momento em que percebi. Sorri involuntariamente com isso. ‘Como alguém
pode gostar de você? Só algum idiota como o Roncato’.
“Err, Fernando,
posso conversar com você um instante?” me levantei da cadeira e esperei
que Fernando também se levantasse. E ele o fez.
“Claro...” disse ele
me acompanhado. Fui andando até um lugar mais calmo, de preferência sem
barulho. Fomos até o enorme campo de futebol que tinha ali, e nos
sentamos no morrinho que era como uma descida até o campo.
Me contraí
um pouco quando senti um vendo gélido passar por nós, e abracei meus
joelhos a fim de me proteger do frio, já que eu estava com um vestido
tomara-que-caia. Vi Fernando tirar seu casaco branco e colocar sobre
mim, então sorri em agradecimento.“Você não acha estranho nós nos
conhecermos a tanto tempo e nunca termos nos abraçado?” comecei a falar
distraída, olhando para as milhares de luzes espalhadas pela cidade que
podiam ser vistas ali de cima. Escutei um riso abafado sair da boca de
Fernando.
“Eu e você nunca fomos os melhores amigos da turma, Luinha...” ele disse, também encarando a cidade abaixo de nós.
“E
daí? Eu e Arthut também não somos melhores amigos e ele sempre me
abraça” contestei, encarando-o finalmente e arrancando um riso de
Fernando novamente.
“Entao não sei por que...” ele disse vagamente e
virando para me encarar. Mergulhei em seus olhos e pude perceber o quão
profundo e secretos eles eram. Sustentei o olhar a fim de tentar lê-los
de alguma forma, eu morria de curiosidade para poder decifrá-lo,
Fernando sempre foi alguém tão misterioso e calado, você nunca poderia
saber o que ele sentia ou pensava, a não ser que ele contasse a você. E
eu não era sua confidente preferida. As únicas vezes em que conversamos é
quando estamos bêbados. E mesmo assim são algumas trocas mínimas de
palavras absortas e... Bêbadas.
“E ai... Está saindo com alguma
pessoa?” tentei parecer o mais casual possível, sem sucesso obviamente,
já que Fernando me encarava com um pequeno sorriso no rosto, mas eu não
ousava olhá-lo.
“Então agora nos tornaremos amigos? Isso tudo por um
abraço, Luinha?” ele disse irônico tentando inutilmente abafar o riso.
Senti minhas bochechas ferverem, e estava começando a me irritar com
elas.
“Não, é só que... Você sabe, e-eu...”
“Estou brincando,
Luinha” Fernando me interrompeu, rindo freneticamente, me fazendo ficar
ainda mais envergonhada. “Não, eu não estou saindo com ninguém... Quem
eu quero é meio... você sabe, fora do meu alcance” ele disse, olhando
para o mesmo lugar que eu. Soltei um som quase inaudível com minha boca.
‘Só algum idiota como o Roncato’...
“Oh... E quem é essa garota?
Pode me dizer, talvez eu possa ajudar...” falei fracamente, incerta de
cada palavra que dizia. Voltou a me encarar.
“Você não pode me
ajudar...” Fernando disse num sussurro, me olhando tão profundamente que
se eu estivesse em pé, provavelmente cairia.
“Lua?” escutei vagamente alguém chamar por mim em algum lugar do espaço. Era apenas um eco atrás de mim...
“Lua!” parecia que Fernando também não escutava, ou ignorava o chamado assim como eu.
Até
que o borrão de alguém foi formado do meu lado, e o mesmo tocou em meu
ombro, me fazendo acordar daquela realidade louca e totalmente paralela.
“Sim?” falei meio alheia, virando-me para encarar a pessoa.
“Querem que a gente dance...” vi Ben sorrir para mim e tudo começou a ficar mais claro e menos confuso. Esticou a mão para mim.
“Oh, claro...” agarrei sua mão, e entao ele me ajudou a levantar.
“Fernando”
Ben cumprimentou com um aceno de cabeça e percebi a expressão tranqüila
de Fernando se transformar em uma totalmente repreensiva. Suede me
puxou pela mão para longe dali, mas eu não conseguia parar de olhar para
trás, onde Fernando ainda jazia sentado no morro de grama e aos poucos,
sua figura ia ficando desfigurada à medida que Ben me conduzia por
entre as dezenas de pessoas. Entramos dentro da casa dos Aguiar, e fomos
em direção à sala que agora servia de pista de dança. Ben andava com
todo aquele jeito popular [n/a:imaginem como o John Travolta andava todo
convencido em Grease], acenando para todos a sua frente. Até que, assim
como no Block Dancing, fizeram um circulo entre nós, no mesmo tempo que
um Jive começava a tocar todos começavam a bater palmas. Não sei como
todos ficaram sabendo das minhas habilidades dançantes. Eu
particularmente não queria que ninguém soubesse, mas era tarde demais
para fugir agora.
Sorri meio tímida, e pude ver as caras animadas de
Micael, Arthut, Chay e Melzinha, que batiam palmas empolgadíssimos e
gritavam pelo meu nome. Ben pegou minha mão, fez uma referencia para a
‘platéia’ e começamos a dançar. [Se imaginem como o casal de branco :)]
E
como sempre, o mundo desabou aos meus pés, e naquele momento tudo foi
esquecido. A dança era uma terapia, um relaxamento. Melhor que massagens
ou qualquer psicólogo estúpido. Ben me rodava, me fazendo ver os rostos
das pessoas como borrões apenas. Eu não podia deixar de gargalhar e
gritar para as pessoas que pareciam tão animadas quanto eu. Eu sapateava
meus pés e fazia minha saia rodar de forma graciosa. Olhei para
Melzinha e mandei um beijo no ar, e minha amiga pulava toda histérica.
Chay segurava em sua cintura e fazia caras e bocas quando eu olhava para
ele. Micael e Arthut tentavam dançar como nós, arrancando risadas dos
que estavam ali perto. Até mesmo Fernando estava ali, me olhando e
gargalhando a medida que eu também o fazia.
Eu e Ben até arriscamos novos passos, o que levava todos ali ao delírio.
E
depois de longos e suados minutos, a musica acabou a ponto de eu poder
escutar a salva de palmas de cada pessoa ali no recinto. Exceto de uma:
Flávia.
Fernando’s POV
Ela era extraordinariamente
graciosa. Desde o modo como andava a partir do momento que Benjamin a
tirou de mim até os movimentos de seus pés a cada passo seu na dança. Eu
sabia que ela amava dançar, mas nunca contava a ninguém. Aquele sorriso
que ela dava enquanto dançava, era um que ela jamais abrira em qualquer
outra situação. Lua gargalhava de modo tão contagiante que me fazia rir
juntamente.
Sua saia rodava, deixando a mostra o short preto por
baixo de seu vestido. Seus cabelos presos em um coque começavam a
afrouxar e cair sobre seus olhos.
Eu via também que Benjamin se quer
olhava para ela. Estava afim de ver os rostos das garotas e demais
idolatrando-o e nada mais. Mas o que ele não sabia era que Lua tinha
todas as atenções. Que ela era a perfeição e objeto de adoração ali, e
não ele.
Lua ofuscava toda e qualquer pessoa daquele recinto, e isso era fato.
Entao
a musica acabou e a vi soltar os cabelos e jogá-los para frente e para
trás, cumprimentando as pessoas que chegavam para elogiá-la. Ela
conseguiu mais fama dançando em um dia do que eu e os caras que cantamos
há quase um ano.
Mas vi também que ela olhava para mim. Para mim, e
eu não pude conter um sorriso besta se formar nos meus lábios, assim
como nos dela.
As pessoas começaram a se espalhar, e Benjamin
arrastou-a para fora do salão, indo em direção à piscina. Fui até Chay e
nós também fomos até lá.
“Você é demais, Luinha!” Chay gritou abraçando a garota e tirando-a centímetros do chão enquanto ela gritava e se debatia.
“Minha
amiga é uma estrela!” Melzinha a abraçou histérica assim que Chay a
soltou. Ela sorria e agradecia a cada um, respondendo perguntas do tipo
‘Desde quando você dança assim?’
Sentei-me em uma mesa ali perto, vendo todos virem logo em seguida também.
Conversávamos
animadamente sobre o espetáculo que Luinha havia dado enquanto
sentíamos o poder do álcool agir sobre nós. Agir muito em mim,
particularmente. Eu já havia bebido no mínimo, uns dez engradados de
cerveja sozinho. Um orgulho.
Afrouxei dois botões da minha camisa,
vendo Luinha olhar disfarçadamente para mim. Para a má sorte dela, eu
sigo seus olhos a cada movimento que eles dão. A vi corar, coisa que
acho encantadora.
De repente vi sua imagem sumir, já que alguém
sentou-se no meu colo e envolveu seus braços em meu pescoço.
Provavelmente era uma das varias meninas que eu havia beijado aquela
noite, mas levei um susto imenso quando vi os cabelos de Flávia caírem
sobre meu rosto.
“Flávia??” perguntei surpreso, vendo-a dar uma gargalhada, chamando a atenção de todos ali na mesa. Literalmente.
“Hey Roncato” ela disse de um modo sensual, bem perto do meu rosto. Engoli seco.
Vi
Melzinha e Chay se entreolharem e sem querer meus olhos passaram por
Micael. Minhas mãos começaram a tremer quando vi sua expressão confusa e
raivosa ao mesmo tempo. Entao olhei para Ben e Luinha. Ela me olhava
indignada e eu pude ver a decepção em seus olhos. Mas havia algo mais.
Provavelmente era coisa da minha cabeça, apenas imaginação. Mas podia
jurar que vi algumas faíscas de ciúme.
Tentei inutilmente tirar
Flávia do meu colo, e foi ai que Micael empurrou bruscamente sua cadeira
e saiu dali pisando fundo. Tentei tirar os braços de Flávia sobre meu
pescoço, mas ela parecia estar grudada em mim.
Vi Luinha balançar sua
cabeça com uma feição decepcionada. Encarei-a por alguns instantes, mas
ela recusou a sustentar nosso olhar. Saiu da mesa e seguiu os passos de
Micael, provavelmente indo procurar o amigo.
“Luinha!” gritei-a mas
ela fingiu não escutar e apressou seus passos. “Flávia, com licença por
favor?” falei um pouco grosso, mas a garota apenas gargalhou e aproximou
seus lábios até minha orelha.
“Hora de esquecer essa burguesa
mimada, Fernando...” ela sussurrou em meu ouvido, me fazendo parar com
todas as minhas tentativas de tirá-la do meu colo.
Então foi a vez de
Benjamin. Ele teve a mesma reação que Micael, empurrou fortemente a
cadeira e foi pelo mesmo caminho percorrido por Luinha.
“Ela tem o Ben, não precisa de você...” Flávia sussurrou novamente, depositando um leve e quente beijo em minha orelha.
Talvez
já passasse da hora de seguir os conselhos de Flávia sobre esquecer a
Luinha... Tudo aquilo acabava sendo dolorido demais para mim, e eu
estava cansado daquela dor.
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Vamos comentar LuCáticas?