quarta-feira, 15 de maio de 2013

Web Doce Amor

                                Capítulo 31



Looking from a new perspective


Eu lembrava claramente, como se fosse ontem, quando vi na TV a explicação dos médicos sobre o que era a pílula anticoncepcional. Lembrava, porque havia achado sensacional a ideia de ter tal controle sobre o próprio corpo, de poder escolher quando seria a hora certa de ter um bebê. E naquele momento eu me perguntava incessantemente a razão por não ter começado a tomá-la, enquanto esperava pelo exame de sangue que colocaria minha vida de cabeça para baixo – como se ela já não estivesse completamente revirada.
Para falar a verdade, eu estava atônita. Alienada a qualquer coisa à minha volta. Mary estava ao meu lado, segurando minha mão sem dizer uma palavra, e eu simplesmente encarava uma enorme planta ao lado da porta do médico. Ainda não havia conseguido assimilar tudo o que estava acontecendo. Eram informações demais. Minha mente estava sobrecarregada, ameaçando fundir e explodir a qualquer momento, por isso eu me limitava a encarar a planta no intuito de espantar todos os pensamentos que pudessem me atormentar naquele momento. Eu não queria pensar no futuro enquanto eu não abrisse o envelope que o médico me entregaria. Não queria pensar no que faria se eu realmente estivesse grávida, queria simplesmente voltar às horas passadas em que eu pensava no que eu faria com a minha pacata e insignificante vida agora que Fernando havia partido.
Eu não estava preparada para aquilo. Não estava nem ao menos preparada para entrar para faculdade, nem mesmo para o Comitê, imagina para aquilo. Para um filho. Definitivamente não estava. De repente, sem que eu pudesse perceber ou controlar, soltei uma gargalhada estridente, quase maníaca, fazendo Mary se assustar ao meu lado. Ela me encarou como se eu tivesse acabado de ter um colapso nervoso, o que não era inteiramente mentira. Eu estava prestes a receber a notícia que eu teria um filho, enquanto há algumas semanas minha única preocupação era procurar um lugar seguro para que eu e meus amigos pudéssemos acender um cigarro de maconha. Em que minha maior responsabilidade era pintar os cartazes revoltosos do Comitê e gritar praça a fora sobre as injustiças do governo. Em que meu único objetivo era bolar um plano para fugir com meu namorado – que agora se encontrava na Irlanda, em uma guerra. Como eu havia parado naquele escritório esperando pelo resultado de um teste de gravidez? Quando as coisas ficaram mais complicadas do que poderiam?
“Vai dar tudo certo” minha mãe afirmou com certeza, apertando minha mão, e quis rir mais alto ainda por me encontrar naquela situação com ela. Se fosse meses atrás, se eu lhe desse a notícia que estava grávida de Fernando, ela provavelmente sofreria um ataque do coração irreversível. Mas como eu já havia chegado à conclusão, minha vida estava de ponta cabeça e nada, definitivamente nada, era como antes. Eu não tinha mais pai. Não sabia se meu namorado voltaria e agora minha mãe, que eu sempre tanto odiei, havia se tornado a única pessoa que eu jamais imaginei que me acalmaria.
Concordei com um aceno e senti meu coração quase quebrar minhas costelas quando a porta do médico finalmente se abriu, tampando a planta que havia sido meu bloqueio mental até momentos antes. Ele caminhou até mim com uma expressão que beirava a pena, mas tentava manter um sorriso no rosto na intenção de dar uma boa notícia. Eu já sabia o que estava por vir. Já sabia que minha vida nunca mais seria a mesma, e não precisava de um pedaço de papel que me confirmasse aquilo.
Involuntariamente, minha mão foi em direção à minha barriga enquanto o doutor apenas repetia as palavras que rodeavam a minha mente. Eu estava grávida. Era oficial. Eu não podia mais fugir daquilo.
Tudo aquilo seria normal, se a situação não fosse comigo. Era mais do que normal garotas da minha idade ficarem grávidas na época. Eu tinha dezoito anos e, na sociedade, qualquer garota de dezoito anos provavelmente estava casada e esperando o primeiro filho nessa idade. Mas era dessa vida que eu sempre quis fugir. Fugir dos padrões, do que a sociedade machista impunha, do que minha própria mãe impunha. Seria realmente normal. Principalmente se o pai da criança que eu esperava estivesse ali comigo, segurando a mão que minha mãe segurava, escutando aquela notícia que deixaria tantos outros felizes.
Eu ainda não havia decidido meus sentimentos. Eles eram milhares e confusos, se entrelaçavam e viravam uma completa bagunça dentro da minha cabeça. Eu me sentia revoltada por aquilo ser a última coisa que eu iria querer na vida, ansiosa por não saber qual passo dar em seguida, perdida por não ter ao meu lado quem eu mais precisava naquele momento. Não havia ainda espaço para alegria, simplesmente porque eu ainda não havia decidido se aquilo era bom ou ruim. Eu não sabia de mais nada.
Meus movimentos se tornaram completamente automáticos no caminho até a mansão, nem ao menos conseguia responder uma monossílaba para as palavras de conforto que Mary dirigia a mim. Meus pensamentos involuntariamente me levaram a Fernando. Fiquei imaginando sua reação ao receber a notícia se ele estivesse ali. Apertei o papel dentro do bolso do meu casaco e tive a certeza de que ele estaria dando pulos de alegria, diferentemente de mim. Claro que ele iria concordar comigo que seria difícil, mas sei que ele estaria feliz, muito mais feliz do que eu estava naquele momento. Ele já teria o nome na cabeça e me arrastaria a uma loja de roupinhas de bebês. Voltei a me indagar onde estaria. Em algum barco atravessando o Mar da Irlanda, provavelmente, sem a mínima ideia e sem nem ao menos cogitar a possibilidade do que estava acontecendo. Apertei ainda mais a folha em minha mão, desejando desesperadamente por outra carta de Fernando. Eu sabia que ele escreveria assim que chegasse na base do exército inglês na Irlanda, mas a agonia me corroía por dentro, por saber que demoraria semanas, até meses para que uma carta dele chegasse até mim. O que significava que demoraria ainda mais até que eu pudesse dar a notícia, e mais ainda para eu receber uma carta de volta sabendo de sua reação. Eu queria contar o mais rápido possível para que ele tivesse um motivo ainda maior para voltar logo para casa. Para mim. Para nós.
Já em casa, a primeira coisa que fiz foi contar a notícia para Mel por telefone. Sua reação foi de extremo choque, talvez porque ela se colocou em minha posição e realizou o quão complicada aquela situação era. Provavelmente se sentia aliviada por não ter acontecido com ela, e eu não podia culpá-la. Eu não soube responder quando ela me perguntou como eu estava me sentindo ou sobre o que eu faria agora, fazendo com que aquela conversa fosse extremamente silenciosa e tensa. Eu ainda não sabia o que sentia. Sabia o que tinha que fazer, mas não sabia como fazê-lo.
Me joguei na cama e passei a encarar o teto, desejando mais do que nunca que John estivesse ali. Ele saberia o que fazer. Saberia o que falar para desfazer aquele nó que se formava em minha mente e me impedia de pensar com clareza. Ao contrário do que imaginava, não me senti triste ou angustiada com a falta dele. Suspirei pesadamente e fechei os olhos, sabendo exatamente o que ele me falaria. ‘Você é forte. Você consegue fazer isso.’
Batidas na porta me distraíram do turbilhão de pensamentos e então vi Mary adentrar o quarto. Seus cabelos loiros, antes tão sedosos e com penteados espetaculares, agora estavam opacos e desgrenhados. Seu rosto belo, sempre ostentado por maquiagens, estava extremamente magro, complementados por olheiras fundas e rugas que eu nunca vira antes. Sentou-se na beirada da cama e me encarou profundamente.
“Sei que nunca tivemos uma relação saudável e que nunca conversamos sobre isso antes...” ela começou com a voz firme e um olhar maternal que nunca ostentava antes. “Sei que deve estar perdida agora, principalmente por Fernando não estar aqui. Eu te digo, minha filha, você pode nem acreditar. Mas nunca desejei tanto que o pequeno Roncato estivesse aqui.”
Soltei uma risada leve, não só pelo fato de Mary estar dizendo, admitindo tal coisa, mas principalmente por tê-lo chamado do modo como John sempre o chamava. Ela havia soado exatamente como ele.
“O que eu mais me arrependo nesse mundo é ter afastado você de mim. Não sei como isso foi acontecer, quando começou... Sei que sempre tivemos um relacionamento difícil, já que você era a criança mais desobediente que já vi” ela sorriu divertida, me encarando um tanto quanto atônita. Eu ouvia suas palavras com todo cuidado do mundo, sentindo o peso das minhas costas se relevarem um pouco ao ver nossa relação sendo reconstruída. “Sempre fui perfeccionista, mas acho que comecei a ficar obcecada. Eu queria que tudo na minha vida fosse perfeito, desde o meu casamento à minha vida social. Queria ser invejada por tudo o que tinha, por isso, quando você começou a crescer e desenvolver a rebeldia que sempre esteve dentro de você, eu fiquei ainda mais obsessiva. Queria que você fosse como eu, que se preocupasse com status, com as festas de gala, em ser tudo aquilo que a sociedade quer que nós sejamos. Queria arrumar o namorado perfeito pra você, queria que se casasse e cuidasse de sua casa como se fosse seu trabalho, como eu fazia. Mas você nunca foi igual à mim, à nenhuma outra garota dessa cidade. Nunca gostou de brincar de bonecas ou de casinha como as outras crianças, gostava era de ler e escrever poemas que nunca entendi. Você sempre foi esperta demais para que eu a entendesse...” Mary levou as mãos aos meus cabelos, afagando-os carinhosamente enquanto sorria um tanto tristonha. “Eu podia ter tentado entendê-la e a aceitado como é. Todos teriam inveja por eu ter a filha mais inteligente da cidade” riu, levando-me a fazer o mesmo. “Eu queria que você fosse perfeita, Lua, mas você é perfeita. Do jeito que você é. Eu vejo isso agora.”
Suspirei, tentando absorver aquelas novas informações que eram lançadas para mim. Peguei suas mãos finas e frias e as beijei.
“Você não precisa se sentir arrependida. Estamos juntas agora. Tudo é passado. Eu mais do que nunca preciso me focar no futuro, e tudo o que importa é que eu tenho você comigo agora” falei, sentindo minha garganta apertar. Mary deixou escapar uma lágrima e me abraçou.
“Você será uma ótima mãe. Melhor do que eu jamais fui” ela sussurrou.
“Você é uma ótima mãe” respondi simplesmente e, pela primeira vez, eu sabia exatamente como eu estava me sentindo. Eu estava feliz. Estava feliz porque sabia que seria uma ótima mãe. Tinha certeza absoluta disso. O que me fazia voltar ao estado anterior de confusão era saber que, a única coisa que eu não sabia, era quando o bebê que crescia em mim tomaria conhecimento do pai maravilhoso que teria.
Belfast, 17 de Dezembro de 1964
Eu pensei que talvez fosse fácil superar a saudade. Não que eu verdadeiramente conseguisse, mas que seria pelo menos fácil se acostumar com ela. Faz poucos dias que parti, mas já tenho a certeza que ela será minha companheira constante nesses tempos em que ficaremos separados. A primeira coisa que fiz quando cheguei a Belfast foi arranjar uma caneta e um papel, enquanto meus oficiais saíram distribuindo armas. E tudo o que eu queria fazer era escrever para você, numa tentativa de te sentir mais próxima, como se eu estivesse casualmente te contando tudo isso em uma tarde quente no Nonna’s. A verdade é que eu sinto você aqui. O tempo todo. Talvez seja por isso que a saudade ainda não é gritante, porque eu ainda me lembro claramente do cheiro do seu cabelo, daquele brilho único que têm seus olhos, do som da sua gargalhada e do toque dos seus beijos. Dos nossos momentos. Nosso quase primeiro beijo no vale. A vez em que você me ligou para te levar para minha casa quando não aguentava mais morar com Mary e levei alguns murros de Benjamin. O nosso primeiro beijo na festa do sítio. As vezes em que dançamos e esquecemos do mundo. Quando nos deitávamos na grama e encarávamos as estrelas, apenas sentindo a presença um do outro. O modo como você se encaixa perfeitamente em mim quando te abraço, e toda a confusão de sentimentos que você me causa quando encosta seus lábios nos meus. Como você é tão atenciosa e sempre está pronta para me ajudar – e me tirar de confusões. O jeito como me olha, como se eu não tivesse defeitos, sendo que na verdade sou o cara mais imperfeito – principalmente para você. Não me importa os caminhos que te levaram até mim, o que importa é que de alguma forma eu me sinto seu. A complexidade de tudo o que eu sinto, me faz pensar que vivi um milhão de anos ao seu lado, como se fôssemos um casal de velhinhos que se amaram a vida toda. Eu te amo a minha vida toda, desde o primeiro dia que coloquei meus olhos sobre você, sabia que você era tudo aquilo que eu precisava para ser completo. A verdade é que jamais vou esquecer de tudo o que passamos, todos esses momentos tão simples e intensos que vivemos em tão pouco tempo, e independente de quanto tempo passemos separados, essas lembranças continuarão frescas na minha mente até o momento em que nos reencontrarmos, e eu anseio desesperadamente para que esse momento chegue o mais rápido possível. São todas essas lembranças que me dão as forças necessárias para continuar aqui, firme e sem medo. Não vou negar a você, eu tenho medo. Quase o tempo todo. Não nasci para guerras, você mais do que qualquer pessoa sabe disso. Nunca me imaginei pegando em uma arma, muito menos... Se eu não tivesse essas preciosas recordações para me agarrar... Só queria que você soubesse o quão importante é para mim, agora mais do que nunca. Seu olhar me faz esquecer do lugar que estou, seu sorriso me faz ter coragem de levantar da cama e enfrentar qualquer coisa que eu tenha que enfrentar. Saiba que você é a maior motivação para me manter de cabeça erguida e fazer de tudo para te ter em meus braços novamente.
Em todo e qualquer lugar que eu vá, você estará comigo. Sempre. Para sempre.
Eu te amo.
Sinceramente,
Fernando.


**mais 5 capítulos, e acaba :(**
Continua...

2 comentários:

  1. Esses foram os três caps mais chorosos da minha vida =( Nunca chorei tanto nessa web quanto eu tô chorando agora.. Simplesmente lindo e triste td oq está acontecendo e de certo forma estou sentindo uma dorsinha no coração por td isso, estranho né? Uma leitora sentir td que a web descrever, mas é isso oq estou sentindo, como se alguém q eu gostasse mt tivesse partido e eu precisasse dela.. Meu choro vai sessar e td vai melhorar.. Mas o fato de ter apenas mais 5 caps pela frente faz meu coração doer, MUITOOO.. Mas se Deus quiser e essa escritora do mal que está me deixando que nem uma louca chorando desesperada quiser td vai acabar bem.. Esperando os ultimos caps ansiosamente

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