Capítulo 31
Looking from a new perspective
Eu lembrava claramente, como se
fosse ontem, quando vi na TV a explicação dos médicos sobre o que era a
pílula anticoncepcional. Lembrava, porque havia achado sensacional a
ideia de ter tal controle sobre o próprio corpo, de poder escolher
quando seria a hora certa de ter um bebê. E naquele momento eu me
perguntava incessantemente a razão por não ter começado a tomá-la,
enquanto esperava pelo exame de sangue que colocaria minha vida de
cabeça para baixo – como se ela já não estivesse completamente revirada.
Para falar a verdade, eu estava atônita. Alienada a qualquer coisa à
minha volta. Mary estava ao meu lado, segurando minha mão sem dizer uma
palavra, e eu simplesmente encarava uma enorme planta ao lado da porta
do médico. Ainda não havia conseguido assimilar tudo o que estava
acontecendo. Eram informações demais. Minha mente estava sobrecarregada,
ameaçando fundir e explodir a qualquer momento, por isso eu me limitava
a encarar a planta no intuito de espantar todos os pensamentos que
pudessem me atormentar naquele momento. Eu não queria pensar no futuro
enquanto eu não abrisse o envelope que o médico me entregaria. Não
queria pensar no que faria se eu realmente estivesse grávida, queria
simplesmente voltar às horas passadas em que eu pensava no que eu faria
com a minha pacata e insignificante vida agora que Fernando havia
partido.
Eu não estava preparada para aquilo. Não estava nem ao
menos preparada para entrar para faculdade, nem mesmo para o Comitê,
imagina para aquilo. Para um filho. Definitivamente não estava. De
repente, sem que eu pudesse perceber ou controlar, soltei uma gargalhada
estridente, quase maníaca, fazendo Mary se assustar ao meu lado. Ela me
encarou como se eu tivesse acabado de ter um colapso nervoso, o que não
era inteiramente mentira. Eu estava prestes a receber a notícia que eu
teria um filho, enquanto há algumas semanas minha única preocupação era
procurar um lugar seguro para que eu e meus amigos pudéssemos acender um
cigarro de maconha. Em que minha maior responsabilidade era pintar os
cartazes revoltosos do Comitê e gritar praça a fora sobre as injustiças
do governo. Em que meu único objetivo era bolar um plano para fugir com
meu namorado – que agora se encontrava na Irlanda, em uma guerra. Como
eu havia parado naquele escritório esperando pelo resultado de um teste
de gravidez? Quando as coisas ficaram mais complicadas do que poderiam?
“Vai
dar tudo certo” minha mãe afirmou com certeza, apertando minha mão, e
quis rir mais alto ainda por me encontrar naquela situação com ela. Se
fosse meses atrás, se eu lhe desse a notícia que estava grávida de
Fernando, ela provavelmente sofreria um ataque do coração irreversível.
Mas como eu já havia chegado à conclusão, minha vida estava de ponta
cabeça e nada, definitivamente nada, era como antes. Eu não tinha mais
pai. Não sabia se meu namorado voltaria e agora minha mãe, que eu sempre
tanto odiei, havia se tornado a única pessoa que eu jamais imaginei que
me acalmaria.
Concordei com um aceno e senti meu coração quase
quebrar minhas costelas quando a porta do médico finalmente se abriu,
tampando a planta que havia sido meu bloqueio mental até momentos antes.
Ele caminhou até mim com uma expressão que beirava a pena, mas tentava
manter um sorriso no rosto na intenção de dar uma boa notícia. Eu já
sabia o que estava por vir. Já sabia que minha vida nunca mais seria a
mesma, e não precisava de um pedaço de papel que me confirmasse aquilo.
Involuntariamente,
minha mão foi em direção à minha barriga enquanto o doutor apenas
repetia as palavras que rodeavam a minha mente. Eu estava grávida. Era
oficial. Eu não podia mais fugir daquilo.
Tudo aquilo seria normal,
se a situação não fosse comigo. Era mais do que normal garotas da minha
idade ficarem grávidas na época. Eu tinha dezoito anos e, na sociedade,
qualquer garota de dezoito anos provavelmente estava casada e esperando o
primeiro filho nessa idade. Mas era dessa vida que eu sempre quis
fugir. Fugir dos padrões, do que a sociedade machista impunha, do que
minha própria mãe impunha. Seria realmente normal. Principalmente se o
pai da criança que eu esperava estivesse ali comigo, segurando a mão que
minha mãe segurava, escutando aquela notícia que deixaria tantos outros
felizes.
Eu ainda não havia decidido meus sentimentos. Eles eram
milhares e confusos, se entrelaçavam e viravam uma completa bagunça
dentro da minha cabeça. Eu me sentia revoltada por aquilo ser a última
coisa que eu iria querer na vida, ansiosa por não saber qual passo dar
em seguida, perdida por não ter ao meu lado quem eu mais precisava
naquele momento. Não havia ainda espaço para alegria, simplesmente
porque eu ainda não havia decidido se aquilo era bom ou ruim. Eu não
sabia de mais nada.
Meus movimentos se tornaram completamente
automáticos no caminho até a mansão, nem ao menos conseguia responder
uma monossílaba para as palavras de conforto que Mary dirigia a mim.
Meus pensamentos involuntariamente me levaram a Fernando. Fiquei
imaginando sua reação ao receber a notícia se ele estivesse ali. Apertei
o papel dentro do bolso do meu casaco e tive a certeza de que ele
estaria dando pulos de alegria, diferentemente de mim. Claro que ele
iria concordar comigo que seria difícil, mas sei que ele estaria feliz,
muito mais feliz do que eu estava naquele momento. Ele já teria o nome
na cabeça e me arrastaria a uma loja de roupinhas de bebês. Voltei a me
indagar onde estaria. Em algum barco atravessando o Mar da Irlanda,
provavelmente, sem a mínima ideia e sem nem ao menos cogitar a
possibilidade do que estava acontecendo. Apertei ainda mais a folha em
minha mão, desejando desesperadamente por outra carta de Fernando. Eu
sabia que ele escreveria assim que chegasse na base do exército inglês
na Irlanda, mas a agonia me corroía por dentro, por saber que demoraria
semanas, até meses para que uma carta dele chegasse até mim. O que
significava que demoraria ainda mais até que eu pudesse dar a notícia, e
mais ainda para eu receber uma carta de volta sabendo de sua reação. Eu
queria contar o mais rápido possível para que ele tivesse um motivo
ainda maior para voltar logo para casa. Para mim. Para nós.
Já em
casa, a primeira coisa que fiz foi contar a notícia para Mel por
telefone. Sua reação foi de extremo choque, talvez porque ela se colocou
em minha posição e realizou o quão complicada aquela situação era.
Provavelmente se sentia aliviada por não ter acontecido com ela, e eu
não podia culpá-la. Eu não soube responder quando ela me perguntou como
eu estava me sentindo ou sobre o que eu faria agora, fazendo com que
aquela conversa fosse extremamente silenciosa e tensa. Eu ainda não
sabia o que sentia. Sabia o que tinha que fazer, mas não sabia como
fazê-lo.
Me joguei na cama e passei a encarar o teto, desejando mais
do que nunca que John estivesse ali. Ele saberia o que fazer. Saberia o
que falar para desfazer aquele nó que se formava em minha mente e me
impedia de pensar com clareza. Ao contrário do que imaginava, não me
senti triste ou angustiada com a falta dele. Suspirei pesadamente e
fechei os olhos, sabendo exatamente o que ele me falaria. ‘Você é forte.
Você consegue fazer isso.’
Batidas na porta me distraíram do
turbilhão de pensamentos e então vi Mary adentrar o quarto. Seus cabelos
loiros, antes tão sedosos e com penteados espetaculares, agora estavam
opacos e desgrenhados. Seu rosto belo, sempre ostentado por maquiagens,
estava extremamente magro, complementados por olheiras fundas e rugas
que eu nunca vira antes. Sentou-se na beirada da cama e me encarou
profundamente.
“Sei que nunca tivemos uma relação saudável e que
nunca conversamos sobre isso antes...” ela começou com a voz firme e um
olhar maternal que nunca ostentava antes. “Sei que deve estar perdida
agora, principalmente por Fernando não estar aqui. Eu te digo, minha
filha, você pode nem acreditar. Mas nunca desejei tanto que o pequeno
Roncato estivesse aqui.”
Soltei uma risada leve, não só pelo fato de
Mary estar dizendo, admitindo tal coisa, mas principalmente por tê-lo
chamado do modo como John sempre o chamava. Ela havia soado exatamente
como ele.
“O que eu mais me arrependo nesse mundo é ter afastado
você de mim. Não sei como isso foi acontecer, quando começou... Sei que
sempre tivemos um relacionamento difícil, já que você era a criança mais
desobediente que já vi” ela sorriu divertida, me encarando um tanto
quanto atônita. Eu ouvia suas palavras com todo cuidado do mundo,
sentindo o peso das minhas costas se relevarem um pouco ao ver nossa
relação sendo reconstruída. “Sempre fui perfeccionista, mas acho que
comecei a ficar obcecada. Eu queria que tudo na minha vida fosse
perfeito, desde o meu casamento à minha vida social. Queria ser invejada
por tudo o que tinha, por isso, quando você começou a crescer e
desenvolver a rebeldia que sempre esteve dentro de você, eu fiquei ainda
mais obsessiva. Queria que você fosse como eu, que se preocupasse com
status, com as festas de gala, em ser tudo aquilo que a sociedade quer
que nós sejamos. Queria arrumar o namorado perfeito pra você, queria que
se casasse e cuidasse de sua casa como se fosse seu trabalho, como eu
fazia. Mas você nunca foi igual à mim, à nenhuma outra garota dessa
cidade. Nunca gostou de brincar de bonecas ou de casinha como as outras
crianças, gostava era de ler e escrever poemas que nunca entendi. Você
sempre foi esperta demais para que eu a entendesse...” Mary levou as
mãos aos meus cabelos, afagando-os carinhosamente enquanto sorria um
tanto tristonha. “Eu podia ter tentado entendê-la e a aceitado como é.
Todos teriam inveja por eu ter a filha mais inteligente da cidade” riu,
levando-me a fazer o mesmo. “Eu queria que você fosse perfeita, Lua, mas
você é perfeita. Do jeito que você é. Eu vejo isso agora.”
Suspirei, tentando absorver aquelas novas informações que eram lançadas para mim. Peguei suas mãos finas e frias e as beijei.
“Você
não precisa se sentir arrependida. Estamos juntas agora. Tudo é
passado. Eu mais do que nunca preciso me focar no futuro, e tudo o que
importa é que eu tenho você comigo agora” falei, sentindo minha garganta
apertar. Mary deixou escapar uma lágrima e me abraçou.
“Você será uma ótima mãe. Melhor do que eu jamais fui” ela sussurrou.
“Você
é uma ótima mãe” respondi simplesmente e, pela primeira vez, eu sabia
exatamente como eu estava me sentindo. Eu estava feliz. Estava feliz
porque sabia que seria uma ótima mãe. Tinha certeza absoluta disso. O
que me fazia voltar ao estado anterior de confusão era saber que, a
única coisa que eu não sabia, era quando o bebê que crescia em mim
tomaria conhecimento do pai maravilhoso que teria.
Belfast, 17 de Dezembro de 1964
Eu
pensei que talvez fosse fácil superar a saudade. Não que eu
verdadeiramente conseguisse, mas que seria pelo menos fácil se acostumar
com ela. Faz poucos dias que parti, mas já tenho a certeza que ela será
minha companheira constante nesses tempos em que ficaremos separados. A
primeira coisa que fiz quando cheguei a Belfast foi arranjar uma caneta
e um papel, enquanto meus oficiais saíram distribuindo armas. E tudo o
que eu queria fazer era escrever para você, numa tentativa de te sentir
mais próxima, como se eu estivesse casualmente te contando tudo isso em
uma tarde quente no Nonna’s. A verdade é que eu sinto você aqui. O tempo
todo. Talvez seja por isso que a saudade ainda não é gritante, porque
eu ainda me lembro claramente do cheiro do seu cabelo, daquele brilho
único que têm seus olhos, do som da sua gargalhada e do toque dos seus
beijos. Dos nossos momentos. Nosso quase primeiro beijo no vale. A vez
em que você me ligou para te levar para minha casa quando não aguentava
mais morar com Mary e levei alguns murros de Benjamin. O nosso primeiro
beijo na festa do sítio. As vezes em que dançamos e esquecemos do mundo.
Quando nos deitávamos na grama e encarávamos as estrelas, apenas
sentindo a presença um do outro. O modo como você se encaixa
perfeitamente em mim quando te abraço, e toda a confusão de sentimentos
que você me causa quando encosta seus lábios nos meus. Como você é tão
atenciosa e sempre está pronta para me ajudar – e me tirar de confusões.
O jeito como me olha, como se eu não tivesse defeitos, sendo que na
verdade sou o cara mais imperfeito – principalmente para você. Não me
importa os caminhos que te levaram até mim, o que importa é que de
alguma forma eu me sinto seu. A complexidade de tudo o que eu sinto, me
faz pensar que vivi um milhão de anos ao seu lado, como se fôssemos um
casal de velhinhos que se amaram a vida toda. Eu te amo a minha vida
toda, desde o primeiro dia que coloquei meus olhos sobre você, sabia que
você era tudo aquilo que eu precisava para ser completo. A verdade é
que jamais vou esquecer de tudo o que passamos, todos esses momentos tão
simples e intensos que vivemos em tão pouco tempo, e independente de
quanto tempo passemos separados, essas lembranças continuarão frescas na
minha mente até o momento em que nos reencontrarmos, e eu anseio
desesperadamente para que esse momento chegue o mais rápido possível.
São todas essas lembranças que me dão as forças necessárias para
continuar aqui, firme e sem medo. Não vou negar a você, eu tenho medo.
Quase o tempo todo. Não nasci para guerras, você mais do que qualquer
pessoa sabe disso. Nunca me imaginei pegando em uma arma, muito menos...
Se eu não tivesse essas preciosas recordações para me agarrar... Só
queria que você soubesse o quão importante é para mim, agora mais do que
nunca. Seu olhar me faz esquecer do lugar que estou, seu sorriso me faz
ter coragem de levantar da cama e enfrentar qualquer coisa que eu tenha
que enfrentar. Saiba que você é a maior motivação para me manter de
cabeça erguida e fazer de tudo para te ter em meus braços novamente.
Em todo e qualquer lugar que eu vá, você estará comigo. Sempre. Para sempre.
Eu te amo.
Sinceramente,
Fernando.
**mais 5 capítulos, e acaba :(**
Continua...
Esses foram os três caps mais chorosos da minha vida =( Nunca chorei tanto nessa web quanto eu tô chorando agora.. Simplesmente lindo e triste td oq está acontecendo e de certo forma estou sentindo uma dorsinha no coração por td isso, estranho né? Uma leitora sentir td que a web descrever, mas é isso oq estou sentindo, como se alguém q eu gostasse mt tivesse partido e eu precisasse dela.. Meu choro vai sessar e td vai melhorar.. Mas o fato de ter apenas mais 5 caps pela frente faz meu coração doer, MUITOOO.. Mas se Deus quiser e essa escritora do mal que está me deixando que nem uma louca chorando desesperada quiser td vai acabar bem.. Esperando os ultimos caps ansiosamente
ResponderExcluir:) sua linda
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