Capítulo 27
Um novo tipo de música agora agradava meus ouvidos. Não que eu
tivesse esquecido Elvis, ou o substituído do cargo de ídolo da minha
vida. Mas nos últimos tempos, toda a imagem de grande rebelde, inimigo
das boas famílias, o genro que nenhum sogro gostaria de ter, começava a
se desvanecer. Elvis havia sido recrutado para o serviço militar dos
Estados Unidos, e ao invés de servir as Forças Especiais, onde seu
trabalho seria basicamente animar as tropas com suas canções, Elvis
fazia o serviço regular de soldado e ele parecia ter sido proibido de
cantar. Eu tinha até mandado cartas ao Pentágono, exigindo que Elvis
voltasse para os Estados Unidos e voltasse a fazer o que eu tanto amava:
cantar e alegrar meus dias. E mesmo depois que voltou da Alemanha, onde
cumpria seu serviço militar, Elvis não voltou diretamente para a
música. Recebi noticias de que agora ele gravava filmes em Hollywood.
Seria uma boa ver meu ídolo aumentado dezenas de vezes em uma tela de
cinema, mas tão bom quanto era escutar suas canções.
Por essa razão, fui obrigada a me alimentar com um novo vício. Um vício chamado Beatles.
Quatro
garotos – Paul, John, Ringo e George – que eram agora a sensação do
Reino Unido, mostravam a mesma rebeldia que Elvis no começo de sua
carreira, só que eram muito bem engravatados. Eles desde o inicio nunca
esconderam que suas músicas eram influenciadas pelo Rei, e que eram
grandes fãs do mesmo. Mais um motivo para eu escutar suas músicas. Suas
músicas eram um pouco mais animadas e menos melancólicas que de Presley.
Eu estava completamente apaixonada pelos quatro. E já tinha até ganhado um vinil de presente do meu namorado.
Naquele
momento, Fernando e eu dançávamos Roll Over Beethoven – um cover de
Chuck Berry e que, por mais que me doa admitir, era muito melhor cantada
na voz de Lennon – na sala do meu apartamento antes de partimos para a
passeata.
Sacudíamos nossos corpos sem sintonia nenhuma, não nos
importando com o ritmo, apenas inventando passos desconexos de acordo
com a musica animada.
Ele me girava, me afastava e me aproximava de
volta para seu corpo no mesmo segundo, arrancava beijos dos meus lábios e
fingia que ia me soltar no chão, só para me puxar bruscamente para si e
me beijar novamente.
Eu não me sentia tão bem há tempos. A alegria
que emanava de Fernando me envolvia de tal maneira, que era impossível
não rir quando ele soltava uma risada estridente ao inventar um passo
ridículo.
Quando a musica finalmente parou de tocar, nos realizamos
que já passava da hora de irmos à Packard Road, onde eu participaria da
minha primeira manifestação libertadora.
Jovens de todas as
idades, mas também adultos que não pensavam que lutávamos por uma causa
perdida estavam na praça principal da Packard. Havia um grupo mais a
frente com violões na mão, cantando com todos seus pulmões, numa mistura
de alegria e liberdade.
Eu não podia conter o sorriso que alargava
em meu rosto a cada passo que eu dava de mãos dadas com Fernando e meus
amigos mais atrás. Chay já gritava palavras desconexas, Arthur ria
absurdamente com Julian e Micael e Melzinha começavam a pintar suas
faces. Julian me chamou e também me entregou um vidro de tinta vermelha.
As palavras Sem mais guerras estavam pintadas por todo seu rosto.
Abri
o pequeno potinho e, como dedo, comecei a pintar Fernando. Escrevi Paz
em sua testa e fiz um risco vermelho de cada lado em sua bochecha. O
sorriso maravilhoso que surgiu em seu rosto me fez beijá-lo com vontade
e, conseqüentemente, senti meu rosto completamente manchado da tinta que
eu havia pintado sua face. Eu nem precisaria me pintar.
Julian
se posicionou na liderança daquelas centenas de pessoas e começou a
gritar palavras sabias de liberdade, citando autores e bandas ao que
falava. Sua postura de líder era inegável, e a felicidade que reluzia em
seu rosto por fazer parte de um movimento tão revolucionário para a
história de Bolton era incrível.
Afinal, era mesmo revolucionário,
por mais exagero que possa parecer. Bolton sempre fora a cidade pacata,
que nem muito atingida pelas Guerras foi. Todos viviam suas vidinhas
como se o mundo não estivesse se despedaçando lá fora. Isso tinha que
mudar. Não podíamos simplesmente viver em uma bolha e fingir que não
existe nada além de nós. Eu não estava naquela passeata apenas para me
rebelar. No fundo, mesmo sabendo que era praticamente impossível, eu
queria mudar o mundo de alguma forma. Mesmo sabendo que seria reprimida,
que talvez meus gritos jamais chegariam aos ouvidos das autoridades.
Mas não desistiria tão fácil. Eu tinha que fazer minha parte, ou ninguém
mais faria.
Segurei firme a mão de Fernando quando a multidão
começou a se mover em direção à rua. Havia duas pessoas andando com
pernas de pau e cobertas por uma fantasia de soldados e placas
revolucionarias. Cartazes coloridos com pedidos pacíficos e quase
desesperados. Agora não eram apenas os garotos com os violões que faziam
barulhos. Tambores faziam questão de chamar toda a atenção do até então
movimentado centro comercial de Bolton. Os diversos carros agora
paravam, já que começávamos a interditar completamente a larga rua.
We need peace. The world needs peace.
(Precisamos de paz. O mundo precisa de paz)
Nossos
gritos não eram abafados pelas buzinas frenéticas atrás de nós. O que
mais atraia meu fascínio agora eram os rostos incrédulos dos
comerciantes que já saiam das suas lojas para observar os jovens mimados
e delinqüentes gritarem no meio da avenida.
War is not the answer. It never was. It never will be. We should have learned from our past
(Guerra não é a resposta. Nunca foi. Nunca será. Nós devíamos ter aprendido com nosso passado)
Fernando
e Micael ao meu lado cantavam com toda sua fúria, sem se importarem com
o fato de terem um show em um bar da Trafford Square naquela noite.
Tocaremos roucos, se for preciso, foi o que disseram.
A animação de
Fernando me contagiava. Eu sabia que ele estava ali por minha causa, mas
ver que ele estava se envolvendo de verdade me alegrava de uma forma
inexplicável. Abracei sua cintura e passar a escutar seu canto raivoso
mais de perto. Ele envolveu meus ombros e, mesmo não sendo a melhor das
cantoras, juntei minha voz à sua.
How many innocent people will have to die so we can finally realize
(Quantas pessoas inocentes terão que morrer para que finalmente percebamos)
A
Packard agora estava ainda mais cheia, com pessoas além daquelas do
comitê e aquelas contadas antes da passeata começar. Alguns comerciantes
começavam a se juntar a nós, mesmo sendo poucos, mas já era um grande
acontecimento. Os que não tinham coragem apenas acenavam, batiam palmas e
gritavam enquanto passávamos. E ficaram ainda mais chocados ao verem
Chay Suede, o filho do prefeito, sobre os ombros de alguém, gritando
junto aos rebeldes.
No one will ever shut us. No one will ever stop us. Cause we are the future.
(Ninguém nunca irá nos calar. Ninguém nunca irá nos impedir. Porque nós somos o futuro)
- WE ARE THE YOUNG! – Chay gritou ao meu lado, nos ombros de um estranho, completamente enérgico. – WE ARE ALRIGHT!
Fernando
pareceu se inspirar e sem que eu percebesse, eu já estava em cima de
seus ombros, rindo escandalosa mente e cantando e apontando para as
pessoas nas calçadas que passavam por nós e tentavam nos ignorar.
Eu realmente não sabia que efeito aquele movimento iria surtir na cidade. Mas eu estava completamente instigada a descobrir.
The future is ours. And we choose peace!
(O futuro é nosso. E nós escolhemos paz!)
Assim
que entramos no Nonna’s, de caras pintadas e completamente mal
vestidos, recebemos dezenas de olhares reprovadores. Não era de se
esperar menos, obviamente.
Mas sem nos importarmos – aquilo na verdade nos instigava – sentamos na mesa do canto, aonde sempre nos sentávamos.
-
Um milk-shake de banana, por favor – Mel pediu aos risos, enquanto a
garçonete de patins nos encarava com um nojo obvio em seu rosto.
Chay
e Julian fizeram seus pedidos, enquanto Micael, Fernando e eu
simplesmente continuávamos a comentar sobre o sucesso da passeata.
Tínhamos
devastado – num bom sentido – a Packard Road. Acho que mesmo depois que
acabamos com a turbulência, todos ficaram traumatizados demais para
simplesmente voltarem a trabalhar.
Julian dizia com convicção que
havia tudo corrido de acordo com o planejado, que nem as passeatas de
seus amigos em Londres tinham surtido um efeito tão positivo quanto
aquela provavelmente teria. Ele tinha certeza de que quando chegasse ao
comitê, haveria dezenas de novos pedidos de adesão e que conseguiriam
patrocinadores para a próxima movimentação. Logo conseguiríamos chamar a
atenção da mídia nacional e do próprio governo. Espalharíamos a palavra
da paz por toda a Inglaterra.
Eu conversava animadamente com
Fernando quando, de repente, vi toda a sorveteria ficar estranhamente
silenciosa. Encarei Mel e ela tinha os olhos fixos em um ponto, e me
virei para ver o que ela olhava. Na verdade, todos da sorveteria olhavam
para o mesmo ponto: uma televisão pendurada no outro canto do local.
Uma garçonete foi até o aparelho e aumentou seu volume, e agora, além
das imagens aterrorizantes, também podíamos escutar a voz desequilibrada
do narrador do noticiário.
O lugar possuía fogo para todos os
lados. Pessoas estavam sendo metralhadas. Outras jogavam o que me
parecia bombas caseiras dentro de prédios. Carros blindados passando por
cima de tudo e todos. Rostos desesperados passando pelas câmeras.
Ferimentos. Mais fogo. Muito fogo. Soltados agredindo e sendo agredidos.
Caos.
Tudo o que eu via era caos.
- Foi declarada
oficialmente hoje de madrugada, guerra nas Irlandas. Os países já viviam
em constantes conflitos religiosos entre católicos e protestantes, mas
outro problema pareceu acabar de vez com a paz entre o Éire e a Irlanda
do Norte. Um golpe de Estado, apoiado pela União Soviética, foi aplicado
na Republica da Irlanda, ou Éire, e agora o governo está nas mãos de
comunistas fortemente influenciados pelos soviéticos. O governo
britânico começou hoje mesmo as intervenções, mandando tropas armadas ao
país, a fim de expulsar os comunistas do poder. A situação no momento
está completamente fora do controle, e com apenas dez horas de
guerrilha, já foram confirmados trezentos mortos na cidade de Dublin...
-
Puta merda... – Julian exclamou ao meu lado, no momento em que todos da
mesa prendiam a respiração ao escutar as palavras chocantes vindas do
locutor do telejornal. Assim que ele terminou de anunciar a noticia
impressionante, murmúrios ensurdecedores e desesperados encheram a
sorveteria por completo. Já se podia ver pela vidraça do local as
pessoas saindo de dentro das lojas e conversando pasmadas umas com as
outras.
Nunca pareceu fazer tanto sentido nossa passeata, mesmo não
tendo aqueles motivos. Estávamos principalmente gritando contra a
repressão e contra a guerra que acontecia no Vietnã, mas agora percebi
um sentido completamente diferente para ela.
A Grã-Bretanha havia declarado guerra contra a Republica da Irlanda.
Eu havia escutado direito?
-
Puta merda! – Fernando repetiu ao meu lado, completamente absorto.
Nenhum de nós ousava dizer uma palavra. O que havia para dizer num
momento como aquele?
Mais uma guerra. Dessa vez, uma bem ao nosso lado.
-
Puta merda. Eu tenho dezoito anos. Eu vou ser convocado! – Chay
praticamente gritou, chamando toda nossa atenção para ele, e nos
realizar de vez do horror que estava acontecendo.
Levei uma mão até a
boca, tentando impedir de sair um grito de horror da minha garganta.
Mel já havia explodido em lagrimas e agora balbuciava palavras
desconexas no pescoço do namorado.
Micael bagunçava nervosamente os
cabelos, tentando não gritar assim como eu. To encarava a taça de
milk-shake de Mel, sem expressão e brilho algum em seus olhos.
Julian
já tinha se levantado afobadamente da mesa, correndo para fora do
Nonna’s logo em seguida. Eu sabia que ele iria imediatamente ao comitê.
E Fernando...
Fernando
apertou minha mão fervorosamente, enquanto seus olhos possuíam a mesma
expressão – ou a falta dela – dos de Arthur. Eu o encarei imediatamente,
soltando um suspiro de alivio ao mesmo tempo em que meu coração
acelerava freneticamente.
- Você ainda tem dezessete... – sussurrei
apenas para que ele ouvisse, não querendo parecer egoísta diante da
situação dos meus outros amigos. Eu estava completamente desesperada por
eles, mas se Fernando tivesse dezoito anos como eles, eu estaria
surtando – literalmente – naquele momento.
- Somente até mês que
vem... – ele murmurou de volta, apertando minha mão novamente e deitado
sua cabeça na mesa de vidro a qual estávamos sentados em volta.
-
Até lá essa guerra estúpida já vai ter acabado – sibilei perto de seu
ouvido, deixando minha cabeça cair em seu pescoço. Não pude deixar que
lágrimas desesperadas e perdidas escorressem dos meus olhos.
O que diabos estava acontecendo?
Primeiro John, agora meus amigos seriam levados de mim?
Não.
Não. Não. Não e não!
- Vamos fugir! – exclamei fervorosamente depois de ter essa idéia brilhante.
Todos
me olharam absortos e chocados ao mesmo tempo. Talvez por causa do meu
tom de voz amedrontante, ou simplesmente por causa da frase mirabolante.
- Você ficou louca, Lua? – Micael perguntou, agora que seus cabelos estavam completamente desgrenhados.
-
Ela tem razão! – Mel gritou, com um sorriso sorrateiro em seu rosto. –
Vamos fugir! Vamos fugir agora! Assim ninguém tem que se apresentar em
porra de Exército nenhum!
- Mel, se não nos apresentarmos seremos
presos. Presos. – Chay tentou parecer paciente diante da namorada, mas
eu sabia que o medo o corroia por dentro. Eu conhecia meu amigo.
-
Até eles darem a falta de vocês, estaremos a oceanos daqui! – falei,
olhando nos olhos de Fernando por apoio. Mas ele continuava com a cabeça
deitada na mesa, com um olhar completamente derrotista.
O que é? Minha idéia era perfeita!
-
Se não nos alistarmos e ainda fugirmos... Se nos acharem estamos
arruinados! – agora foi a vez de Arthur acabar com toda a pequena
alegria que fulminava dentro de mim e de Mel. De onde veio todo aquele
pessimismo? Vamos lá!
- Então o que vocês vão fazer, hein? Nos
abandonar? Vão morrer nessa guerra estúpida? – minha voz soou mais
enlouquecida que o normal. Imaginar meus amigos em meio daquele pequeno
inferno que havia acabado de passar no noticiário era impossível. Era um
pensamento completamente enlouquecedor, inaceitável. Eles não iriam
para aquela porra de guerra. Eu não os deixaria!
Eu jurei que nada iria nos separar. Nada!
Ninguém
mais falou uma palavra. A palavra morrer e guerra na minha frase
pareceu muito mais amedrontadora do que era para ser. Ao mesmo tempo em
que eu tinha flashes horrorosos imaginando os quatro no meio de uma rua
em chamas, atirando em pessoas e sendo feridos, parecia que eles também
viam aquelas imagens.
- Eu tenho que falar com meu pai... –
Micael se manifestou primeiro, quebrando aquele clima mórbido que se
formou sobre nós. Se levantou sem falar mais nada, e simplesmente saiu
da sorveteria, que já estava quase vazia por completo.
- Chay, você
também precisa falar com o seu pai – Mel rosnou em um tom autoritário,
recebendo um olhar repreensivo de Chay. – Ele pode ser capaz de te
livrar de se alistar!
- Jamais, Melzinha. Eu não preciso de nada dele. Não vou fazer isso.
-
Chay Suede, você tá mesmo disposto a morrer por causa de uma briguinha
com sua família? – o tom de voz de Mel já estava completamente alterado,
e ela já estava de pé, gesticulando ferozmente.
- Não é só uma
briguinha de família, você sabe disso! – Chay gritou de volta, também se
levantando e discutindo fervorosamente com a namorada.
Pronto. A guerra mal tinha começado e já destruía a nossa amizade.
O
que diabos estava acontecendo? Depois de dez minutos, os dois já
estavam gritando um com o outro no meio da sorveteria. Arthur já havia
ido embora sorrateiramente, com o mesmo olhar mórbido de antes. Toda o
jeito alegre de ser que sempre carregava consigo tinha deixado seu corpo
completamente.
Eu já nem mais escutava a discussão de Chay e Mel.
Nem sabia se eles ainda estavam ali no Nonna’s, e nem fiz questão de
procurar por eles.
Meus olhos estavam fixos em Fernando, que
continuava na mesma posição de antes. Ele não me encarava, e através de
suas íris completamente sem expressões, eu tentava ler seus pensamentos.
Todo aquele silencio agonizante instalado entre nós estava remoendo
tudo dentro de mim.
Segurei sua mão, que havia largado a minha há um
tempo atrás, e a apertei levemente, tentando chamar seus olhos para os
meus. Sem sucesso, no entanto.
- Olhe para mim... – sussurrei,
também deitando minha cabeça na mesa gélida e vendo seus olhos pousarem
nos meus lenta e tortuosamente.
- A gente vai dar um jeito, ok? Vai
ficar tudo bem! – me fiz parecer o mais segura que pude. A verdade era
que eu não tinha a mínima idéia se tudo ficaria bem, mas eu tentava me
agarrar com unhas e dentes àquela possibilidade. – Quando eu sugeri para
que fugíssemos, eu não estava brincando. Fernando, se você for chamado
para o Exército, você vai fugir comigo. Você vai.
Queria que a
ferocidade que coloquei sobre minhas palavras o mostrasse a certeza com a
qual eu as dizia. E eu realmente estava certa sobre aquilo.
Eu
fugiria com Fernando sem pensar duas vezes, assim que ele fosse obrigado
a se alistar. Eu não suportaria vê-lo partindo para uma guerra. Eu não
agüentaria a agonia de não saber se ele estava bem ou não, se estava
vivo ou morto, ferido ou completamente inteiro. Eu me desfaleceria
imediatamente. Eu tinha certeza de que não agüentaria perdê-lo, e por
mais egoísta aquilo soasse, não era mais que a verdade.
John. E agora Fernando.
A idéia era inaceitável. Era completamente insana de tão inaceitável.
Um
bolo de nós cortantes se formou em minha garganta. Eu não deixaria mais
uma lágrima cair dos meus olhos, porque eu não me deixaria perdê-lo.
-
Está entendendo? – o sacudi sutilmente, vendo-o finalmente levantar sua
cabeça e me encarar com um pouco mais de brilho nos olhos. O garoto
desgrenhou os cabelos e soltou um pesaroso suspiro. – Você me entendeu,
Roncato?
Fernando olhou nossas mãos entrelaçadas e, mais do que
nunca, desejei poder ler sua mente embaralhada. Queria tanto, mas tanto,
poder saber o que se passava lá dentro, o que ele pensava daquela
situação, quais eram seus medos e suas expectativas. Queria saber se ele
estava disposto a fazer o que eu havia acabado de demandar.
O
garoto assentiu após alguns segundos encarando nossas mãos, mas por
alguma razão eu não via toda a certeza que esperava ver em sua
confirmação. Ele desviou seu olhar das mãos, mas também não me encarou.
Aquilo me agonizou profundamente.
Puxei seu rosto bruscamente com uma mão, segurando seu maxilar com firmeza e o obrigando a olhar nos meus olhos.
- Você vai fugir comigo, Fernando? – perguntei com firmeza, sentindo o nó afiado me incomodar ainda mais.
-
Eu não vou te deixar sozinha aqui, Lua. – Ele disse simplesmente, e uma
onda de alivio percorreu cada músculo tenso do meu corpo. Seus olhos
agora eram mais certos, mais convictos e mais esperançosos. Aquelas
palavras foram como um balde d’água em minha cabeça, acordando-me
daquele repentino pesadelo em que me encontrava há poucos minutos.
-
Promete? – não resisti a perguntar novamente, querendo que ele tivesse
plena certeza de que eu o arrastaria de Bolton se fosse preciso, apenas
para que ele ficasse o mais longe possível daquela guerra absurda.
Eu
deveria estar orgulhosa. Orgulhosa que meu namorado estaria fazendo um
favor à nação, estaria salvando – ou destruindo – famílias, tirando-as
das mãos de tiranos comunistas. Mas era aquela a verdade por trás da
guerra? Quem eram os vilões na realidade?
Eu já não sabia mais
dizer. Não sabia mais afirmar com certeza de que o comunismo era tudo
aquilo de bom que havia nos livros marxistas, quando na verdade tudo que
eu realmente via era repressão e nada de igualdade. Eu via uma prisão.
Mas
também, como eu poderia afirmar isso com tanta convicção, já que tudo o
que passava nos telejornais era aquilo que o governo capitalista e
imperialista dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha queriam que víssemos?
Como ser imparcial? Como saber de toda a verdade?
Tudo o que eu sabia, era que Fernando não entraria no meio daquele fogo cruzado. Eu não o deixaria.
Apertei
ainda mais meus dedos em seu queixo, querendo que a resposta que eu
queria saísse o mais rápido possível de seus lábios.
De repente, meu pulso estava rodeado por sua mão grande e seus lábios estavam prensados furiosamente contra os meus.
Era
como se aquele susto tivesse nos deixado mais alertas, mais explosivos.
Parecia que eu não sentia seus lábios nos meus a séculos, por isso fiz
questão de invadir sua boca com minha língua o mais rápido que pude. No
instante seguinte, suas mãos estavam firmemente postas ao redor da minha
cintura, puxando-me para mais perto de seu corpo. Meus dedos
entrelaçaram de imediato em seus cabelos, intensificando ainda mais
aquele beijo caloroso.
Como algum dia eu conseguiria viver sem ter o gosto de seus lábios?
Puxei
seus cabelos sem carinho algum, afastando seu rosto do meu e fazendo
com que Fernando me encarasse e me desse finalmente a resposta que eu
queria.
Deixei que aqueles olhos maravilhosos e estonteantes me
distraíssem por alguns segundos, até que encarei sua boca avermelhada,
vendo-a mover lentamente.
- Eu vou fugir com você, Luinha – ele sussurrou. – Eu prometo.
Continua...
**últimos capitulos**
socoooooooooooooooooorro
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