Capítulo 32
Bolton, 21 de Janeiro de 1965
Sua carta não poderia ter chegado
em um momento mais perfeito. Não sei como te contar o que estou prestes
a contar. Não sei qual vai ser sua reação, e ter que contar através de
uma carta faz tudo ser mais difícil do que já é. Nunca quis tanto você
do meu lado, quero tanto, tanto, tanto que chega a ser insuportável.
Ponderei a possibilidade de não te contar pelo medo da sua reação –
apesar de saber que ela vai ser extremamente positiva – mas tenho medo
do que você possa fazer aí. Sei como você é louco, sei que tentaria
fugir e sei que seria até capaz de matar seus oficiais, e não quero que
você se meta em alguma confusão que possa alongar nosso tempo separados.
Quero que saiba que estou bem, e que não tem nenhum motivo para se
preocupar. Vou te contar, porque quero que saiba que agora existem
milhões de motivos para você voltar, e que estarei esperando
ansiosamente.
Estou esperando um filho seu, Fernando. Nem preciso te
dizer o choque que foi descobrir isso, e admito que foi muito difícil
cair na realidade. Mas hora nenhuma duvidei de que a escolha certa era
tê-lo, porque ele é a prova viva de que você sempre estará comigo. De
acordo com o médico, estou grávida de dois meses e você não tem noção da
sensação de ter alguém crescendo dentro de si. Agora que o choque e o
desespero passaram, é maravilhoso. Mel, Arthur e Micael já sabem e já me
deram os presentes mais lindos do mundo. Já temos algumas roupinhas –
algumas que foram minhas, inclusive – e alguns brinquedinhos. Micael
está super empolgado e comprou uma guitarrinha de plástico, dizendo que
nosso filho será uma estrela do rock assim que nascer. Mary está sendo
incrível, pode acreditar, ela até admitiu que quer que esta guerra acabe
logo para que você volte. Sim, ela disse isso, eu também não
acreditaria se não tivesse escutado com meus próprios ouvidos. Ah, diga
ao Suede que ele será padrinho, ok?
E o seu pai está radiante.
Implorei para que ele não mandasse uma carta antes de mim, porque sabia
que ele não aguentaria esconder a surpresa. Ele está amando a ideia de
ser avô e já está até construindo um berço especial para o nosso filho. É
ainda meio estranho falar nosso filho. Talvez minha ficha ainda não
tenha caído completamente, mas acho que aquele brilho de grávida que
todos alegam existir já esteja em mim. É claro que todos da cidade já
sabem, afinal, moramos em Bolton e você sabe muito bem como uma fofoca
não demora a circular por aqui. Como se o povo daqui já não me olhassem
torto o suficiente, agora é quase impossível entrar em algum lugar sem
ser notada. Mas não me importo, de verdade. Sei que é muito para você
assimilar tudo isso que estou te contando, sei que o que você deve estar
vivendo aí já é suficientemente difícil, então espero que essa notícia
não torne as coisas ainda mais complicadas para você. Por favor, me
prometa que não vai fazer nada estúpido. Nós estaremos esperando por
você, não importa o tempo que passe. Sei que essa guerra acabará tão
rápida quanto começou.
Se cuide.
Para sempre sua,
Luinha.
Para
todo lugar que eu ia, levava as duas cartas de Fernando comigo. Poderia
parecer besteira, mas tê-las ali dentro do meu bolso me fazia sentir
como se ele estivesse andando bem do meu lado, com suas mãos
entrelaçadas na minha, me dando aquela sensação de que nada poderia me
atingir. Noel, o mordomo da mansão, agora dirigia meu carro por ordens
de Mary. Não sei o que se passava em sua cabeça, mas ela achava que
agora que eu estava grávida, eu não era capaz de dirigir.
Noel me
levava para o sítio do tio Lewis. Eu fazia questão de visitá-lo
praticamente todos os dias, e quando eu não estava lá, o senhor Roncato
ia até a mansão me visitar. Ele agia como sei que John agiria. Me
tratava como se eu fosse de porcelana e pudesse quebrar a qualquer
momento. Às vezes aquela superproteção me incomodava, já que ela não
vinha apenas de Lewis Roncato, mas também de Mary, Meredith, Mel, Micael
e Arthur. O bom de tudo isso era que tudo o que eu pedia, eu conseguia,
quase como se eu fosse uma Rainha. Ri do meu pensamento enquanto Noel
saia do carro para abrir a porta para mim e eu era recepcionada pelas
dezenas de cachorros do sítio. Bradock veio ao meu encontro todo
saltitante e quando pulou sobre mim, o cachorro ficou praticamente da
minha altura. Fiz um carinho atrás de sua orelha e avistei tio Lewis de
longe, correndo em minha direção com um sorriso enorme.
“Sai pra lá, Bradock!” ele empurrou o cachorro com cuidado e me abraçou. “Como está minha nora e meu netinho?”
“Estamos
bem” sorri com carinho, retribuindo seu abraço com força. Tudo naquele
sítio me lembrava Fernando, e a sensação de estar próxima a ele era
reconfortante. Noel nos acompanhou até dentro da casa e tio Lewis
arrastou as cadeiras da mesinha da cozinha para que nos sentássemos.
“Fiz
seu bolo de chocolate favorito, Luinha” Roncato disse animado indo até o
forno e o abrindo, deixando com que aquele cheiro maravilhoso do bolo
empesteasse o ar. Minha barriga roncou e achei engraçado, já que antes
eu nem ao menos estava com fome. “Luinha devorava um tabuleiro disso
aqui quando ainda morava aqui no sítio!” tio Lewis comentou com Noel
alegremente, colocando o tabuleiro na nossa frente. Ele fez questão de
cortar um enorme pedaço pra mim e raspou a calda de chocolate das
beiradas, do modo que eu sempre fazia. Em menos de um minuto eu já tinha
devorado o bolo com poucas dentadas.
Visitar tio Lewis era sempre
maravilhoso. Não só pelo modo paternal como ele me tratava, mas porque
podíamos dividir a saudade de Fernando; eu sabia que ele sentia falta do
filho tanto – ou até mais – quanto eu. Ele era solitário, uma vez que
era viúvo e seu único amigo restante era John, que também se fora. E
agora sem o filho presente eu jamais o deixaria sozinho. Tinha até
pedido para que ele se mudasse para a mansão – com o alvará de Mary –
mas ele insistia que aquele sítio era a vida dele, e que ele jamais
seria capaz de sair dali. Ainda tinha o bar que o fazia companhia todas
as noites, então eu presumia que ele não ficaria tão sozinho assim. E
afinal de contas, agora com um neto a caminho, ele jamais se sentiria
sozinho novamente.
Fui embora do sítio quando o sol começava a se
pôr, deixando a paisagem à beira da estrada num tom dourado
maravilhoso. Quando passeávamos pelas ruas principais de Bolton até a
mansão, passamos em frente ao meu antigo colégio e deixei com que um
sorriso escapasse dos meus lábios com todas as memorias que vieram à
minha cabeça. Desde as brigas com Flávia até as risadas que Mel sempre
arrancava de mim com comentários maldosos sobre as garotas que estudavam
conosco. Depois de dirigir mais um pouco, Noel passou em frente ao
Nonna’s e um pouco mais a frente tinha o Block Dancing Pub, onde eu
antigamente ia para dançar com Benjamin. Tudo agora parecia um passado
muito distante, e a lembrança de estar com Benjamin era muito remota,
quase completamente apagada na minha mente. Parecia, na verdade, que eu
nunca estivera com alguém antes de Fernando. Que existia somente ele na
minha vida, e sempre seria assim. Talvez pudesse ser um pensamento
romântico e surreal demais, mas era como eu me sentia. Agora mais do que
nunca.
Passei a mão em minha barriga e quando passamos em frente à
Universidade de Bolton, um novo pensamento clareou minha mente. Pedi
para que Noel voltasse e parasse ali em frente, e atravessei o saguão
enorme da faculdade rapidamente, antes que sua secretaria se fechasse. A
balconista era uma garota que havia estudado comigo no Ladywood, e ela
olhou curiosa e descaradamente para minha barriga. Seu nome era Alison,
se eu me lembrava bem era uma garota tímida e gentil, talvez pudesse me
ajudar com o que eu queria fazer. Eu ainda estava surpresa comigo, já
que o pensamento de entrar em uma faculdade já era remoto antes mesmo de
Fernando partir para a guerra, e seria uma das últimas coisas que uma
pessoa normal – e grávida – teria vontade de fazer. Mas a gravidez em si
estava causando todas aquelas confusões em mim, então resolvi
simplesmente abraçar o momento.
- Oi Alison, se lembra de mim? – perguntei retoricamente, é claro que ela se lembrava; sabia até mesmo que eu estava grávida.
- Claro, Lua – sorriu gentilmente. – Em que posso te ajudar?
-
Eu sei que as inscrições da faculdade já estão fechadas... Eu havia
sido aceita em Literatura em Cambridge, mas... – passei a mão com
carinho em minha barriga ainda inexistente – Por razões óbvias, não
posso me mudar para Cambridge.
- As aulas começaram têm dois meses,
Luinha... – ela disse com pesar, se envergonhando depois por ter me
chamado pelo meu apelido.
- Não tem problema! Eu consigo acompanhar!
Literatura é minha grande paixão, Alison, eu não teria dificuldades em
acompanhar... – falei convincente, ainda vendo a expressão indecisa no
rosto de Alison. – Tente pelo menos falar com seus superiores. Só isso
que te peço.
- Tudo bem. – ela se deu por vencida, entregando-me uma prancheta. – Preencha seus dados aí e verei o que posso fazer.
Sorri
agradecida e preenchi o formulário de adesão da Universidade de Bolton.
Entreguei-o a Alison antes que pudesse me arrepender daquilo que estava
fazendo, agradeci e corri de volta para o carro, e Noel me levou de
volta a mansão.
- Você acha que isso é uma loucura? – perguntei à
Mel, ainda confusa com a escolha que acabara de fazer. Três dias depois
que fui até a Universidade, Alison me ligara animada dizendo que o
Conselho da faculdade concordara em me aceitar. O fato crucial talvez
fosse que John sempre doara grandes quantidades de dinheiro para
mantê-la, e Mary continuara fazendo mesmo depois da morte de papai. Eu
não duvidava que ela mesma tivesse ligado lá e pressionado os diretores a
me aceitarem. Ela achava que era uma ótima ideia eu voltar para os
estudos, mesmo estando naquelas condições. Ocuparia minha cabeça e eu
não pensaria tanto com o paradeiro de Fernando.
Todos os dias eu
passava metade do meu tempo em frente a uma televisão, louca por
notícias da guerra. A Inglaterra e a Irlanda do Norte caíam em peso
sobre o Eire, e a ultima vez que tive noticias de Fernando, ele ainda
estava em Belfast. Teria ele já partido para Dublin, na luta sangrenta
que lá tomava lugar? Eu rezava que não.
Eu tentava ser positiva a
maior parte do tempo, mas não conseguia evitar o medo que me afligia
toda vez que via um bombardeio na TV. Eu deveria – agora mais do que
nunca – participar das passeatas que ocorriam por todas as ruas de
Bolton, mas Mary e até mesmo Julian, que depois de ficar sabendo da
notícia, me visitava de tempos tem tempos, me convenceram de que aquela
não era uma boa ideia para a minha segurança.
- Eu acho sensacional!
– Mel respondeu com animação enquanto eu tomava um gole do maravilhoso
chá gelado que Meredith havia nos preparado. Estávamos estiradas sob o
sol na beirada da minha piscina, pois meu médico aconselhara a pegar o
solzinho de manhã para a minha saúde e a do bebê. Mel estava cursando a
Universidade de Bolton, fazia psicologia, então ela saberia me
aconselhar. – A Universidade é fantástica. Claro que não é nenhuma
Cambridge, mas você vai se dar bem. Não pode desistir assim tão fácil
dos seus sonhos.
Ela tinha razão. Não era só porque Fernando estava
fora – e eu agora estava grávida – que eu deveria parar a minha vida. No
momento em que desisti de Direito, ideia de minha mãe na época, a minha
maior vontade era cursar Literatura. Aquela vontade voltara com tudo, e
eu estava certa de que aquilo seria o melhor para mim. Afinal, eu teria
que arrumar um emprego, já que não poderia viver pra sempre da herança
de John e muito menos iria tomar conta dos negócios do John, então eu
tinha que arranjar algo para fazer e sustentar a mim e àquela criança,
algo que eu amasse – de preferência.
Eu me sentia iluminada, de
verdade. Às vezes me sentia um pouco mal, já que Fernando estava em uma
guerra, mas... Eu tinha o direito de me sentir feliz. Não tinha a mínima
ideia de como eu estaria se não tivesse aquele bebê para restaurar as
forças em mim. As reviravoltas foram tantas que às vezes eu tinha
dificuldades em acreditar que tudo aquilo estava acontecendo de verdade.
Parecia um sonho muito surreal. Tudo tinha saído dos trilhos que eu
havia planejado, nada mais era como eu pensava que seria. Mas minha vida
tinha tomado um rumo que eu agora gostava, e mesmo achando que jamais
poderia ser inteiramente feliz com a ausência de Fernando, a parte dele
que crescia dentro de mim me completava de uma maneira incrível.
Não
pude deixar de imaginar a reação de Fernando. Eu sei que ele agiria
exatamente o contrario de tudo o que pedi, mas aquele era ele.
Impulsivo, sempre preparado para fazer o que era certo na cabeça dele.
No fundo, eu queria que ele fizesse tudo o que fosse possível para
voltar à Inglaterra, mas eu sabia que as chances eram mínimas, para não
dizer nulas. Na cabeça de seus superiores, a guerra era mais importante
que qualquer coisa que seus soldados tivessem deixado para trás. Talvez
fosse verdade, mas eu queria mais que tudo que ele estivesse ao meu
lado. Entretanto, eu sentia que ele estaria, logo, logo.
- Eu serei
uma madrinha fantástica... – Mel disse, me despertando dos devaneios, e
tinha certeza que ela o fez de propósito. Eu sei que ela também pensava
em Chay tanto quando eu pensava em Fernando, e era bom saber que eu a
tinha do meu lado. Senti sua mão tocar minha barriga e sorri.
- A melhor do mundo inteiro. – concordei, sobrepondo minha mão na dela.
- Já pensou em um nome? – ela perguntou curiosa.
Eu
já tinha pensado sim. Passava horas e horas na minha cama pensando no
nome perfeito. Eu queria que Fernando me ajudasse a escolher, mas tinha
certeza que o nome que eu havia pensado o agradaria tanto quanto
agradava a mim.
- Joanna se for uma garota. John se for garoto.
Mel
não precisava que eu a explicasse os nomes. Queria que, independente do
sexo, o nome do meu filho fosse uma homenagem ao meu pai. Talvez eu
pensasse mais nele do que em Fernando. A tristeza não mais me abatia
quando eu o fazia, agora tudo o que eu sentia era uma saudade enorme,
mas saudável. Eu o sentia perto de mim, por mais louco que aquilo
parecesse. Sabia o quão feliz ficaria com a notícia de ser avô, e aquilo
fazia meu coração apertar de uma saudade quase insuportável. Mas eu me
sentia incrivelmente sortuda por tê-lo tido em minha vida e por ter
passado momentos fantásticos ao seu lado. Na verdade, meu bebê seria
incrivelmente sortudo por ter tantas pessoas maravilhosas ao seu redor.
Mais
tarde, Meredith preparara um jantar especial. Micael, Arthur e Julian,
juntamente com Mel que continuava lá, jantariam na minha casa. Ela fez
um pouco de tudo: lasanha que era meu prato favorito e não mais me fazia
enjoar, batata assada com bacon que era o prato favorito de Micael, pão
de alho que era a obsessão de Arthur e torta de limão que era a
sobremesa favorita de Mel. Eu ainda não sabia qual era a comida favorita
de Julian, então esperaria até a noite para descobrir.
Mary recebeu
meus amigos com um sorriso alegre, fazendo com que eles me encarassem
com uma cara assustada. Eles ainda não estavam acostumados com aquele
lado agradável de Mary. Ri histericamente da feição de choque de Arthur
para mim.
Sentamo-nos na enorme mesa de jantar, e Arthur já foi
direto para a bandeja de pãezinhos. Conversávamos animadamente, sendo o
tópico principal o bebê. Eu já sabia que o pobrezinho seria o mascote da
turma antes mesmo de nascer.
- Eu acho um absurdo você não dar o
nome do seu filho de Micael. Acho inaceitável. John que me desculpe –
Micael olhou para o teto, como se conversasse com John lá no céu, me
fazendo rir. – Mas Micael é um nome muito mais bonito.
- Ah, cala a
sua boca. Se tem um nome bonito aqui, esse nome é Arthur – o outro
rebateu, como se o que Micael tivesse acabado de falar fosse o maior
absurdo do mundo.
- Pelo amor de Deus, seus nomes não são nada perto do meu. Julian... Sente só o poder! – Julian disse, entrando na brincadeira.
-
Todos os nomes são lindos, garotos, mas continuo com John. Tenho
certeza que Fernando não iria querer o nome de nenhum destrambelhado no
filho dele... – rebati divertida, e então os três entraram numa
discussão interminável sobre por que seu nome era mais bonito que o
outro.
Fazia tempo que não nos reuníamos como antes. Com festas
regadas a álcool, quero dizer. Na verdade, nem me lembrava de qual fora a
última. Os meninos continuavam a frequentar festas, isso era óbvio, mas
agora nossas reuniões se resumiam a filmes, pipoca e muita conversa
jogada fora. Estávamos levando a sério a ideia de não nos afastarmos
porque dois membros da nossa gangue estavam temporariamente ausentes.
Nos
víamos toda a semana, geralmente nos finais de semana, e era ótimo
saber que ainda éramos os mesmos e ainda sabíamos como nos divertir,
apesar dos pesares. Julian havia se tornado um membro oficial da turma,
apesar de não ser tão atoa como éramos e dedicar a maior parte do seu
tempo ao Comitê. Na verdade, a maioria das noticias que eu tinha sobre a
guerra, vinham dele. E ele também era uma das pessoas que mais me fazia
sentir tranquila, sempre me dizendo que aquela guerra iria acabar logo,
sempre me colocando a par das negociações do governo. Micael começaria a
trabalhar no consultório do pai e Arthur trabalhava agora com tio
Lewis, ajudando-o com o bar, principalmente no que dizia respeito ao som
do lugar. Ele era praticamente um roadie das bandas que tocavam lá.
Pensando bem, não éramos tão atoas assim.
Eu começaria a estudar na
próxima segunda-feira e estava com aquele típico frio na barriga antes
do início das aulas. Todos meus amigos consideraram a ideia ótima e já
diziam que eu seria uma autora famosa futuramente. Não que eu tivesse a
mínima intenção de escrever profissionalmente. Na verdade, não tinha a
mínima ideia do que faria quando me formasse.
Eu tinha que viver um dia de cada vez. Minha vida mudaria o suficiente daqui sete meses.
Belfast, 06 de Março de 1965
Como
eu deveria começar essa carta? Eu não consigo me expressar ainda nem
verbalmente, imagina pôr essas palavras no papel? Você não tem nem noção
de como eu fiquei, Luinha. Eu literalmente gritei durante uma hora, e
até mesmo os soldados lá da Irlanda devem ter me escutado. Eu acho que
nunca me senti tão feliz e tão frustrado em toda minha vinha vida. VOCÊ
ESTÁ GRÁVIDA? Eu ainda não consigo acreditar. É a melhor notícia do
mundo. Mas ao mesmo tempo, eu fico com uma raiva gigante de pensar que
eu não estou aí. E você me conhece bem o suficiente para saber que eu
fiz de tudo – do possível ao impossível, tipo tentar fugir – mas não
consegui me livrar desse exército maldito. Meu superior me rebaixou
durante uma semana, e tive que limpar latrinas, você pode imaginar que
não foi nem um pouco agradável.
Você me perdoa por não estar aí? Não
imagino como deve estar sendo carregar essa responsabilidade tão grande
sozinha. QUE ÓDIO. Eu nunca vou me perdoar por não estar aí com você.
Nós devíamos ter fugido no momento em que essa guerra estourou, do jeito
que você falou. Eu sei que não depende de mim, mas vou fazer de tudo
para que essa merda acabe antes do nosso bebê nascer.
Nosso bebê.
Não dá pra acreditar. Eu estou rindo histérico aqui, e meus companheiros
já sabem que eu sou louco. Todos me deram parabéns e me abraçaram
quando eu saí espalhando a notícia aos sete ventos. Vocês dois já são um
sucesso por aqui. Já quase bati em três aqui – de brincadeira, claro –
que falaram que vão tentar roubar você de mim quando voltarmos para
Londres. Eu jamais deixaria, mas agora vai ser mais impossível ainda.
Sonho
todas as noites com você e com o nosso bebê. Não sei por que, mas sinto
que é uma menina. Sei que é você que tem que sentir essas coisas, então
acho que estou meio grávido também. Isso fez com que Chay me chamasse
de louco. Ah, acho que ele está mais animado que eu com a notícia. Disse
que será o padrinho mais legal de todos os tempos. Que se for um
garoto, ele vai ensiná-lo a tocar guitarra, e que se for garota, era
bater em todos os garotinhos que tentarem se aproximar dela. Como se eu
já não fosse fazer isso.
Mas então, voltado aos sonhos. Eu digo que
acho que é uma garota, porque todos os sonhos que eu tive, vi uma
pequena garotinha correndo pelo jardim do sítio. É doido, não é? Ela era
linda, como você. Ela tinha seus olhos e não parecia nada comigo,
graças a Deus.
Você também já pensou em todos os nomes, aposto. Já
até sei que irá colocar John se ele for homem – o que tenho minhas
dúvidas –, e apoio totalmente.
Três dias depois da sua carta, chegou
a do meu pai contando a notícia. Acho que se sua carta atrasasse, seria
ele quem teria me contado. Pode brigar com ele, eu deixo. Ele me contou
que você o visita todos os dias, e eu só tenho a te agradecer por isso.
Não é sua obrigação cuidar dele, e saber que você faz isso por livre e
espontânea vontade só confirma ainda mais o quão maravilhosa você é.
Eu
te amo mais e mais cada dia que passa e saber o que me espera quando eu
voltar me faz o cara mais feliz do planeta. Quero estar aí para ver sua
barriga crescer, quero ver nossa filhinha nascer e crescer em uma
pessoa maravilhosa como você.
Te amo, te amo, te amo.
Sempre seu,
Fernando.
Continua...
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