quarta-feira, 15 de maio de 2013

Web Doce Amor

                               Capítulo 29



Fernando's POV


Minha mala já estava pronta e posta em frente ao sítio. Meu pai já estava avisado, e concordara com meu plano de fuga depois que eu fui definitivamente aceito no Exército. Quando fui me alistar, ele me aconselhara a engolir bolas de algodão, alegando que, na época da Segunda Guerra, um amigo o fizera e fora liberado após um raio-X. Eu estava certo de que iria ser liberado. Tinha absoluta certeza. Aquilo não podia acontecer comigo. Era um pensamento muito egoísta, mas eu não conseguia mantê-lo longe. Muitos garotos da minha idade alistavam-se com orgulho por poder defender sua nação. Eu não conseguia sentir nada além de revolta.
De acordo com meus planos, eu ficaria fora até a Guerra acabar. Até lá eles já teriam se esquecido de mim, obviamente. O lugar mais seguro da Europa para estar naquele momento era algum país do Mediterrâneo, como Grécia ou Itália. Eu sabia que a Luinha era apaixonada por História, e com certeza escolheria a Grécia.
Ao pensar em fazê-la fugir comigo, eu me sentia mais egoísta ainda. Ela tinha uma vida ali, tinha a mãe para ajudar agora que o pai se fora. Tinha uma vida de luxo e conforto. Ainda podia entrar em Cambridge. Podia ter uma vida normal. Não de fugitiva. Ela não merecia aquilo.
Mas meu lado egocêntrico se contorcia em agonia só de pensar em ficar longe dela... Maldito eu era.

Ainda não havia lhe contado sobre meus planos. Na verdade nem havia contado que eu fora convocado. Ela com certeza surtaria e não iria ser racional a ponto de pensar em um plano.
Eu já havia pegado todas as economias juntadas até ali, e meu pai me ajudara com um pouco de dinheiro também. Arrumaríamos um lugar simples para morar, até eu conseguir um emprego e poder nos mudar para um lugar à altura de Luinha. Estava pensando em até... pedi-la em casamento. Por alguma razão, aquele pensamento me fazia sorrir como um idiota apesar dos pesares.

Eu buscaria Luinha naquele dia. Passaríamos em seu apartamento para fazer suas malas, inventariamos uma desculpa ou simplesmente enfrentaríamos sua mãe, e enfim pegaríamos um trem para a França, e depois para Atenas.
No entanto, ela não estava em seu apartamento. Esbarrei com Julian na saída do prédio; o garoto estava completamente desorientado.
“Julian, você está bem?” perguntei, vendo-o tomar fôlego e passar as mãos nervosamente pelos cabelos.
“Uma passeata, cara...” ele respondia ofegante e de olhos arregalados. “Perdemos o controle! A polícia apareceu, está tendo um confronto na Packard Road nesse momento! Estão todos lá e eu vim aqui...”
“Espere... Espere um pouco... Todos quem?” o sangue já começou a subir na minha cabeça, e só um pensamento passava pela mesma. “Lua não está lá, está?” Julian abriu e fechou a boca algumas vezes, parecendo mudo por alguns segundos, até responder apreensivo:
“Ela está cara, mas...”
“Lua está lá?” gritei em plenos pulmões, sem me importar com os olhares reprovadores dos que passavam pela calçada. Eu perdi completamente a compostura só de pensar em Lua no meio do caos que Julian me descreveu. “E O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? POR QUE A DEIXOU SOZINHA?”
Sem que eu ao menos percebesse, já estava com as mãos envoltas no pescoço de Julian, prensando-o contra a parede.
“Acalme-se, Fernando! Vim ligar para meu pai, ele é promotor e...”
“Se alguma coisa acontecer a ela, cara...” minha feição era provavelmente a de um louco. Eu na verdade estava completamente louco. Soltei Julia com fúria e corri para meu carro. Comecei a dirigir desgovernadamente, sem me lembrar da existência de semáforos ou limite de velocidade. Eu passaria até pela calçada se os carros não me dessem passagem.

A Packard Road estava uma anarquia. Uma gritaria ensurdecedora, misturada com a voz revoltada de alguém que falava com um microfone, sem contar o barulho enlouquecedor que fazia as sirenes da polícia. Nem ao menos vi onde estacionei, provavelmente havia parado no meio da rua, e corri o máximo que consegui.
“RAFINHA?” eu gritava e gritava, corria e corria por entre aquele emaranhado de gente e nenhum sinal dela. Mais a frente a polícia já começava a conter os revoltados com cassetetes e fumaça lacrimejante. “RAFINHA?”
O desespero já tomara conta de mim completamente. Eu puxava meus cabelos sem dó alguma, ficando completamente desnorteado com todas aquelas pessoas gritando e correndo ao meu redor. E em nenhuma delas eu via o rosto de Luinha.

‘Pelo amor de Deus, onde você está?’
Corri mais a frente, sentindo meus olhos arderem enquanto passava pela barreira de fumaça. Mas foi quando escutei um grito muito conhecido, que nem agonia eu sentia mais. Apenas desespero.
“VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO!” ela gritava, e por mais que eu corria, eu não parecia alcançá-la. Aquela fumaça comprometia minha visão, e seu arregalasse ainda mais meus olhos eu provavelmente ficaria cego, tamanha era a ardência. “SOLTEM-NO!”
Sua voz ia ficando mais próxima, e mesmo de olhos fechados, sabia que estava chegando perto.
“NÃO!” ela gritou mais uma vez, e eu sentia o desespero estripar tudo dentro de mim.
Quando finalmente consegui abrir meus olhos, dois policiais o dobro do tamanho seguravam Luinha pelos braços, enquanto outros três espancavam com um cassetete um garoto, de no máximo quinze anos.
“RAFINHA!” gritei, e tudo o que consegui fazer no momento seguinte foi correr para cima dos policiais que a seguravam.
“DOUGIE!” sua voz era agora apenas plano de fundo, enquanto um dos policiais, que também era muito maior que eu, acertava um murro atrás do outro em meu rosto. Eu não conseguia sentir dor, talvez devido à adrenalina e ao desespero; eu só queria que aqueles desgraçados ficassem longe dela. “DOUGIE!”
Dei uma cabeçada no nariz do sujeito, sabendo que aquilo iria fazê-lo sofrer muito com a dor antes de vir atrás de mim novamente. Fui para cima do outro policial que segurava Luinha, mas antes que eu pudesse acertá-lo, senti braços me puxarem brutalmente. Dois outros policiais me imobilizaram por trás, enquanto o que antes segurava Luinha vinha em minha direção.
Um murro na barriga. Um nas costelas. Um na bochecha.
“DOUGIE! NÃO! PAREM COM ISSO!” ela estava desesperada. É obvio que estava. Mas eu não conseguia me desvencilhar dos três policiais.

Senti alguns dos meus dentes quebrarem e minha boca se encher de sangue. No entanto, eu ficava cada vez mais fraco, e por incrível que pareça, não conseguia sentir dor. Até o momento em que eu não conseguia sentir mais nada.

End Of Fernando’s POV

Eu estava na cela. Na cela de Fernando. Sua cabeça estava deitada em meu colo e ele ainda estava inconsciente. Já haviam se passado seis horas, e ele ainda não tinha acordado. Eu ainda não tinha saído dali. Nem iria.
No final das contas, quando viram que Fernando cedera a todos os golpes que lhe davam e meus gritos já eram insuportáveis, os policiais resolveram nos trazer para a cadeia.
Um desespero imensurável tomou conta de mim enquanto eu via Fernando ser espancado e eu nada podia fazer. Eu tentava puxar os policiais, mas com apenas um empurrãozinho eles conseguiam me colocar no chão. O sangue começava a escorrer de todos os lugares, e nem assim eles se cansavam de espancá-lo. Eu não suportava mais vê-lo naquela situação, e uma dor terrível me consumia a cada segundo.

E agora que minha mãe havia pagado minha fiança, eu me recusava a ir pra casa. Por alguma razão inexplicável, o delegado me deixara entrar na cela de Fernando para cuidar de seus ferimentos. Talvez ser filha dos Blanco ainda significava alguma coisa. Talvez pensassem que minha revolta era conseqüência da morte do meu pai, por isso os olhares de pena, por isso deixaram-me entrar na cela.
Apesar da cena horrível de Fernando ensangüentado não sair da minha cabeça, outra me atormentava ainda mais.
Quando ele estava completamente desacordado, os desgraçados fuçaram nos bolsos da calça de Fernando a procura de sua identificação. Encontraram no meio da carteira um papel dobrado, e ao lerem exclamaram:
‘Ele é do Exército. Está partindo daqui uma semana. Vamos levá-lo para a delegacia’.
Ele era do Exército? O que aquilo significava?
Um trilhão de pensamentos passavam pela minha cabeça. Eu havia estranhado o fato de nenhuma carta de convocação ter chegado ao sitio, quando na verdade o estranho era que Fernando ainda não havia me contado. Por quê?

De qualquer maneira, os motivos não tinham a mínima importância naquele momento. O que importava realmente era o fato de que ele havia sido convocado. Uma dor ainda mais gritante apoderou-se de mim.
Nós íamos fugir. Eu tinha certeza que, pelo o que eu conhecia de Fernando, ele já havia feito todos os planos precisamente. Mas agora ele estava preso. Agora ele seria obrigado a ir.

Tudo por minha causa.
Eu era a culpada.
Ele aparecera na praça para me procurar, eu tinha certeza. Ele se metera em confusão com os policiais por minha causa. Fora brutalmente machucado por minha causa. E agora iria para a guerra por minha culpa.

Não. Não. NÃO!
Eu queria gritar, queria tanto gritar! Queria esmurrar alguém, queria bater com a minha cabeça na parede, queria esmagar alguma coisa. A raiva de mim mesma era tudo o que dominava. Senti um enjôo insuportável, uma repulsa gigantesca. Coloquei a cabeça de Fernando no colchão o mais delicado que minha situação permitia e me joguei no chão, soltado toda a minha raiva na privada ali do lado.
Eu tinha nojo de mim. Nojo do meu egoísmo, da minha incrível capacidade de prejudicar quem eu amava.
“Ei, você está bem?” o oficial que vigiava a cela perguntou visivelmente preocupado. Não deveria se preocupar com alguém como eu.
Apenas acenei e enxagüei a boca com água da piazinha precária. Deixei-me cair no chão novamente, agora completamente sem forças para agüentar meu próprio peso. Tudo o que consegui ver antes das lágrimas embaçarem minha visão completamente foi a imagem de Fernando, desacordado e com vários cortes ainda cheios de sangue no rosto.

Meu estomago embrulhou-se novamente, apenas ao imaginar algo pior acontecendo com ele.

XxX

Quando Fernando acordou, a primeira coisa que fez foi me beijar. Levantou-se da cama com dificuldade e me abraçou com toda a força que conseguiu. Tentei segurar o choro que tanto me atormentou em todas aquelas horas, numa tentativa de me mostrar forte, e fazer com que Fernando visse que eu ainda não havia desistido dele, nem do nosso plano de fuga. Daríamos um jeito, eu sei que daríamos!
“Como está se sentindo?” perguntei retoricamente. Era só olhar para ele e ver a resposta.
“Estou bem...” sorriu em meio a uma careta em seu rosto. “Minhas costelas doem um pouco, mas estou bem...”
Toquei seu rosto delicadamente, com medo de que eu pudesse machucá-lo novamente. Fernando ainda sorria, e eu desejava ter sua calma. Observei-o.
cautelosamente, como se aquela fosse a ultima vez que nos veríamos, mesmo tendo a certeza de que não seria. Não seria de maneira alguma.
Eu não precisava decorar aqueles traços maravilhosos; eu já os sabia de cor.
“Fernando...” murmurei com a pouca força que ainda me restava. Ele me encarou com apreensão. Aqueles olhos que, mesmo depois de tanto tempo, ainda me deixavam desnorteada. “Eu sei que você foi convocado para a Guerra...”
Dizer aquilo em voz alta parecia ser ainda mais difícil. Talvez se eu não verbalizasse descobriria que aquele pesadelo não era real.
Mas pela expressão de Fernando, aquilo não passava da fria e crua realidade. O garoto olhou para os próprios pés, e quando me encarou novamente, vi seus olhos se avermelharem e se umedecessem.
Envolvi seu rosto com minhas mãos e encostei nossas testas, engolindo todo aquele bolo de choro goela abaixo. Eu me manteria firme. Eu precisava ser forte por ele.
“Nós daremos um jeito, Fernando” falei com convicção, obrigando-o a me encarar quando desviou o olhar com pesar. Olhei profundamente em seus olhos e repeti. “Nós daremos um jeito.”
“Não tem mais jeito, Luinha... Eu terei que ir...” as lagrimas começaram a cair sutilmente de seus olhos, e a dor gritante dentro de mim voltou abruptamente. “Mas vai ficar tudo bem! Vai ficar tudo bem, eu prometo...”
“Você não vai pra guerra nenhuma, Fernando! Eu não vou deixar! Ainda mais quando a culpa é minha, eu não vou deixar!”
Fernando riu levemente e eu o encarei com confusão. A expressão tranqüila voltara para seu rosto e eu não entendia como ele podia ficar tão calmo. Foi sua vez de colocar meu rosto entre suas mãos e de me olhar com profundeza.
“Isso não é sua culpa, Luinha. Isso era algo que iria acontecer eventualmente. Eu não posso fugir da minha responsabilidade...”
“Sim, você pode!” afirmei com certeza, vendo o desespero voltar a dominar minhas ações. Entrelacei meus dedos nos seus e apertei sua mão com força. “Quando eles baixarem a guarda, nós daremos um jeito de sair daqui!”
“Ei, garoto! Tem uma visita para você” o guarda chamou nossa atenção e quando nos viramos, vimos tio Lewis do outro lado da grade. Imaginei qual foi sua reação ao ver o filho todo machucado e dentro de uma cela. Não consegui não me culpar novamente.
“Vou deixar vocês a sós... Vou em casa trazer alguma coisa decente para você comer.” Colei meus lábios nos de Fernando do modo que eu amava fazer e o abracei delicadamente.
Com relutância o soltei e passei pela grade assim que o guarda a abriu. Cumprimentei tio Lewis com um abraço caloroso e peguei um taxi quando sai da delegacia. Por alguma razão, não quis ir para o meu apartamento; alguma força maior me fez querer ir até a casa de Marry. Eu queria ter o colo de minha mãe pelo menos em um momento da minha vida. Agora que não tínhamos John, estávamos mais unidas. Precisávamos uma da outra como nunca, e nossas diferenças não prevaleciam mais como antes. O que nos unia era mais forte do que o que antes nos separava.
Assim que cheguei até a mansão, senti uma enorme saudade de atravessar aqueles enormes portões de bronze, de cruzar aquele jardim tão colorido, de adentrar aquele saguão exagerado. Eu sempre achei tudo dentro daquela casa um exagero, mas nunca pensei que pudesse sentir tanta falta daquilo tudo. Tanta falta de correr por aquele chão de mármore, descer por um dos corrimões da escada bifurcada enquanto Marry gritava desesperada lá em cima e John esperava rindo lá em baixo. Quando ela e Meredith corriam atrás de mim, com medo de que eu fizesse alguma besteira no jardim, como subir pelas árvores e cair como já fizera antes. Até das vezes em que Marry me colocara de castigo em meu quarto e o modo como eu sempre conseguia fugir pela janela e me encontrar com meus amigos. E agora, tudo estava caindo aos pedaços. Eu nunca imaginara que me encontraria naquela situação. Todo o mundo se despedaçando, todo o meu mundo se despedaçando...
Nada era e nem seria como antes. Eu não mais tinha John. Eu e meus amigos não mais poderíamos mais curtir a vida loucamente, porque a realidade nos passara a perna.
Como tudo virara de cabeça para baixo? Como minha vida mudara drasticamente em questão de meses? Como era possível?
Eu nunca quis tanto poder voltar no tempo. Eu sabia que eu não poderia fazer nada para mudar a baderna em que eu me encontrava, mas eu com certeza poderia aproveitar um pouco mais dos momentos tranqüilos e fáceis que tive...
Poderia curtir um pouco mais meu pai...
Poderia curtir um pouco mais as festas loucas com meus amigos...
Poderia curtir um pouco mais da minha estadia no sítio dos Roncato...
E pensar que naquela época nem imaginávamos que estaríamos juntos agora... E depois nem imaginaríamos que algo conseguiria nos separar...
A idéia de perder Fernando para a Guerra era simplesmente insuportável. Gritante. Dolorosa demais. Era como se tudo dentro de mim fosse rasgado e reconstruído novamente, só para poder ser rasgado mais uma vez.
“Luinha?” escutei a voz de minha mãe a alguns passos de mim, mas eu não conseguia mover um passo do saguão.
Solucei abruptamente várias vezes, enquanto meu desespero caia em formas de lágrimas. Senti os braços de Marry me envolverem com ternura, e vi minha fraqueza ceder ao peso do meu corpo. Vi Meredith correr em nossa direção e também me abraçar, na tentativa de me manter de pé.
Mas aquilo era inútil. 

Eu havia perdido todo o meu chão.

XxX

Quando voltei à delegacia, tio Lewis ainda estava lá. Estavam os dois sentados na caminha onde Fernando dormia e se abraçavam. Nenhum dos dois chorava, pelo contrario, sorriam ternamente. Eu não queria atrapalhar o momento que eles tinham, mas minutos depois os dois pareceram notar minha presença. Tio Lewis sorriu para Fernando e se levantou, vindo em minha direção. Sem dizer uma palavra, me abraçou da mesma maneira quando me viu. Retribui com carinho, de alguma forma podendo sentir o mesmo que ele sentia naquele instante. Quando me soltou, beijou o topo da minha cabeça e deixou o local.
Olhei de esgoela para o guarda e ele sorriu discretamente. Entrei dentro da cela e me sentei ao lado de Fernando, que me encarava com calma.
“Te trouxe brownies...” abri a vasilha que carregava, com os bolinhos que Meredith havia feito. Eu sabia que Fernando adorava os brownies dela. Ele sorriu abertamente assim que os viu e não tardou a engolir um de uma vez só. Fez uma cara de prazer muito engraçada, e não pude deixar de rir. Enfiou outro brownie na boca e eu nunca achei tão divertido ver Fernando comer.
A cela estaria completamente escura se não fosse a janelinha que deixava um pouco da luz da lua entrar. O guardinha havia trancado a cela e não mais nos vigiava. Ele era incrivelmente gentil e compreensivo, por alguma razão.
Quando Fernando saciara sua fome, tampou a vasilha e a colocou no chão. Sem dizer uma palavra, entrelaçou nossas mãos e eu descansei minha cabeça em seu ombro. Ficamos em silencio por alguns instantes, apenas escutando a respiração um do outro.

“Me avisaram que terei que partir amanhã...” Fernando sussurrou.
Eu poderia ter surtado. Poderia ter chorado mais um tanto, gritado e ter feito um escândalo. Mas ao contrario de tudo o que eu imaginei, apenas continuei em silencio. Apesar de não estar conformada – longe disso –, eu cheguei à conclusão de que nós não poderíamos fazer nada para evitar aquilo. E ao invés de perder meu tempo lamentando, eu queria poder aproveitar o máximo daquele garoto sentado ao meu lado.
Eu já estava tão anestesiada à dor, que nem sentia mais aquela agonia insuportável. Naquele momento, eu não conseguia sentir nada além da presença de Fernando ao meu lado, e de todas as sensações que ele me proporcionava. Todo o amor, todo o carinho, toda a admiração que eu sentia por ele. Nada além disso.
Tirei meus sapatos e me deitei na cama, puxando Fernando para se deitar ao meu lado. Me exprimi naquele espaço pequeno, entrelaçando minhas pernas na de Fernando e o abraçando pela cintura. O garoto passou a acariciar meu rosto enquanto nos olhávamos pacificamente. Mesmo com a pouca luz, eu ainda conseguia ver todo aquele brilho em seus olhos. Conseguia perceber o pequeno e singelo sorriso em seus lábios. Conseguia enxergar toda aquela beleza que eu amava admirar.
Fechei os olhos por alguns instantes, aproveitando de seu carinho em meu rosto; ainda assim eu conseguia ver seu rosto. Quando abri os olhos novamente, deixei que uma lágrima teimosa caísse solitária. Fernando imediatamente limpou-a com o polegar.
“Eu vou voltar, Luinha...” murmurou próximo dos meus lábios, encarando-me apreensivamente.
“Eu sei que vai...” sorri, apertando-o ainda mais contra meu corpo. Nossos narizes se tocaram e eu novamente fechei os olhos na tentativa de não chorar.
“Então por que está chorando?” sua voz saiu como um sopro. Eu sabia que ele também queria chorar. Eu sabia que ele também estava se segurando. Por alguma razão que nem nós sabíamos. Abri os olhos novamente.
“Porque já estou sentindo saudades...”
Fernando nada disse. Colou nossos lábios sutilmente e me envolveu com seus braços, juntando-nos ainda mais. Eu queria guardar o gosto de sua boca na minha memória. Queria guardar o modo que nos beijávamos, e como nossos lábios se encaixavam perfeitamente. Quando afundei meu rosto em seu pescoço, inalei o máximo de seu perfume que consegui. Quando voltei a encará-lo, me prendi a cada detalhe de seu rosto. Quando passei a mão por todo seu corpo, decorei cada curva.
Eu sabia que não me esqueceria de nada. Eu sabia que ele estava preso na minha memória. Preso no meu coração. E que nada, absolutamente nada o tiraria de mim.

Senti meus olhos pesarem e cederem ao meu cansaço, à minha fraqueza. Mas eu não queria dormir. Eu lutaria contra meu corpo até o ultimo momento. Porque eu sabia que quando eu acordasse, a hora de dizer adeus finalmente chegaria.
Lutei.
Lutei.
Lutei mais um pouco...
Até o momento em que manter os olhos abertos era uma tarefa impossível. Mas assim que fechei os meus, os de Fernando vieram imediatamente em minha mente.

“Durma bem, meu amor”
Foi tudo o que escutei antes de não sentir mais nada.

XxX

É com muito pesar que começo a pôr essas palavras no papel. Eu não consegui dormir noite passada. Tudo o que consegui fazer foi te observar dormir pesadamente, a tensão ainda te dominando. Mas eu queria gravar cada detalhe seu na minha memória, mesmo tendo em mente que eu já os sei de cor.
Nunca pensei que pudesse existir dor tão grande quanto a que estou sentindo agora. Tudo dentro de mim está massacrado, principalmente meu coração. Ele está batendo mais fraco, quase parando. Há um nó em minha garganta e o ar parece não chegar da maneira devida até meus pulmões. Minhas mãos tremem tanto quanto suam.
Resolvi deixar esta carta aqui ao invés de acordá-la. Eu não seria capaz de olhá-la nos olhos e depois partir. Eu queria que você tivesse em suas mente apenas a imagem de nós dois juntos, curtindo a presença um do outro. Não queria que me visse indo embora, que tivesse em sua lembrança o momento em que nos diríamos adeus.
Escrevendo aqui, com apenas o som da sua respiração pesada e pesarosa, ao fechar os olhos posso imaginá-la ao meu lado, sussurrando em meu ouvido palavras doces que usualmente saem de sua boca. Posso sentir o cheiro entorpecente de seus cabelos, seus lábios tocando os meus... Esses sentidos estão guardados dentro da minha mente como se fossem parte de mim.
Tenho que admitir que não sabia o que escrever quando a idéia da despedida surgiu em minha mente. Não sabia, porque o fato de ficar distante de você por uma fração de segundo pode me levar à loucura. Não ter seus beijos, seus abraços, suas juras de amor, suas brincadeiras, sua voz doce em meu ouvido, seus cabelos emaranhados no travesseiro, sua pele macia contra a minha... Não ter tudo isso me tira o ar por alguns instantes e a dor dentro de mim chega a ser insuportável.
Ficar longe de você parece ser uma tarefa impossível, porém não vejo outra saída.
A razão porque dói tanto separarmo-nos é porque as nossas almas estão ligadas. Talvez sempre tenham estado e sempre o fiquem. Talvez tenhamos vivido milhares de vidas antes desta, e em cada uma tenhamos nos reencontrado. E talvez em cada uma tenhamos sido separados pelos mesmos motivos. Isto significa que esta despedida é, ao mesmo tempo, um adeus pelos últimos dez mil anos e um prefácio ao que virá.
E sei que gastei todas as vidas antes desta à sua procura. Não de alguém como você, mas somente de você, porque a sua alma e a minha têm que andar sempre juntas. E assim, por uma razão que nenhum de nós entende, fomos obrigados a dizer-nos adeus.
Adoraria dizer que tudo correrá bem para nós, e prometo fazer tudo o que puder para garantir que assim será. Mas se nunca voltarmos a nos encontrar outra vez, e isto for verdadeiramente um adeus, sei que nos veremos ainda em outra vida. Iremos encontrar-nos de novo, e talvez as estrelas tenham mudado, e nós não apenas nos amemos nesse tempo, mas por todos os tempos que tivemos antes, e por todos que teremos depois.
Talvez um dia eu vá a muitos lugares, conheça muitas pessoas... Mas quero dizer sem qualquer esperança ou planos, que por mais tempo que fique longe, por mais pessoas que eu conheça, por mais lugares que eu visite: nem por um segundo me esquecerei de você. E meu coração, mesmo despedaçado, irá amá-la para sempre. Não só pelo que você é... Não só pelo que você já fez, mas pelo que eu passei a ser e fazer depois do momento em que você entrou na minha vida. Então aqui venho humildemente agradecer por tudo que você me deu e por tudo que nós vivemos.
Por todas as conversas, todas as vezes que cuidou de mim após uma briga estúpida, todas as vezes em que me deu um beijo por nada, por todos os abraços, por todas as calorosas brigas que sempre acabavam no sofá do seu apartamento, pelos momentos em silêncio que mais pareciam um diálogo profundo, por todas as vezes que me acolheu e principalmente: por nunca ter desistido de mim. Dei-lhe chances para me deixar em diversos momento durante nosso tempo juntos, e em nenhum deles você pareceu ser esperta o suficiente para se afastar. Talvez se você tivesse o feito, não estaria sendo tão pesaroso este momento. Entretanto, não me arrependo de nada do que vivemos. Na verdade, os momentos que passei com você foram os melhores de toda a minha existência. Momentos incríveis que pensei não ser capaz de presenciar. Você trouxe luz à minha vida no momento em que eu mais precisei. Você me estendeu as duas mãos nos diversos momentos em que caí, e nunca apontou o dedo em minha cara nos momentos em que falhei.
Dizem que somente quando encontramos o amor, é que descobrimos o que nos faltava na vida. Você era tudo o que faltava para me completar, para trazer paz em minha vida, para dar um sentindo nas coisas que eu não entendia...
Eu posso estar a milhas de você, mas quando fecho os olhos posso senti-la ao meu lado; e com essa simples imagem meu coração dispara.
Você, Lua Blanco, é a pessoa mais maravilhosa que conheci. Seu jeito doce de me olhar, de me dizer que tudo vai ficar bem... Sua risada nem um pouco discreta...
Como amo seu sorriso. O modo como você sempre está disposta a ajudar ao próximo, o modo como você luta pela justiça, por um mundo melhor...

Pelo amor de tudo que é sagrado, sempre se lembre que eu jamais tirarei você do meu pensamento. Sempre te levarei aonde quer que eu vá.
E eu lhe peço que nunca me esqueça. Apesar de você sempre me dizer, eu sempre fico inseguro quanto a nós dois. Mesmo você sempre me dizendo que não é melhor do que eu, nada tira da minha cabeça o contrario. Você poderia ter o garoto que quisesse, e até hoje me instigo do porquê de você estar comigo. Um dia vou descobrir o que tenho de tão especial para ter te atraído.
Devo agradecer o Benjamin por ter te entregado a mim. Agradeço até pelos murros que levei, já que por você eu passaria por tudo aquilo quantas vezes que fosse preciso.

Não queria despertar a tristeza dentro do seu coração. A última coisa que eu quero nesse mundo é ver uma lagrima escorrendo do seu rosto. Eu já vi algumas vez e não quero repetir a cena. Por isso, peço que seja forte. Quando a saudade for tão grande, de modo que penses ser quase impossível de suportar, lembre-se de tudo o que vivemos, de todas as deitadas na grama do sítio, da nossa viagem à Salford, das nossas idas até o parque, de quando costumávamos dançar como se não existisse mundo à nossa volta; lembre-se das nossas mãos dadas e do cheiro do meu perfume, que logo estarei ao seu lado. A saudade pode ser enlouquecedora, não deixe que ela lhe roube a razão. Pense na saudade como uma coisa boa: quer dizer que eu ainda significo algo pra você, que seu coração ainda bate por mim.
“Para estar junto não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro.”
Leonardo da Vinci

Tome por base esta frase, lembre-se dela toda vez que se sentir triste, sempre que a dor dominar seu coração. Lembre-se do nosso amor, lembre-se que, aonde quer que eu esteja, é você que vejo quando fecho os olhos. É você a razão do meu coração palpitar. É você o meu primeiro e ultimo pensamento no dia.
Você é todas as razões, todas as esperanças, e todos os sonhos que sempre tive, e o que quer que nos aconteça no futuro, todos os dias que passamos juntos foram os melhores dias da minha vida.
Antes de termos nos encontrado, atravessava a vida sem sentido, sem razão. Sei que de alguma maneira, todos os passos que dei desde o momento em que comecei a andar eram passos dirigidos ao seu encontro. Estávamos destinados a encontrarmo-nos. Mas agora comecei a perceber que o destino pode magoar uma pessoa tanto quanto a pode abençoar, e dou por mim a perguntar-me porque razão - de todas as pessoas do mundo inteiro que alguma vez poderia ter amado - tinha de me apaixonar por alguém que vai estar distante de mim. Parece não ter sentido.
Espero que possa me perdoar um dia. Mas não quis me despedir. Não quis, pois sei que nos veremos novamente.
Esta não é uma carta de despedida.
É apenas um breve adeus, o qual agora termina com um simples, mas sincero te amo.


Fernando Roncato, 2 de Dezembro de 1964.



Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vamos comentar LuCáticas?