Capítulo 36
I can't help falling in love with you
Bolton, 10 de Setembro de 1966
Querido Diário,
Hoje
é o primeiro aniversário de Joanna. Claro que não consigo conter a
minha felicidade, mas ela seria maior se ele tivesse aqui. Tudo o que eu
mais queria nesse mundo é que ele estivesse aqui para vê-la crescer.
Sei que a presença de um pai é essencial para o crescimento de uma
criança, para mim foi, pelo menos. Tive o melhor pai que qualquer
criança pudesse ter. Mais que um pai: um anjo. E não tenho a menor
dúvida de que Fernando seria exatamente isso para a pequena Joanna. Às
vezes me pegava imaginando como seria se ele estivesse aqui, envolvendo
nossa pequena naqueles braços que eu tanto amava abraçar...
Olhando
para trás, esse pouco tempo que eu e Fernando vivemos juntos, eu achava
incrível a conexão que tivemos. Talvez eu fosse exagerada, talvez fosse a
saudade, ou o fato de ele ter sido meu primeiro amor. Mas a verdade é
que tudo tinha sido muito intenso e muito rápido e agora parecia muito
distante. Eu sempre acreditei que tudo acontece por uma razão, mas agora
eu não entendia a razão de tê-lo perdido.
Talvez eu devesse apenas
pensar nas razões de ele ter aparecido em minha vida. Fomos amigos a
vida toda e eu nunca havia reparado em seus olhares diferentes ou
qualquer sinal de que ele poderia sentir algo mais que amizade por mim. A
verdade é que nunca reparei muito em Fernando. Nunca havíamos sido
grandes amigos, nunca trocamos diálogos profundos, então o despertar
daquela pequena paixão que tive por ele foi a maior surpresa que eu
poderia ter. E tudo por causa de Flávia. Aquela amiga que havia me
traído no que agora parecia séculos atrás. Fora ela quem abrira meus
olhos. ‘Como alguém pode gostar de você? Só um idiota como o Roncato!’,
foram essas as suas palavras. E a partir de então eu comecei a vê-lo com
outros olhos. Passei a reparar em todos os pequenos detalhes que antes
não via, todos os sinais que Fernando emanava e eu era cega demais para
enxergar. E foi então que percebi o quão lindo ele era e a paixão que
senti por ele foi completamente espontânea. Agora eu desejava ter
percebido antes, assim quem sabe eu não teria mais memorias de nosso
tempo juntos. Mas ao invés de lastimar por algo que não havia
acontecido, eu devia ser simplesmente grata por ter vivido o que vivi ao
lado dele.
Fernando me mudou completamente. Me tirou de uma rotina
em que o único objetivo da minha vida era ser perfeita. Eu era
completamente calculada, e nada podia fugir dos meus planos. Fernando
causou uma reviravolta gigante, me ensinando que devíamos viver cada dia
de uma vez, e era vivendo o presente que construíamos um futuro. Eu
poderia não mais tê-lo ao meu lado, mas sempre o teria comigo.
Decidi
que era hora de parar de escrever. Para sempre. Eu já tinha seguido em
frente, talvez não completamente, e escrever naquele diário seria um
lembrete constante do que Fernando e eu tínhamos vivido. Eu tinha medo
de chegar a um ponto em que eu não tivesse mais o que escrever. Não que
eu fosse esquecê-lo, eu pensava que isso seria impossível. Certas
pessoas aparecem em sua vida e te marcam de uma forma tão intensa que é
completamente incabível a hipótese daquelas lembranças se extraviarem.
Mas agora eu tinha uma nova vida para cuidar, e se apegar ao passado não
era uma boa maneira de construir um futuro.
Aquele dia em
especial havia sido um dos melhores que tive em um bom tempo. Jo fazia
um ano e, mesmo que ela não fosse lembrar quando crescesse, eu queria
uma comemoração, mais para mim do que para ela. Até porque quase não
havia crianças na festinha, uma vez que eu não conhecia muitas pessoas
que tivessem filhos. Então convidei todos os meus amigos e até alguns
colegas de trabalho, e todos lotaram o jardim da cara de Marry. Ela
estava magnífica e tão feliz de um jeito que nunca havia visto antes.
Ajudava Meredith a servir os convidados, vinha e arrumava a roupa de
Joanna ou a minha, e compartilhava algumas risadas com Tio Lewis.
Roberta e Chay não desgrudavam de sua afilhada e eu pensava que não
podia ter escolhido padrinhos melhores. Joana era completamente
apaixonada por eles. Mais por Chay que por Mel. Pedia o tempo todo para
que o padrinho a levasse aqui e ali, sempre queria mostrar algo a ele
naquele enorme jardim. Arthhur e Micael conversavam com algumas garotas e
Julian compartilhava suas ideias com um dos meus colegas de trabalho do
jornal.
Senti a mão de tio Lewis sobre a minha. Olhei-o e sorri.
Era incrível a semelhança dele com o pequeno Roncato, como John
costumava chamar Fernando. O mesmo sorriso, os mesmos olhos, os mesmos
cabelos castanhos que agora eram substituídos pelo branco. E a mesma
ternura. Eu sabia o que aquele sorriso significava. Ele queria que o
filho estivesse ali tanto quanto eu, mas nada podíamos fazer, então
apenas sorríamos pelo simples fato de termos algo maior para nos deixar
mais felizes.
A música estava alta, e eu havia pedido a Marry que
colocasse meu vinil favorito do Elvis. Como eu sentia falta de escutar o
meu Rei, e não existia ninguém no mundo que conseguisse me acalmar mais
do que ele. Burning Love então animava toda a festa, e assim que Joanna
escutou a voz de Presley, agarrou a mão do padrinho e o obrigou a
dançar. Minha filha partilhava a minha paixão pelo Rei, e Suede
definitivamente não tinha a mesma habilidade que seu irmão na pista de
dança.
Um súbito frio percorreu minha espinha, uma sensação gostosa
que fez com que eu me levantasse da cadeira perto da piscina. Agarrei a
mão de tio Lewis e o arrastei aos risos para perto de onde Chay e Jo
dançavam desengonçadamente. Tio Lewis sempre era meu parceiro de danças
nas festas com fogueiras do sítio, antes que eu soubesse da habilidade
de seu filho. Talvez fosse de família e Fernando tivesse aprendido a
dançar justamente com seu pai.
Eu não havia percebido a saudade
que havia sentido de dançar até aquele momento. Tio Lewis e eu
dançávamos em sincronia, e ríamos como se fossemos duas crianças. Como
acontecia antigamente, uma roda se formou ao nosso redor e me senti o
centro das atenções como era alguns tempos antes, quando eu me atrevia a
dançar com Benjamin nas festas de Arthhur. E a sensação era ótima. Era
como se agora, depois de tanto tempo, eu começasse a me lembrar de todas
as coisas que me faziam sorrir antes de Fernando partir. Era como se eu
começasse a viver minha vida novamente, agora de verdade.
Quando a
música acabou, tio Lewis me rodopiou pelo ar e todos começaram a bater
palmas. Joanna veio correndo em minha direção e pulou em meu colo.
“Mamãe dança bem!” ela gritou me dando um beijo estalado em minha bochecha. “Dança eu!”
Então começamos a dançar ao som de Shake, Rattle and Roll e o mundo parecia girar novamente.
XXXXXX
Eu
havia finalmente feito Joanna dormir. Depois de termos corrido horas e
horas atrás de todos os animais que viviam ali no sítio, ela finalmente
dormira no colo de seu avô, que também se encontrava desmaiado no sofá
depois de ter sido cansado pela neta inquieta. Por mais cansada que eu
estivesse, não conseguia dormir, estava com a cabeça a mil. Eu havia
finalmente terminado meu primeiro livro. Eram apenas poesias avulsas que
eu havia escrito ao longo dos anos, nada de muito relevante, uma vez
que eu não tinha muita experiência nesse mundo literário além de ter
lido todos os romances existentes no planeta. Mas ainda assim, eu estava
extasiada. Havia deixado o manuscrito na editora do jornal em que
trabalhava, e se eles gostassem, ele logo seria publicado e o meu maior
sonho seria realizado.
Escrever poesias havia se tornado a minha
terapia, um jeito de me ater ao passado sem que ele me machucasse. Havia
mostrado alguns para Marry e Meredith, e as românticas incuráveis que
eram, choraram em cada palavra. Isso mostrava que eu estava fazendo
alguma coisa certa. Afinal, era todo esse o sentido de escrever: colocar
nas palavras algum sentido que fará com que as pessoas se conectem a
você. Eu me conectava com as minhas próprias palavras e esperava que
elas pudessem tocar mais alguém. E eu não podia negar que em cada
palavra havia um toque dele. Era inevitável, ele vivia em mim, era parte
de mim. Tudo o que eu fazia, cada movimento, cada palavra escrita ou
falada, tudo remetia a ele e eu havia parado te lutar contra a saudade,
que agora era minha grande amiga. Convivíamos em harmonia e eu não mais a
odiava. Ela me consolava com alegria.
Sentei-me debaixo de uma
grande árvore ao lado da casa e deixei que Bradock deitasse com a cabeça
em meu colo, enquanto eu acariciava sua orelha. Fechei os olhos e
deixei com que aquela brisa gelada levasse consigo o meu cansaço, e o
cheiro do inverno percorreu meu corpo com calmaria. Quando abri meus
olhos, o pôr-do-sol ofuscava meus olhos, mas dedilhava uma silhueta ao
longe que se aproximava a passos pequenos. Bradock pareceu também
perceber a sombra e se levantou assim que eu fiz o mesmo. Sorri. Eu
amava sonhar com ele, eram sempre sonhos bem-vindos que não me deixava
esquecer detalhes que às vezes se perdiam em meu consciente. Resolvi me
aproximar também.
À medida que eu andava, me dava conta do quão real
aquele sonho se parecia. Ele usava trajes pretos do exército e seu
sorriso era tão lindo quanto eu me lembrava. Parei na metade do caminho.
Queria apenas observá-lo chegando até mim, e queria sentir seus braços
ao meu redor para que eu finalmente pudesse acordar feliz com a
lembrança de como era bom abraçá-lo. E então ele se aproximou mais e
mais, e aqueles olhos intensos foram ficando cada vez mais reais, e seu
cheiro me inebriou como costumava fazer.
“Lu...” sua voz suave era
exatamente como me lembrava, e me causou as mesmas sensações de antes;
aquele frio na espinha, aquela agitação no estômago, o sorriso que se
formava em meus lábios involuntariamente. E quando ele ficou próximo o
suficiente para me tocar, senti suas mãos envolverem meu rosto e senti
que minhas pernas cederiam a qualquer momento. Não queria cair e acordar
daquele sonho perfeito.
Seus olhos me deixavam completamente tonta e
seu toque fazia o mundo girar sob os meus pés. Não fechei os olhos
porque não queria perder um detalhe sequer daquele rosto que eu tanto
sentia falta. Eu tinha medo de chegar um dia em que eu não mais
conseguisse lembrar de suas feições com clareza.
“Lu” ele repetiu, e
sua voz soava como a mais bonita das melodias. Eu não conseguia me
mover por medo de que qualquer movimento brusco me fizesse acordar, mas
seu toque, seu cheiro, seus olhos... Era tudo real demais. Era tudo bom
demais. Senti uma lagrima solitária cair de um dos meus olhos, mas eu
não sabia dizer se era de tristeza ou felicidade. Talvez um pouco de
ambos.
“Lu... Eu estou aqui...” ele sussurrou de modo que pude
sentir seu hálito fresco perto do meu rosto e não contive em fechar meus
olhos dessa vez.
“Eu sei... Você sempre vai estar aqui...” sibilei
com a pouca força que ainda tinha, agora me atrevendo a tocar suas mãos
postas em meu rosto, sentindo talvez pela ultima vez a textura de sua
pele. Minhas memórias continuavam frescas, e eu era muito agradecida por
isso.
Ele então apertou meu rosto contra suas mãos e depositou um
leve beijo em meus lábios, e eu então tive certeza de que o chão se
abriria sob os meus pés a qualquer momento.
“Não, Lu... Eu estou aqui” ele disse com mais firmeza, me obrigando a abrir meus olhos.
Um
momento de confusão me abateu e de repente nada mais fazia sentido. O
ar escapuliu dos meus pulmões e as minhas pernas fraquejaram ainda mais.
As sensações eram reais demais. Seu toque, seu hálito, seu beijo...
Meus braços caíram novamente, minhas pernas finalmente cederam, e então
minha cabeça pareceu parar de funcionar.
XXXXXX
Minha
cabeça doía, e as luzes que escapavam por entre as frestas da cortina
faziam-na doer ainda mais. Eu havia sonhado o sonho mais bonito, do qual
não queria jamais acordar. Mas eu tinha uma realidade melhor para
viver. Levantei-me com cuidado e fui até a cozinha beber um copo d’água.
Escutei os gritos e risos de Joanna e assumi que ela estava brincando
novamente com o avô. Joguei um pouco daquela água fria no rosto para que
ela enxaguasse os resquícios de lembranças que aquele sonho trouxera.
Eu precisava acordar para a vida.
Fui em direção ao gramado do sítio
onde Joanna corria de um lado para o outro e recostado à grande árvore
estava tio Lewis, que ria como nunca. Olhei para a direção onde Jo agora
corria... E lá estava ele. Minhas pernas novamente pareciam querer
ceder e eu não acreditava na peça que a minha própria mente estava me
pregando. Era mais tortura do que eu poderia aguentar. E então seus
olhos finalmente encontraram os meus e aquele sorriso tão conhecido se
abriu para mim.
“Mamãe, o papai!”
Eu finalmente criei coragem
para andar, e à medida que eu me aproximava, olhava para tio Lewis para
ter certeza de que eu não mais estava sonhando, e ele então sorria e
batia palmas como uma criança. Joanna correu em minha direção e puxou
minha mão para que eu fosse mais rápido de encontro a Fernando, e quando
eu finalmente me pus a par da situação, larguei a mãozinha de minha
filha e corri na direção dele.
As lágrimas agora explodiram dos meus
olhos e meu coração parecia que rasgaria meu peito a qualquer momento, e
quanto mais eu corria mais o tempo parecia passar em câmera lenta.
Fernando abriu os braços e eu pulei sobre seu corpo, envolvendo seu
pescoço com meus braços. Fosse sonho ou não, eu queria aproveitar cada
instante daquele momento.
“Fernando...” seu nome saiu dos meus
lábios como um soluço e eu não conseguia conter a enxurrada de lágrimas
que caía. Seus braços apertavam-me com uma força incrível e eu tive
certeza de que aquilo não era um sonho quando Joanna começou a pular de
alegria ao nosso redor. “Você está aqui mesmo?” perguntei com medo da
resposta, enquanto Fernando envolvia meu rosto com suas mãos firmes e me
olhava nos olhos com ferocidade. Nada disse, mas colou seus lábios com
fúria nos meus, e então senti novamente aquele gosto quase apagado pela
minha memória. Nosso beijo tinha o gosto do mar. Nossas línguas se
moviam em sincronia, como se não tivessem passado anos separadas, e
minhas mãos agarravam seus ombros com força só para terem certeza de que
ele estava ali mesmo. Algo tão real não podia ser fruto da minha
imaginação.
Nossos lábios finalmente se separaram e mesmo com a
visão embaçada pelas lágrimas, podia ver seus olhos penetrantes me
olhando como se fosse a primeira vez que me visse.
“Eu estou aqui, meu amor.”
“Eu
fui perseguir um oficial irlandês que tinha acabado de matar um dos
meus melhores amigos lá do exército... Tolice, claro, mas eu estava
embriagado de raiva, eu nem me reconhecia mais. A guerra te muda, Lu...”
Estávamos no meio da mata, sentados sob a sombra de uma das árvores
que protegia o pequeno córrego. Eu me sentava no colo de Fernando
porque não queria perder um detalhe sequer de seu rosto tão castigado
pela guerra. Aquele rosto antes tão delicado agora estava repleto de
pequenas cicatrizes. Seu cabelo estava raspado e eu podia ver um enorme
corte na lateral de sua cabeça, e eu sabia que se visse seu corpo,
também veria as lembranças que aqueles anos lhe deixaram.
Eu ainda
estava um pouco embasbacada, não sabia se realmente acreditava que
aquilo estava acontecendo. Mas ele estava ali. Fernando estava ali, na
minha frente, respirando, me olhando, acariciando minha mão. Nem nos
meus sonhos mais profundos eu imaginaria que este momento aconteceria.
Fernando nunca foi declarado morto, mas seu corpo nunca fora encontrado.
E depois de anos, a esperança de vê-lo novamente ia desaparecendo aos
poucos.
Mas quando eu tocava cada pedaço de seu rosto, quando
delineava a pequena cicatriz em sua sobrancelha, depois aquela deixada
em seu nariz perfeito e outra em sua boca, eu parecia esquecer que
tantos anos se passaram. Só conseguia pensar em como ele havia sofrido, e
como eu desejava que ele não tivesse passado por nada disso.
“Então
corri atrás dele para dentro de uma mata, e quando finalmente consegui
alcançá-lo, começamos a lutar e ele sacou uma arma. Dois tiros no peito”
Fernando desabotoou sua camisa e então vi duas cicatrizes profundas em
seu peito, perto do coração. Contive o desespero que me abateu e levei
minhas mãos em direção ao seu ferimento, mas não consegui prender o
soluço de horror que escapou de minha garganta. “E quando caí, bati a
cabeça em uma pedra” então apontou para a grande cicatriz em sua cabeça
que eu havia reparado antes. “Como eu estava no meio da mata, muito
longe do campo de batalha, não me encontraram de imediato. Foi uma
família que me encontrou e me levou ao hospital, mas como eu estava sem
identificação, não puderam contatar ninguém. Fiquei em coma durante oito
meses, foi o que eu ouvi falar...” Fernando contava tudo com calma,
como se tudo aquilo não fosse nada demais. Talvez ele tentasse me
acalmar, mas eu estava inquieta. Seus olhos não tinham mais aquele mesmo
brilho, mas era de se esperar. Parecia que Fernando havia envelhecido
uns dez anos. “Os médicos achavam que eu era um caso perdido, que eu não
iria mais sair do coma. Até que um dia... Foi você, Lu. Sei que parece
louco, sei que qualquer pessoa me acusaria de louco, mas... foi você...”
ele me olhava com a mesma profundidade de antes, como se ao me olhar
ele pudesse ler todos os meus sentimentos, todos os meus pensamentos,
tudo o que eu era. Ele me olhava com uma ferocidade incrível, talvez
também passasse pela cabeça dele que jamais nos veríamos novamente. Seus
olhos poderiam não ter mais aquele brilho de inocência e juventude, mas
eles continuavam a ser os olhos que tiravam meu fôlego, que faziam meu
coração parara e voltar a bater no segundo seguinte. “Foi você quem me
salvou, Lu. Eu podia não ter muita consciência, mas o pouco que tinha me
fazia pensar em você... Eu sempre sonhava com você... Com esses olhos
me encarando, essas mãos me tocando...” Fernando agarrou minhas mãos com
delicadeza e as beijou sutilmente. “Com essa boca que sempre me
enlouqueceu...” então tocou meus lábios com seus dedos. “Eu sonhava que
você me abraçava e toda a dor que eu sentia desaparecia. Era você quem
me dava forças, Lu, era você que me dava motivos para continuar lutando
pela pouca vida que ainda me restava. Foi você...”
Vi uma lágrima escapar de seus olhos e não consegui conter as minhas. Era tanta dor naquelas palavras.
“Você
está aqui agora...” eu disse roucamente quando procurava por palavras
que fossem apagar aquele sofrimento, mas nada que eu dissesse iria fazer
com que aqueles anos não tivessem existido. Fernando sorriu sutilmente e
envolveu meu rosto em suas mãos, e então entrelacei nossos dedos. “Eu
ainda não acredito...”
Senti seus lábios tocarem os meus com leveza como se fosse a primeira vez. Era um beijo cheio de sofrimento.
“Eu nunca vou te deixar de novo, Lu. Eu te prometo”
Ver
Fernando com Joanna ainda parecia um sonho. Aquela situação era tão
parecida com todos os sonhos que eu havia tido, que ainda tinha medo
daquilo ser nada mais que isso. Mas era como se Fernando nunca tivesse
partido e fizesse parte da vida de Joanna desde sempre. Talvez fosse
pelo fato de eu contar histórias sobre Fernando o tempo todo, assim Jo
tivesse o sentimento de conhecê-lo. Ela brincava e balbuciava, puxava a
mão do pai e o arrastava para ver todos os seus brinquedos e todos os
animais da fazenda como se Fernando jamais estivera ali. E então eu via
novamente aquele brilho nos olhos de Fernando enquanto a pegava no colo e
a girava no ar, quando rolava com ela pela grama, quando prestava
atenção em cada detalhezinho da filha que entregava a ele todas as suas
bonecas. Era incrível como eles se pareciam. Fernando provavelmente
discordaria e insistiria que Jo parecia comigo, mas ela era toda ele.
Era esse um dos motivos que não me fizeram esquecê-lo enquanto estivera
fora. Os mesmos olhos. Os mesmos cabelos castanhos, a mesma boca. Ela
era sua cópia. E eles eram perfeitos juntos. Aquela visão era melhor que
qualquer sonho que eu jamais tivera.
Eu estava completa.
Completamente feliz, uma felicidade que não cabia em mim. Eu não podia
descrever o que se passava dentro de mim, mas era a melhor sensação que
eu podia sentir.
E tudo se tornou ainda mais intenso quando nossos
amigos chegaram. Vê-los reencontrando, os gritos, os abraços, a alegria
incabível que se instalara naquele sítio. Chay, Mel, Arthhur, Micael,
Fernando e eu. Todos juntos novamente. Todos abraçados como se jamais
tivessem se separado. Os risos de felicidade. Todos os garotos se
juntaram ao redor de Fernando e o carregaram, jogando-o para cima. Mel e
eu riamos desesperadamente enquanto Joanna pulava de alegria como se
entendesse o que estava acontecendo.
“Seu filho da puta!” Micael
gritava em meio aos risos quando colocaram Fernando finalmente no chão.
Ninguém parecia acreditar, então todos o pegavam o tempo todo,
abraçando-o, dando murros, desarrumando seu cabelo.
“Temos que sair
pra comemorar agora!” Arthhur exclamou e todos concordaram com gritos
animados. Os garotos combinaram de ir até a cidade comprar bebidas e
carne para um churrasco e eu pedi que Mel cuidasse de Jo, enquanto tio
Lewis preparava o sítio para uma festa. Afinal, aquele sim era um motivo
para comemorar. Liguei as pressas para Marry, que mal conseguiu
entender minhas palavras extasiadas, e ela também não conseguia
acreditar no que eu dizia.
“Fico feliz em ver que vocês agora
estão próximas novamente...” Fernando disse com um sorriso largo em seu
rosto. A verdade é que o luto e a dor unem as pessoas como nenhuma cola
pode fazer. Entrelacei nossos dedos e aproveitei para levá-lo para
dentro da casa, agora que todos estavam ocupados. A passos desastrados
corremos para o antigo quarto de Fernando como duas crianças
desesperadas.
Mas eu estava desesperada. Desesperada para tocá-lo, para sentí-lo. Desesperada para ser dele novamente.
Quando
a porta estava finalmente trancada atrás de nós, algo fez com que nos
congelássemos de frente um ao outro. Seu olhar poderia me atordoar mais
que qualquer toque, e ele agora possuía um misto de desejo e ternura.
Seus lábios entreabertos deixavam escapar ofegos e seu peito movia
rapidamente. Por um impulso eu então tirei minha blusa. Os olhos de
Fernando se arregalaram e cada ato nosso dava a impressão de que tudo
que fazíamos fosse como a primeira vez. Ele observava cada pedaço meu
com furor, como um predador encara sua presa. Arranquei a minha saia e
logo depois minha calcinha, deixando-me completamente nua frente a ele.
Eu queria que ele me observasse, que lembrasse como eu era, que me
desejasse como sempre desejou. Logo senti suas mãos explorarem cada
centímetro de pele e cada pelo do meu corpo se arrepiar com seu toque
quente. Eu podia querê-lo desesperadamente, mas queria aproveitar cada
segundo devagar. Queria relembrar, mas ao mesmo tempo criar novas
memórias maravilhosas. Agora seus lábios percorriam meu pescoço e suas
mãos acariciavam minhas costas. Quis agarrar seus cabelos como sempre
amei fazer, mas eles não estavam lá, então me contentei em agarrar seus
ombros. Puxei sua blusa para cima e me desconcentrei ao ver as tantas
cicatrizes que agora cobriam sua pele. Pressionei meus lábios numa
tentativa de conter o choro; não queria estragar aquele momento.
Fernando então envolveu meu rosto de uma maneira que me fazia sentir
completamente protegida de qualquer perigo do mundo, e eu queria poder
fazer o mesmo. Tirei suas mãos de minhas bochechas e levei meus lábios
até cada uma delas, na intenção de fazê-las desaparecer, mesmo isso não
sendo possível. O escutei soltar um suspiro e sorri satisfeita. Subi
novamente até sua boca, desesperada para sentir seu gosto novamente e
pulei para envolver sua cintura com as minhas pernas. Nossos lábios se
exploravam com fúria, e eu nem me importava com o fato de eles estarem
latejando naquele momento.
Eu estava completa.
Fernando me
deitou finalmente na cama e eu o puxei com as pernas para ficar tão
colado em mim quanto possível. Nossos corpos suados se encaixavam com
perfeição, e as minhas unhas não tinham a mínima dó ao arranhar suas
costas. Fernando mordia meu pescoço com o mesmo cuidado e eu me
movimentava debaixo dele na tentativa de senti-lo tanto quanto pudesse.
Levei as mãos ate o botão de sua calça, mas elas tremiam tanto que
Fernando teve que tirá-la por si só. Então pude sentir que ele me queria
tanto quanto eu o queria.
Eu estava completa.
Não havia nada
melhor que o rastro de seus beijos em toda a minha pele, não havia nada
melhor que me arrepiar ao sentir seus ofegos em meu pescoço, nada era
melhor que tê-lo em meus braços novamente. Até que finalmente senti a
melhor sensação de todas. Senti Fernando de todas as maneiras possíveis.
Sem desgrudar seus olhos dos meus, todas as partes de mim que antes eu
havia perdido, voltavam a cada movimento. Meu corpo se contorcia em
êxtase, minha cabeça girava compulsivamente e eu me agarrava aos ombros
de Fernando enquanto ele me preenchia com o amor que só ele podia me
dar.
Eu estava completa.
O cheiro de sua pele me inebriava, e eu
estava completamente bêbada de desejo e luxúria e paixão. Seus olhos
cheios de fogo me deixavam ainda mais tonta, e suas mãos apertavam minha
coxa sem pudor, nossos corpos se moviam no mesmo ritmo, nossas
respirações se misturavam e nossas bocas se exploravam. Meu estômago se
revirava, meus pés sentiam câimbra e meus olhos se reviravam.
E estávamos completos. Juntos.
Do jeito que sempre fomos. Do jeito que deveria ser. Do jeito que sempre seríamos.
Assim
que Marry chegou ao sítio, abraçou Fernando como se fossem velhos
amigos. Ele ficou sem reação no começo, mas logo a abraçou de volta.
Aquela era uma cena que eu jamais imaginaria ver.
“Obrigado, sra.
Blanco... Obrigado por cuidar das minhas meninas enquanto eu estava
fora...” Fernando sibilou sem graça, e Marry abriu um sorriso.
“Estou feliz por estar de volta, Fernando” ela rebateu com sinceridade.
Quando
meus amigos se juntaram, falavam tanta bobagem que era como se jamais
tivessem se separado. Nos reuníamos ao redor de uma enorme fogueira, com
copos cheios de cerveja nas mãos, e era como se fossemos aqueles
adolescentes irresponsáveis e sem uma preocupação sequer novamente. E
era bom. Era como se realmente não tivéssemos nada com o que preocupar. E
não tínhamos mesmo. Arthhur tinha um violão nas mãos e eu só percebi
quanta falta havia sentido das músicas deles até aquele momento.
Fernando e Chay tocavam para o exército, então não estavam enferrujados.
Quando arriscaram tocar suas músicas antigas, nos revemos em tempos
agora distantes, quando ficávamos horas a fio cantando como se não
houvesse mundo ao nosso redor. Tocaram as clássicas, Met This Girl, Get
Over You, That Girl. E eu sabia que todas elas haviam sido escritas para
mim.
“Pessoal, eu queria tocar uma nova música pra vocês” Fernando
chamou a atenção de todos, e Marry, com Joanna no colo, e tio Lewis
vieram se sentar conosco. “Eu a escrevi no navio de volta para cá...” ele sorriu sutilmente, olhando para mim
e depois para Joanna. Senti meu coração palpitar e meu sorriso crescia
em meus lábios. Fernando pegou o violão de Arthhur e dedilhou algumas
notas antes de começar.
Little Joanna has got big blue eyes,
Coconut cream and coffee coloured thighs,
I could die lying in her arms,
Where castles are made of sand,
We start to dance but only the music is bleeding,
When crickets replace the band
She will always be my sun kissed trampoline
She goes up and down in my heart
Turn into jelly beans
And I'm starting to believe that
Danger is never near
When Joanna is here
Little Joanna's like a laser beam sky
Glowing maximus like a firefly
And that's why I'm a kissophobic
You say your dreams are made
Like lemonade
But when the shivers are salty
And sea forms the colour of space
She will always be my sun kissed trampoline
She goes up and down in my heart
Turn into jelly beans
And I'm starting to believe that
Danger is never near
When Joanna is here
Todos
ficaram sem palavras quando Fernando terminou a música. Eu estava meio
extasiada por escutar sua voz cantar de novo. Escutar Fernando cantar
era uma das minhas coisas favoritas do mundo todo. Mas aquela música
havia sido mais especial que todas as outros. Mais do que qualquer uma
que Fernando havia escrito para mim. A única que emitia algum som era
Joanna, que batia palmas freneticamente e gritava de alegria quando o
pai terminou a música.
“Papai!” ela gritou. Eu sabia que todos ali seguravam as lagrimas. Eu nem impedi que elas descessem.
Fernando
se levantou e foi em direção a Jo, que pulou imediatamente em seu colo,
e ele então a abraçou de olhos fechados enquanto não escondia o choro.
Era uma cena linda de se ver. Provavelmente a cena mais linda que já vi
em toda a minha vida. Me levantei também e os abracei, e eu sabia que
jamais seria tão feliz quanto naquele momento. Eu tinha uma família. Uma
família só minha. Se me perguntassem há três anos como eu me via no
futuro, eu jamais teria imaginaria que seria assim.
Mas nenhum outro futuro poderia ser melhor.
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